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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 4 de janeiro de 2020

TROVADORES E PAJADORES GAUCHOS

Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS
São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)


PREFÁCIO: o leitor deverá entender que o ACAS pesquisa falares e acentos regionais brasileiros, há longa data. As “pajadas”, (ou "poemas crioulos/poesias crioulas/poemas gaúchos" - conforme Paulo de Freitas Mendonça), ao que parece originária ou originadora das “payadas” platinas, são na interpretação deste caipira paulista, “causos em versos”.
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- E o índio velho, queixo duro, estava cevando o mate amargo. A prosa galponeira estava animada. Há muito tempo aqueles gaudérios pretendiam fazer aquele tchêncontro, com surungo, roda de jogo de truco, vinho, um assado, umas bagas, um amargo e uma charla ao pé do fogo. Ele gostava de haraganear, por isso o evento lhe agradava.
Enquanto despejava mais água quente na cuia de porongo (cabaça, como se diz em caipirês), na qual a bomba de prata já lá estava; o índio velho e aporreado; lembrava dos tempos em que desfilava com seu flete nas coxilhas e invernadas verdejantes, varridas pelo Naragano; que fazia com que os ossos doessem do fresco demasiado, mesmo usando o poncho, sombrero, bombachas e botas de couro; mas a cuia ficava à la cria!
Ele lembrou também do cusco preto que o seguia ao pé de seu bagual, nas vezes em que ia a um bolicho ou para ver uma chinoca querida. Lá, ele se encontrava com os gaiteiros, chamameros (ou chamameceros; como gostaria Paulo de Freitas), poetas e pajadores, que se apresentavam, por uma baga , na tertúlia nativista, com o melhor da poesia crioula. Naquelas noites trigueiras, enquanto dobravam o cotovelo, se mateavam ou tomavam a água-benta, ou o vinho da colônia, iam sentindo saudades dos tempos de guri e piá hermoso, das coisas da vida levadas à laço e espora, da querência amada. No final da tertúlia, era sempre servida uma comida campeira e um churrasco digno de um campeiro gaúcho. Mesmo depois de comer, beber, ouvir música, abichornar-se e chorar de saudades, o índio velho, por la gracia do Patrão Velho, num upa, ele abria cancha para o onírico e ficava ali, à meia guampa, fingindo não estar gateado, um tanto jururu, declamando “pajadas” do macanudo gaudério Jayme Caetano. Afinal, nesta vida campeira, ele já estava com o pé no estribo; pronto para falar com o patrão velho.
E então, o índio velho levantou-se e em voz solene, declamou esta poesia do grande poeta Rillo:

Eis a poesia:

Título da Poesia: Cusco Cego
Autoria: Apparicio Silva Rillo

Este cusco brasino, cara branca,
Pequenote e rabão,
Que o parceiro está vendo enrodilhado,
Aí perto do fogão,
Foi mordido de cobra na paleta,
Quando troteava atrás de uma carreta,
Cruzando um macegão.
Resultou de tal manobra
Que o veneno dessa cobra
Cegou meu cusco rabão.

Faz um tempão
Que se deu esse tropeço.
Dava pena, no começo,
Ver o cusco atarantado,
Pechar de frente e de lado,
Chorando como um cristão.

Agora vagueia solitário pelo pátio,
Perdido nessa noite sem aurora,
Que um dia lhe desceu pela retina.
Por quando a noite se embalsama de perfumes,
E os pequenos e inquietos vagalumes,
Acendem lamparinas nos brejais:
Eu maldigo a injustiça do destino,
Que não ouço o uivo triste do brasino,
Chorando a lua que não vê mais!

Epílogo: sentados a uma mesa posta com as comidas e bebidas campeiras, o ACAS e sua esposa ouviram a poesia acima e aplaudiram no final; não sem antes, tomados pela emoção, verterem quatro lágrimas paulistas.
- Bem pareço ser paulista de quatro costados, mas com uma centelha gaúcha!

Criado em: 22/11/2010 16:47:35

Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.

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