quarta-feira, 4 de março de 2020

AS RELAÇÕES DE BRAGANÇA COM ESPANHA (1820-2012)

O contrabando neste Distrito faz-se em larga escala. Os principais artigos introduzidos de Espanha, tanto pelo Rio Douro como por outros diferentes pontos da raia seca, são cereais de toda a espécie, gado vacum, aguardente, vinho, tecidos de lã e de seda e carneiras. Este tráfico é a principal indústria de algumas povoações arraianas, tanto de um como de outro país.
(Relatório do Governador Civil do Distrito Administrativo de Bragança, 1857)
Ponte sobre o Rio de Onor, símbolo da multissecular ligação entre Bragança e Espanha
As relações de Trás-os-Montes e de Bragança em particular, com a Galiza e Castela-Leão têm de ser vistas no contexto das relações de Portugal com a Espanha. Durante séculos, os dois países viveram ignorando-se mutuamente, mais por força de acontecimentos e rivalidades históricas da mais variada natureza, do que por razões de natureza geográfica e económica. Esquecendo as origens comuns de povos e culturas pré-romanas que transcendiam significativamente as linhas divisórias que mais tarde vieram a definir ambos os Estados, nomeadamente, no que diz respeito à fronteira que separa Trás-os-Montes da Galiza a Norte, e de Castela-Leão a Leste, a verdade é que, por força das vicissitudes da Reconquista, na Alta Idade Média, Portugal veio a constituir-se como Estado independente, desde cedo revelando uma vocação eminentemente marítima, encontrando no comércio externo o vetor fundamental da sua economia, e no Atlântico o espaço da sua afirmação, da sua sobrevivência, da civilização que forjou, quiçá, da sua razão de ser e de existir como entidade política autónoma.
É certo que, temperando de certo modo essa matriz, Portugal demonstrou uma significativa abertura aos restantes Estados ibéricos, e mesmo à própria Espanha, fundada, como é sabido, na segunda metade do século XV, com os Reis Católicos, que uniram os Reinos de Aragão e Castela.
No que concerne, então, a Trás-os-Montes, as relações económicas, sociais, culturais e religiosas com a Galiza e Castela-Leão mantiveram-se intensas, profundas e duradouras. Cidades e vilas fronteiriças, como Chaves, Vinhais, Bragança e Miranda do Douro animavam tráfegos e circuitos comerciais que ignoravam, praticamente, a fronteira entre os dois países e que iam até Santiago de Compostela, Orense, Zamora, Valladolid, Burgos e Salamanca. Santiago de Compostela exercia sobre os portugueses do Norte de Portugal um profundo fascínio.
Numerosos portugueses estudavam em Salamanca e artistas de Zamora e Valladolid vinham trabalhar para Trás-os-Montes. E às feiras, romarias e festas populares de ambos os países, até ao século XIX, acorriam, de um e do outro lado da fronteira, portugueses e espanhóis.
Mas, foram sobretudo as relações económicas que aproximaram, no século XIX, o Norte de Portugal de Castela-Leão. Não sabemos qual das duas regiões mais beneficiou com este intercâmbio económico. Mas sabemos que no Porto se localizavam as grandes casas comerciais que animaram este tráfego (Bragança chegou a possuir sucursais e armazéns daquelas), e que, portanto, a capital do Norte detinha o controlo de boa parte do comércio desenvolvido entre a sua região e Castela-Leão. E sabemos, igualmente, que as forças vivas do Porto e do Norte de Portugal, como se pode ver através de numerosos relatórios da época, defendiam as “inegáveis vantagens” que viriam para Portugal do estreitamento e fortalecimento das relações de “amizade e boa harmonia” que nos ligavam à nação vizinha, e que os mútuos interesses dos dois países aconselhavam a que se facultasse “na maior escala possível a livre navegação do Rio Douro” às populações de ambos os países.
Quanto a Bragança, a sua localização junto da fronteira, a ausência de boas comunicações com o resto do território português e a sua tradicional dependência de gados e cereais, fez com que as relações com a Galiza e Castela-Leão se assumissem sempre imprescindíveis.

CONTINUA...

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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