É um laboratório natural que se destinava à criação de corços para a repovoação na espécie da serra de Bornes, mas tornou-se mais do que isso. Hoje o cercado é uma maneira de estudar a espécie rara.
Pelo menos uma vez por ano, dezenas de estudantes universitários têm um laboratório natural para estudo, num cercado de corsos criado por uma associação de caçadores de Macedo de Cavaleiros e considerado pela academia um projeto singular.
Neste espaço com 35 hectares não se caça e a captura de animais que é feita tem como finalidade monitorizar os que vivem em ambiente natural no Cercado de Corsos de Grijó/Vilar, na serra de Bornes, em Trás-os-Montes.
Aprofundar o estudo da espécie é o propósito da Associação de Caçadores de Grijó e Vilar do Monte que, há vários anos, trabalha em conjunto com a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e o Instituto Politécnico de Bragança (IPB).
À semelhança dos anos anteriores, também neste mês de outubro dezenas de alunos e orientadores participaram em mais uma jornada de captura dos corsos, na qual foram monitorizados 16 dos 25 animais que povoam o cercado. “Este é o outro lado da caça que, normalmente, a sociedade não vê ou não lhe é transmitido. Gerir é também caçar, estudar é também caçar, nós só podemos gerir bem se tivermos um conhecimento perfeito da espécie”, realçou à Lusa Raul Fernandes, presidente da associação de caçadores.
O trabalho começou em 2007, com a introdução de duas fêmeas que atraíram um macho ao cercado. O primeiro corso ali nascido ainda anda por lá e tem agora 11 anos. Já ali nasceram cerca de 40 animais, alguns dos quais têm sido libertados e outros vendidos, como dois exemplares para o Parque Biológico de Vinhais, ou para zonas de caça da região e do Alentejo.
O cercado, segundo Raul Fernandes, começa agora a assumir-se como “um ativo financeiro”, com retorno da venda, mas ressalvou que a razão principal da sua existência e dos prémios que tem recebido a nível nacional e internacional é a preservação e estudo da espécie.
O projeto conta com o apoio de organizações como o Safari Clube Internacional, nomeadamente ao nível do equipamento, como câmaras, de monitorização dos corsos e logística.
O presidente da associação de caçadores acredita que o trabalho que ali tem sido desenvolvido tem impacto no habitat com a serra de Bornes mais protegida de incêndios, já que o corso funciona como a cabra no controlo do mato rasteiro.
Raul Fernandes realçou também o contributo para a biodiversidade, pois o corso é presa de alguns predadores como o lobo ou um lince ibérico que passou no cercado monitorizado pelo Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF).
A ideia inicial foi criar em cativeiro para repovoar a serra de Bornes, mas a espécie teve, entretanto, uma expansão natural e apontaram outro objetivo do cercado, que “é aprofundar o estudo sobre esta espécie, que não é fácil de observar”.
“É um projeto singular. É a caça como deve ser, uma caça responsável em que o caçador é não quem tira, mas que cria algo e estabiliza e conserva”, observou Filipe Silva, diretor do hospital veterinário da UTAD, parceiro no projeto.
O papel da academia é a coordenação técnico-científica, nomeadamente aquando das capturas, como indicou Aurora Monzón, bióloga do departamento florestal da UTAD. “É uma cooperação em que nós comprometemo-nos a fazer deste cercado um local de ensinamento, de experimentação e onde os alunos podem aprender técnicas de maneio e gestão de fauna cinegética e o cercado serve para saber quantos animais é que tem dentro, as características, equilibrar o número de animais para não degradar o espaço e para que os animais tenham um estado físico saudável”, indicou.
Nas capturas, são feitos vários exames aos animais que evidenciam momentos de stress considerados pelos especialistas “importantes para eles porque lhes vai permitir quando forem para o exterior, ter estratégias de defesa”.
Para os alunos é a constatação, como considerou, de que “o trabalho de conservação da natureza não passa só pelo gabinete, exige sacrifícios, exige passar por dentro do mato”. “Em termos de protocolos, em termos de experiências também educativas, é único no país e em muito países europeus. Existem poucas universidades que podem oferecer uma experiência destas aos seus alunos”, afirmou.
Também Paulo Cortês, docente do IPB, sublinhou que aquilo que se tem feito neste cercado “é o que devia ser feito em muitas outras zonas de caça para efeitos de monitorização de populações, de controlo, para ir acompanhando ao longo dos anos o que vai acontecendo com esse animais”.
De entre os jovens universitários que têm participado na experiência, já saíram seis trabalhos finais de licenciatura realizados neste contexto. Foi o caso de Armando Pereira, engenheiro florestal formado na UTAD, que fez parte das primeiras equipas e está presente todos os anos. “Quando era adolescente sempre tive uma ideia um bocado negativa em relação aos caçadores, vir aqui também me deu uma perspetiva diferente em relação ao gerir os espaços, ao ter de controlar o número de animais”, contou à Lusa.
Para outros alunos, como Morgan Motauny, que estuda zootecnia na UTAD, este foi o primeiro contacto com o corso e mais uma aprendizagem para levar para a província de origem na África do Sul, conhecida pela riqueza agrícola.
Poder estar em contacto com os animais, torna a experiência ainda melhor para Filipe Cardigos, estudante de enfermagem veterinária do IPB, enquanto a colega brasileira Poliana Campos sublinha que “na prática é outra coisa diferente da teórica”.
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