terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Uma Crônica de Natal para Zé Reis

Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos
(colaborador do "Memórias...e outras coisas..")
São Paulo - Brasil


Não raro, vejo o Zé Reis. O Zé Reis, também conhecido por "Zé dos Cachorros", visto que os têm em número de quinze; é coletor de aparas e alumínio nas ruas de Taboão da Serra. Também faz pequenos carretos, utilizando a sua carrocinha. Falar com ele é fácil: difícil é ficar longe dos olhares ciumentos de seus cães, que o acompanham no seu mister. 
Muitas vezes tentei descobrir um pouco mais do Zé Reis. Disse-me um dia que veio do Paraná, pelo menos foi o que entendi, e vive em Taboão da Serra há mais de quinze anos. A vida que leva não é fácil, com pouco estudo e um tanto tímido, faz apenas o suficiente para continuar vivendo; coisa que não é privilégio seu, visto que noventa por cento dos brasileiros também fazem o suficiente para continuar vivendo, e os poucos que trabalham com carteira assinada, muitas vezes perdem boa parte de seus ganhos com os impostos do governo; mas isso é outra história!
Num desses dias chuvosos de dezembro, encontrei o Zé Reis ali no Parque Santos Dumont. Ele apanha os sacos de lixo, e os apalpa. Recolhe papelão e latas de alumínio, se existirem; pega panelas velhas, janelas, aparelhos de rádio, ou quase tudo que pode ser aproveitado, trocado, reciclado ou vendido. E lá vai ele, com seus cães. De repente pensei: será que ele não é um profeta, um poeta, um escritor, um livre pensador, um louco, um depressivo, ou talvez um anjo?
Lembro-me que certa vez ele me disse que um dos mais tristes dias de sua vida foi quando sua cadela, a Baronesa, morreu atropelada na BR-116, no momento em que ele passava com sua carroça na faixa de pedestres, encaminhando-se para a Praça Nicola Viviléchio. Nesse dia, dez cães o acompanhavam, e nove deles passaram céleres no sinal fechado, menos a "Baronesa", que, curiosa, vivia olhando para todos os lados e, nesse dia atrasou-se em atravessar a estrada. Um caminhão do Rio Grande do Sul a pegou em cheio. A Baronesa nem gemeu!
Zé Reis só ouviu o baque seco da pancada do pneu dianteiro batendo na Baronesa. Ela ficou lá estendida enquanto o resto da fila de carro terminava de esmagá-la. Nesse dia Zé Reis não "trabalhou" mais: pegou um saco novo que trazia consigo e, sob o olhar dos seus amigos cães, recolheu os restos da Baronesa no saco. Seguiu chorando até o barranco do Córrego Poá, onde deixou o saco, enquanto foi buscar uma enxada. Fez uma cova funda e enterrou a Baronesa. Todos os seus cães acompanharam tudo.
Desde esse dia,o Zé Reis só atravessa a estrada quando tem certeza que seus únicos amigos estão em segurança. E ele continua aqui e acolá a catar papelão e latas de alumínio. Quando vocês o encontrarem, chamem-no pelo nome e digam que seus cães são lindos. Nada mais é necessário. Se puderem conseguir um emprego para ele, ótimo; se não puderem, não o olhem com piedade. Ele é um grande coração. 
Lembro que este ano perdi duas pessoas da família. O Natal é sempre um pouco nostálgico, principalmente quando lembramos que neste ano não estarão presentes pessoas queridas que até o ao Natal passado estavam connosco. Nesse natal, devemos olhar com outros olhos para aqueles desprovidos da sorte. O papai Noel e o Menino Jesus devem ser lembrados. 
Os presentes que damos as pessoas que amamos, têm um significado especial. Existem presentes que não se encontram nas lojas.
Ano que vem teremos novos vereadores e novo prefeito: quem sabe pessoas como o Zé Reis possam ser mais felizes! Fiquemos otimistas. Olhemos para aqueles que precisam.
Incentivemos aqueles que dão amor a pessoas que não conhecem. "Deixai vir a mim as criancinhas, disse Jesus. Têm crianças de mais de cinquenta anos de idade, igualmente ingênuas e carentes. 
Temos que procurar entender as palavras de Cristo na sua essência!

Feliz Natal para todos.

Texto criado em 2010

Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. Nascido em julho de 1946, é natural da zona rural de Cravinhos-SP (Brasil). Nascido e criado numa fazenda de café; vive na cidade de São Paulo (Brasil), desde os 13. Formou-se em Física, trabalhou até recentemente no ramo de engenharia, especialista em equipamentos petroquímicos.  É escritor amador diletante, cronista, poeta, contista e pesquisador do dialeto “Caipirês”. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos” e quatro em antologias, junto com outros escritores amadores brasileiros. São seus livros: “Pequeno Dicionário de Caipirês (recém reciclado e aguardando interesse de editoras), o livro infantil “A Sementinha”, um livro de contos, poesias e crônicas “Fragmentos” e o romance infanto-juvenil “Y2K: samba lelê”.

1 comentário:

  1. Margarida De Fátima Garcia27 de dezembro de 2019 às 11:29

    António Carlos gosto muito da maneira como escreve, da emoção que põe nas suas palavras. Nesta época peço sempre que o Menino Jesus ponha no meu coração e no de toda a gente o melhor presente que existe, AMOR. É dele que precisamos para ser felizes e fazer felizes quem precisa de nós. Um Santo Natal e um Ano 2020 abençoado!

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