Aberta fronteira entre Espanha e Bragança para afazeres agrícolas

Passagem fronteiriça aconteceu esta quarta-feira às nove da manhã.
Foto: Pedro Rebelo
Antes da abertura da passagem, que estava marcada para as 09h00, já Luís Miguel estava à espera para poder passar com o trator carregado de palha para levar para os animais.

Mora em Rihonor de Castilla e esta quarta-feira, pela primeira vez desde o encerramento das fronteiras devido à pandemia da Covid-19, pôde passar com a máquina agrícola para a homónima portuguesa, Rio de Onor, Bragança.

A aldeia comunitária raiana sempre foi uma exceção, e agora volta a sê-lo, com os governos português e espanhol a abrirem uma passagem duas vezes por semana para que a população possa tratar dos seus afazeres dos dois lados da fronteira. "Tenho gado em Portugal e colmeias na parte espanhola. E tenho de passar por este caminho, não há outro", explica Luís Miguel.

Tânia Rei

Águia-de-Bonelli: casais estabelecem divisão de tarefas nos cuidados às crias

Um estudo de investigadores espanhóis concluiu que os casais de águia-de-Bonelli (Aquila fasciata) estabelecem uma divisão de tarefas nos cuidados às crias que se ajusta com o avançar do desenvolvimento destas e permite assegurar o seu sucesso reprodutor.
Águia-de-Bonelli. Fotografia Leonardo Fernández Lázaro.
O estudo, publicado recentemente na revista Bird Study, num artigo com o título "Breeding behaviour and time-activity budgets of Bonelli’s Eagles Aquila fasciata: marked sexual differences in parental activities", foi liderado por cientistas da Universidade de Múrcia, em Espanha, tendo contado com a colaboração de vários outros investigadores.

Através do estudo do comportamento de 11 casais de águia-de-Bonelli, desde o período de incubação dos ovos até à fase em que as criam eram capazes de deixar o ninho, os cientistas descobriram que as fêmeas investiam mais esforço na incubação dos ovos, na manutenção do ninho e na alimentação das crias, enquanto os machos contribuíam mais para o aprovisionamento de alimento para o ninho.

Verificou-se também que os cuidados com a manutenção do ninho e a alimentação das crias por parte das fêmeas diminuíam com o avançar do período reprodutivo e que ambos os progenitores ajustavam o seu esforço de caça de presas em função da idade das crias.

Os machos da águia-de-Bonelli têm um tamanho quase 30% menor do que as fêmeas. A dieta dessa espécie de ave de rapina é composta em grande parte por espécies de aves de tamanho médio, que realizam voos ágeis e rápidos (como pombos, perdiz-vermelha e corvídeos), sendo por isso difíceis de caçar. Geralmente, estas espécies são também caçadas em habitats estruturalmente complexos.

Os autores acreditam, por isso, que os resultados do estudo parecem confirmar a hipótese de que os machos de águia-de-Bonelli evoluíram para se tornarem mais aptos para apanhar presas difíceis de capturar, ou seja, a hipótese da “dificuldade de capturar presas” teria feito com que os machos assumissem evolutivamente a maior responsabilidade pela captura de presas para aprovisionamento do ninho durante o período reprodutor por estes terem um menor tamanho e uma estrutura mais esguia que permite que sejam mais eficazes em capturar presas ágeis do que as fêmeas.

Compreender o comportamento dos casais de águia-de-Bonelli durante o período reprodutor é fundamental para assegurar a monitorização eficaz da espécie, bem como para melhorar as medidas de promoção da sua conservação. O artigo pode ser consultado aqui.

A águia-de-Bonelli é uma das espécies-alvo de conservação da Palombar. Saiba o que fazemos em benefício desta espécie que tem um estatuto de conservação “Em Perigo”, segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal.

Mais de 1,4 ME para construir Parque Urbano

Já está assinado o contrato de adjudicação da empreitada para a construção do Parque Urbano de Macedo de Cavaleiros, que irá custar 1,415 milhões de euros.
O presidente da câmara municipal, Benjamim Rodrigues, esta é uma “antiga aspiração” que vai agora avançar. “É um orgulho assinar este contrato e dar corpo a um sonho antigo dos macedenses”.

O Parque Urbano vai nascer “numa zona verde com um leito de água”. O novo espaço vai ficar numa zona central da cidade e “irá dispor de muito espaço arborizado, com passeios para pedestrianismo, jogging e fitness”, explica o autarca.

Benjamim Rodrigues reafirmou que este era um anseio antigo da população, mas que vinha sendo sucessivamente adiado. “Foi necessário negociar a aquisição dos terrenos com mais de uma dezena de proprietários e, como se compreende, isso levou a que o projeto sofresse vários atrasos”, explica o presidente. 

Agora, que todos estes obstáculos estão ultrapassados, o autarca assegura que a câmara municipal tem como “objetivo dar outro aspeto à zona central da cidade, ao mesmo tempo que pretendemos criar condições para que as pessoas desfrutem de um espaço verde, amplo, airoso e muito interessante para o lazer, para a saúde e para a prática de desporto”, conclui o autarca.

O projeto tem um prazo de execução de 400 dias, ficando a empreitada a cargo da empresa CAPSFIL. Esta obra conta com um financiamento do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional de 85 por cento, não reembolsável.

Márcia Fernandes

Realização de festas e romarias está em risco este verão

Os autarcas do distrito de Bragança aguardam as medidas que deverão ser anunciadas pelo primeiro-ministro esta quinta-feira, depois da reunião do Conselho de Ministros, para decidir se mantêm ou cancelam as tradicionais festas das cidades e das vilas. Tudo indica que a maior parte será cancelada.
O autarca de Miranda do Douro, também presidente da Comunidade Intermunicipal Terras de Trás-os-Montes, acredita que não existam condições para realizar as tradicionais festas e romarias este verão face ao contexto da pandemia Covid-19. "Tem-se falado na limitação de 500 pessoas nos espetáculos, não há nenhuma festa nas cidades que tenha menos do que isto", afirmou Artur Nunes, indicando que em princípio as festas da cidade mirandesa deverão ser canceladas. "No que toca ao município de Miranda do Douro no período de verão não deveremos fazer qualquer atividade festiva. Não há condições", destacou o autarca.
O município de Macedo de Cavaleiros ainda não tomou uma decisão sobre a Feira de s. Pedro, o maior evento do concelho. Segundo uma fonte da autarquia o assunto deverá ser analisado na próxima reunião de câmara.

O presidente da câmara de Bragança, Hernâni Dias, admitiu que aguarda indicações do governo sobre esse assunto.
Glória Lopes

Junta cancela torneios e festas populares

A União das Freguesias de Sé, Santa Maria e Meixedo, em Bragança, viu-se obrigada a cancelar diversos torneios que organiza anualmente devido à covid-19.
“Cancelámos o torneio de xadrez, que ia na 11.ª edição, bem como o torneio interbairros”, explicou o presidente daquela união de freguesias, Telmo Afonso.
Para além desses eventos, a UFSSMM cancelou, também, a comemoração do Dia Mundial da Saúde e o Festival de Música, para além das comemorações do dia de S. João, padroeiro da antiga freguesia da Sé. “Era o segundo ano em que íamos realizar o arraial. Ainda vamos decidir se se mantém a celebração da Eucaristia, em que íamos distribuir manjericos à população”, explicou o mesmo responsável.
Função Pública adiado e à espera de definição do Governo
Outro torneio que está, para já, suspenso é o da Função Pública de Bragança, que este ano ia já na 34.ª edição.
AGR

IPB prepara regresso às aulas em segurança

O instituto politécnico de Bragança já está a pensar num plano de regresso às aulas em segurança. No mês de Maio o ensino à distância continuará, excepto em casos específicos, em que tenham que se realizar presencialmente.
O presidente do politécnico, Orlando Rodrigues, explica que, ainda assim, a instituição só reabrirá em Junho com actividades práticas. "Até ao final do mês de Maio continuará a haver avaliação contínua e ensino à distância. Excepcionalmente, poderá haver algumas actividades presenciais durante esse período. Reservámos três semanas de Junho para actividades práticas e laboratoriais".

Quanto à avaliação final, Orlando Rodrigues esclarece que será alargada a época de exames. "A avaliação final, em algumas disciplinas, será não presencial. Outras disciplinas terão exames presenciais, na época estabelecida e que se vai alargar um pouco, até ao final de Julho, de forma a que se possam fazer com o distanciamento mínimo requerido".

O presidente do IPB entende que a retoma das aulas deve ser feita, ainda que de forma gradual, e que as pessoas devem adaptar-se à situação e agir com os cuidados recomendados. "O ensino tem que continuar. As pessoas têm que se qualificar e sair para o mercado de trabalho. Não podemos atrasar a vida das pessoas. Os cursos e formações têm que ser concluídos e nós temos que aprender a adaptar-nos".

Quando os alunos regressarem às aulas serão tomadas medidas de segurança para manter o distanciamento social como a circulação restrita do número de alunos no politécnico e número reduzido de alunos dentro das salas e laboratórios, o uso de máscaras e a desinfecção de superfícies.

Escrito por Brigantia
Jornalista: Ângela Pais

MK Nocivo lança single sobre a dor de estar longe de quem se gosta devido à pandemia

“Futuro Suspenso” é o nome do novo single do artista brigantino MK Nocivo, que retrata a fase de pandemia que vivemos e o afastamento que somos obrigados a manter dos nossos familiares e amigos.
Reside em Paris e conta que é mais difícil estar longe da família nesta fase. "É um relato de toda a nossa situação. A perspectiva de uma pessoa que está emigrada em Paris, longe de casa, e é complicado. Mesmo sem este tipo de situações, a distância é complicada, sobretudo para os emigrantes, mas isto ainda veio piorar a situação".

A letra foi escrita com o intuito de “despertar consciências” e “alterar comportamentos de risco”. O cantor revelou que esta fase de quarentena lhe tem trazido benefícios e, por isso, em breve surgirá um novo EP. "Quem faz música já tem aquele hábito de se retirar e de ficar fechado em casa a trabalhar. No meu caso, tenho um estúdio em casa o que me facilita bastante a situação. Estou a preparar um EP, que se chama 'Produto Caseiro', onde esta música se insere. Enquanto estou confinado tento ser produtivo".

A nova música do brigantino pode ser ouvida no youtube e no Spotify. “Futuro Suspenso” aborda a dor que se sente por estarmos longe de quem se gosta devido à pandemia Covid-19.

Escrito por Brigantia
Jornalista: Ângela Pais

Homem identificado por jogo ilícito em Torre de Moncorvo

A GNR identificou, hoje, um homem, de 32 anos, por exploração ilícita de jogo e apostas online, na localidade de Torre de Moncorvo.
Na sequência de uma investigação, que decorria há cerca de um mês, foram feitas buscas ao estabelecimento comercial onde o suspeito trabalha e ao seu carro, onde foram apreendidos um portátil, um telemóvel e material relativo às apostas.

O suspeito foi identificado e os factos remetidos ao Tribunal Judicial de Torre de Moncorvo.

A GNR relembra que a dependência no jogo é reconhecida como uma patologia, sendo necessário estar alerta aos sinais que revelem a adição do jogador, pois é comum que ponham em risco o seu trabalho e contraiam grandes dívidas.

Escrito por Brigantia

Homem detido por tentativa de homicídio em Bornes (Macedo de Cavaleiros)

Um homem, de 61 anos, foi detido, no domingo, por tentativa de homicídio, na localidade de Bornes, concelho de Macedo de Cavaleiros.
Os militares foram alertados de que estaria a acontecer uma situação de disparos e ameaças com arma de fogo, entre vizinhos e na origem da situação terá estado uma desavença relacionada com os limites de um terreno.

O suspeito esteve barricado durante algumas horas em casa de um familiar, na mesma aldeia, e mais tarde acabou por se entregar voluntariamente aos militares da GNR. A arma utilizada pelo suspeito, uma espingarda de canos serrados, transformada e por isso proibida, estava escondida num terreno rural. O detido foi presente ao Tribunal Judicial de Macedo de Cavaleiros e foi-lhe decretada a medida de coacção de prisão preventiva.

Escrito por Brigantia

Pelo uso antigo, o dos meus tempos de menino, hoje seria domingo de S. Jorge.

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")


E isso implicava muitíssimas atitudes e rituais. Terminavam hoje as Festas da Páscoa, que até ao ano seguinte ficariam aguardando o seu tempo de comemoração e mais que tudo de penitência em louvor do Messias que ressuscitou dos mortos. S. Jorge segundo a lenda foi decapitado pelos romanos a mando de Diocleciano, por não haver abjurado a sua fé em Cristo. Ele próprio romano ao serviço das Legiões, diz-se, salvou uma princesa líbia das garras de um dragão que cortou em pedaços e em troca e como penhor o Rei, pai da princesa, converteu-se ao cristianismo, batizando-se. Foi feito patrono da Ordem da Jarreteira por Eduardo III e mais tarde com a vinda dos cruzados regressados da Terra Santa foi elevado à condição de Padroeiro de Inglaterra.
No século VI Jacob de Voragine na sua Legenda Áurea conta esta lenda que tem semelhanças com a lenda grega de Perseu que salvou Andrómeda de um monstro, matando-o.
O culto deste Santo populariza-se em Portugal quando em Aljubarrota os Castelhanos gritavam por Santiago, Castela e os Portugueses que tinham reforços ingleses nas fileiras gritaram: -Por São Jorge, Portugal.
Aqui paro com a história do Santo, pois a que contei até agora aprendi-a em Inglaterra por curiosidade e para tirar dúvidas, pois quando tomei conhecimento de que a bandeira de Inglaterra era a Cruz de São Jorge sobre fundo branco e não a que designam por Union Jack, que é o símbolo do Reino Unido (U.K.) e que eu tinha como a de todas as nações que compõem o Reino sem suspeitar que cada nação possuía um estandarte individual e que a Union Jack Standard era a síntese delas em conjunto. A minha mãe diria: -que finos são os ingleses. Ora eu sei isto, mas para vergonha minha, além do que sei de Aljubarrota, não sei mais do culto português a S. Jorge e também não sei quem o iniciou em Fonte de Arcada. Mas sei que o culto e as festividades eram concorridos e eram um marco para quem nesse tempo era religioso e para quem não era e também e sobretudo para os que eram religiosos e gostavam de uma festinha.
A festa no seu todo era um acontecimento que agradava a todos, clero, fiéis e povinho. A garotada da Caleja não faltava ao S. Jorge. De farnel com a família ou em grupo com os outros garotos partíamos de manhã não muito cedo e fazíamos o percurso a corta-mato. Caleja, Trinta, Quinta do Calaia, passando à ilharga das casas da Quinta e dali ao S. Jorge era um pulinho. Com a família seguíamos até Vale de Álvaro, passávamos o portão do Lima, Quinta do Roque e estávamos em Fonte Arcada para a festa cuja missa normalmente já havia começado e a melhor forma de dar seguimento era participar até ao fim, embora alguns mais grandotes se agarrassem ao ditado de que, não há coisa mais bonita do que ir à missa e encontrá-la dita! Quase sem darmos conta estávamos à beira da Ribeira, límpida e fresca com as águas de Abril onde nas margens já fulgiam as toalhas algumas brancas e outras garridas que mostravam do que a merenda era composta. Coisas do outro planeta, uma miríade de coisas fritas, cozidas, assadas e cruas que rescendiam e faziam salivar a garotada que com a estafa do caminho já tinha a "foice picada".
Se era ano de ir em família a questão estava arrumada, tínhamos onde dependurar o pote, da outra maneira era preciso ir rondar até dar com amigo mais chegado que convidasse a participar no desbaste da montanha que refulgia qual Serra da Estrela onde crescessem, rissóis e bolos de bacalhau, folar e bifes panados, coxas de frango fritas e até alguns cabritos e leitões, doirados e com uma folha de alface na boca como quem era confrontado com o desafio imperativo: -Ou comes a alface ou és comido tu! O S. Jorge depois da procissão regressava à capelinha carregado de notas de vinte e algumas de cinquenta e saindo fletido sobre a montada com a lança pronta a matar o dragão, regressava sem se ver o fim da luta pois se a acabasse na frente do povo talvez para o ano não lhe fizessem a festa.
Era assim bonito e alegre o nosso S. Jorge que nos legaram os de Aljubarrota que o conheceram de perfeita harmonia com os ingleses que nesse dia o repartiram com os portugueses. As minhas recordações deste Santo e desta festa são das melhores que tenho de todas as Festas de fora da cidade porque a simbiose entre o sagrado e o profano era de uma harmonia que me comovia e me fazia pairar acima da terra em perfeita comunhão com Deus e com o meu povo. Mas, como não há bela sem senão, também nunca ouvi o padre ou padres contarem ao povo a história terrena de tão louvado Santo. Sabíamos, sim, que a Páscoa acabava ali e “p' ro ano há mais". Agora acho que já não há.
Uma coisa eu posso assegurar. Que grandes merendas se comeram nas margens daquela Ribeira de Fonte Arcada, vulgo no São Jorge! 





Bragança 26/04/2020
A. O. dos Santos
(Bombadas)

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Freixo de Espada à Cinta: uma das vilas mais remotas do país

O nome de Freixo de Espada à Cinta seduz logo pela sua graça, mas há muitos mais encantos na terra natal do poeta Guerra Junqueiro. Há lendas e monumentos surpreendentes, pedaços de História e património para saborear pelas ruas, vistas arrebatadoras, boa comida e bons vinhos. E também boa gente.

Visitar este que é um dos concelhos mais remotos do país, todo colado a Espanha, a bordar-se ao Douro faz-nos sair de lá regalados. De comida suculenta e bom vinho, mas também de muita descoberta, de paisagens arrebatadoras e da boa índole do seu povo raiano. Deixemos as grandiosidades do Douro para depois e comecemos mesmo no centro da vila. É tudo pequeno, a parecer quase uma maqueta para quem vai com os olhos habituados às cidades grandes, mas arrumado e mimoso. Em redor, tudo montanhas verdes. «Aqui vive-se muito bem, temos tudo, o que nos falta é gente», dizem, desta ou de outras maneiras, muitos freixenistas, assim se chamam os nativos.

Percorrer a terra é um passeio por ruas estreitas e casas modestas, com flores à porta e as janelas manuelinas que a fazem reclamar-se a vila mais manuelina de Portugal. Pode-se experimentar como ponto de partida a Praça Jorge Álvares, onde se encontra a estátua deste navegador português ali nascido, o primeiro explorador europeu a chegar à China por mar, fez 500 anos em 2013. Encontra-se ao lado a Torre do Galo, a igreja matriz e um freixo de espada à cinta. É mesmo uma árvore na qual foi colocada um grosso cinturão de ferro com uma espada, que serve de ícone ao concelho. Este terá ganho o nome mercê de um fidalgo que escolheu descansar do seu afã à sombra de um freixo, tendo nele pendurado a arma. Só não se sabe que fidalgo, se um nobre visigodo, se outro português ou ainda, também há esta versão, se o próprio rei D. Dinis, que por ali passou no encalço do filho Afonso Sanches.

A povoação já existia aquando da fundação de Portugal e que foi D. Afonso Henriques a outorgar-lhe foral, em 1155-57.

Hoje em dia, o freixo armado é uma das graças da vila e passa-se por ele a caminho da torre de menagem, o que resta do antigo castelo, deitado abaixo na década de 1830, perdida a sua função defensiva. Na vila, lamenta-se a demolição daquele que foi um dos primeiros castelos transmontanos, mas a sua curiosa torre heptagonal, a Torre do Galo, é visitável. Dessa torre sineira, a vista vale a pena, ora sobre os telhados de Freixo até à capela da Senhora dos Montes Ermos, ora sobre os montes até Espanha.
Praça Jorge Alvares
Há mais a fazer nessa praça, como conhecer a Igreja Matriz, em estilo manuelino, de uma delicadeza arquitetónica que se estranha em terra tão pequena – e em Freixo todos se gabam de ter ali uma espécie de Mosteiro dos Jerónimos. No interior, impressiona o contraste entre a imponência do granito, com as belas nervuras de pedra do teto, e os altares em talha dourada. No altar principal, encontra-se um retábulo com cenas da Paixão de Cristo, de um autor que presume da escola de Grão Vasco, e que é um dos tesouros da vila. A meio da nave, sobressai o púlpito em ferro forjado. O cenário é, de todas as perspetivas, de grande beleza. Num altar lateral, encontra-se uma daquelas cómicas ocorrências da arte sacra: São Mateus, cobrador de impostos, tem posto um par de óculos escuros.
O interior da igreja matriz de Freixo de Espada à Cinta
Fica ao lado da igreja o posto de turismo onde se pode recolher informação útil, como o mapa do manuelino ou o roteiro de miradouros. Há dez lugares com vistas de travar a respiração, ora ao nível do Douro, como na praia fluvial da Congida (um pequeno paraíso no verão e onde se pode ficar nos bungalows das Moradias do Douro Internacional), ora no alto de uma das arribas do Parque do Douro Internacional. O Miradouro do Penedo Durão é o mais emblemático, com a sua vista de 550 metros de altura sobre o rio a serpentear e a possibilidade de avistar grifos, águias-reais e outras aves de rapina. É uma vista tão arrebatadora que custa desviar dela, mas o miradouro está feito para que nos deixemos ficar – construído em socalcos, é ao mesmo tempo um parque de merendas.

Mesas generosas
É uma pena que não exista mais restauração na vila perante tudo o que a terra oferece: carne, vinho, azeitonas (uma variedade DOP, a Negrinha de Freixo) e azeite, as doces laranjas do Mazouco, enchidos e até uma cerveja artesanal, feita de lúpulo ali cultivado. Diego Ledesma, espanhol dali da beira, chegou há quase 30 anos e continua a preencher boa fatia dessa oferta, com muita gente a indicar o seu Cinta d’Ouro como o melhor restaurante local. No mesmo edifício, há ainda um café, uma hospedaria e uma pequena loja de produtos locais.
A igreja matriz de Freixo de Espada à Cinta
Quando lhe perguntamos o que cozinha ali, este homem gentil que saltita entre o português e castelhano, não hesita: «Gastronomia da raia, o que é bom de um lado e o que é bom do outro.» Isto resume especialidades como salada de perdiz, presa de porco na brasa com mostarda e mel, vitela estufada com amêndoas, e, por ser muito procurado por espanhóis, três pratos de bacalhau. Há ainda petiscos à base de produtos locais, como cogumelos, espargos, alheiras e queijos. E nas sobremesas, tarte com as amêndoas da Terra Quente e uma novidade imperdível: um gelado de laranja em cama de azeite, com telha de amêndoa.
A carta no Cinta d’Ouro não vai muito além dos vinhos de Freixo, que estão lá todos, e é quanto basta.
Não há outros vinhos além dos da terra entre aqueles que serve José Araújo no Zona Verde, restaurante despretensioso onde vão comer todos os dias quer residentes, quer espanhóis. O dono é um jovem de 32 anos que nasceu na Suíça, lá estudou hotelaria e regressou à terra dos pais, que acabaram por segui-lo, para abrir o café com mais movimento da vila.
O miradouro de Penedo Durão tem vista de 550 metros de altura sobre o rio
Pouco depois, abriu a sala de restaurante, onde se serve uma comida honesta e consoladora, à base das carnes transmontanas e ainda bacalhau, com alguns pratos de inspiração italiana. Também aqui há sobremesas caseiras de estalo, como um cremoso cheesecake. À noite, o Zona Verde é também um bar. Não se pode ir a contar com grande sofisticação, mas o ambiente é animado e pode-se beber, para variar, gin.

Os vinhos de Freixo
Todavia, se não vale a pena ir de propósito a Freixo de Espada à Cinta beber um gin, já compensa bem a viagem para ir conhecer melhor os seus vinhos e aqueles que os fazem. É o caso da Quinta dos Castelares, que começou com a vontade do empreiteiro Manuel Caldeira em produzir vinho na serra de Poiares. Veio de uma cisma de infância, depois de este filho do feitor de uma quinta ouvir dizer ser aquele o melhor chão de vinho do Douro Superior. Foi adquirindo propriedades até chegar a 250 hectares, 140 deles de vinha, que se perdem de vista.
Miradouro de Penedo Durão
Na gestão da empresa, que há ano e meio inaugurou uma adega moderna e panorâmica, conta há oito anos com o genro Pedro Martins – portuense que trocou a Invicta por Freixo, e a engenharia pela vitivinicultura. Fala com paixão do ofício, contando como o último vinho do porto o fez ficar na adega até às seis da manhã, para apanhar a hora natural para juntar a aguardente. O resultado, ainda sem estágio em madeira, é um bálsamo de intenso perfume.


Manuel Caldeira teve, tanto ali na Quinta dos Castelares como na Adega Cooperativa de Freixo, da qual é vice-presidente, um papel importante, ao colaborar na recuperação da códega de larinho, uma casta autóctone que estava em desuso. Mesmo não sendo uma quinta, também se pode visitar a Adega de Freixo, onde se faz o vinho Montes Ermos. O presidente da cooperativa que representa 700 produtores de vinho, azeite e azeitona, José Santos, conduz com gosto os visitantes pelas instalações modernas onde esteve e almoçou, no verão do ano passado, o presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa – um facto que ainda se narra em Freixo com empolgamento.
Bochechas de porco estufadas com vinho do Porto do restaurante Cinta D'Ouro
«Desde 2000 houve um salto nesta adega, que dantes nem se podia mostrar a ninguém, Modernizámos tudo, com cubas de inox, lagares e os resultados começaram a aparecer», conta José Santos. De produzir só vinho generoso, a Adega de Freixo dedicou-se ao vinho do Douro e hoje vende um milhão de garrafas e outro milhão de bag-in-box, e acumula prémios internacionais. Dois novos pavilhões na zona industrial permitiram isolar o engarrafamento e armazém, onde quase não há vinho. «Isto vai depressa…», sorri José Santos. O espumante Montes Ermos da campanha de 2016, por exemplo já esgotou há muito. A boa notícia é que todos os vinhos, azeites e azeitonas se podem comprar na loja da cooperativa, aberta todos os dias.
Diego Ledesma é o proprietário do Cinta D'Ouro, um dos mais populares entre os freixenistas
Bem diferente destes lugares de vinho é a Quinta de Maritávora que fica à entrada de Freixo e está desde 1870 na mesma família, tendo sido fundada por José Junqueiro Júnior, pai do poeta Guerra Junqueiro. É um seu trineto, Manuel Gomes da Mota, que ainda gere a pequena empresa, com 15 hectares de vinha e 35 hectares de olival, naquela que ele diz ser «provavelmente a mais pequena adega do Douro». É um lagar de escala familiar e uma pequena adega, que o agrónomo e enólogo Norberto Bonifácio mantém com impecável apresentação, na casa original da família.
O freixo que dá nome e serve de ícone ao concelho
E ninguém diga que esteve em Freixo se não fez o passeio de barco pelo Parque Natural do Douro Internacional, com partida do cais da Congida. São cerca de duas horas de cenários de encantar, neste canal bravio que separa Portugal e Espanha. O passeio é uma promoção conjunta de Freixo de Espada à Cinta e do município espanhol de Vilvestre, e apenas não se realiza entre novembro e março (a não ser para viagens organizadas). (10h30 ins de semana e feriados; segunda a sexta apenas grupos a partir de 15 pessoas – 279653480)
São 250 hectares, 140 deles vinha, que se perdem de vista na Quinta dos Castelares
Além do encanto da viagem pode contar-se com as histórias contadas pelo guia Edson, que vai falando de vinhas e oliveiras, amendoeiras e pombais, cegonhas e lontras, oliveiras milenares e ainda sobre o manuelino, o castelo, as lendas de Freixo. É uma boa forma de dizer adeus, ou olá, a este encantador cantinho de Portugal.


Manuelino, seda e memórias de Guerra Junqueiro
Se Freixo é ou não a vila mais manuelina de Portugal, não há como saber em rigor. Mas é intrigante como uma pequena povoação do interior remoto de Portugal, muito isolada nos tempos do florescimento do manuelino, ostenta tantas marcas deste estilo artístico. A explicação reside no refúgio que muitos judeus espanhóis, em fuga da Inquisição, ali encontraram.
Casa onde viveu o poeta Abílio Guerra Junqueiro
Foram estas famílias, maioritariamente comerciantes, que tiveram os meios financeiros para pagar aos mestres pedreiros que dominavam a arte. Pelas ruas de Freixo, há janelas e portadas manuelinas das composições mais simples às mais detalhadas e, no posto de turismo, pode recolher-se um mapa para as percorrer a todas.
Painéis evocativos de Guerra Junqueiro na vila
Nesse caminho, pode-se entrar em mais dois lugares que ajudam a revelar a alma de Freixo, sendo um deles o Museu da Seda e do Território, lugar dedicado à história do concelho desde o início da ocupação humana e ainda à tradição da seda, com artesãs a trabalhar ao vivo, extraindo dos casulos os filamentos da seda. Há ainda um espaço evocativo do poeta Guerra Junqueiro, que ali nasceu em 1850, criado na sua casa natal.


Marlene Rendeiro

O Javali: um nome da boa gastronomia Brigantina

Este restaurante no nordeste transmontano, apresenta uma gastronomia que reflecte a essência da própria região. Aqui dentro, estão criadas as condições para passar momentos inesquecíveis.
A poucos quilómetros da cidade de Bragança e à entrada do Parque Natural de Montesinho, O Javali combina modernidade, com tradição e simplicidade. São já 15 anos de um nome que faz parte da história gastronómica da região de Trás-os-Montes. Neste negócio familiar, entra também o filho Flávio Gonçalves, e a esposa Maria do Carmo Garcia. Juntos, têm contribuído para a expansão do nome Javali.

Memórias da RTP - 1975-01-07 - Velhas Profissões

Programa sobre a preservação ao longo dos anos de profissões tradicionais na olaria, tecelagem e fabrico de velas de cera em Moncorvo e Felgueiras, no Nordeste Transmontano.
Clica na imagem para aceder ao video

Memórias da RTP - 1974-10-16 - Brigada Sanitária e de Alfabetização em Felgar

Programa sobre o modo de vida e a intervenção das brigadas sanitárias e de alfabetização em Felgar, no concelho de Torre de Moncorvo.
Clica na imagem para aceder ao video

Memórias da RTP - 1974-11-27 - Estevais em Trás-os-Montes

Programa sobre as condições de vida observadas em Estevais, aldeia do concelho de Moncorvo situada no Nordeste dos Trás-os-Montes, destacando a falta de água e eletricidade.
Clica na imagem para aceder ao video

Fronteira com Espanha em Rio de Onor reabre duas vezes por semana

Em Rio de Onor, concelho de Bragança, a fronteira com Espanha reabriu hoje mas apenas por duas horas.
É uma excepção para as pessoas que têm autorização para duas vezes por semana poderem passar de uma aldeia transfronteiriça para a outra. São alguns habitantes das duas aldeias que têm animais ou terrenos do outro lado a que deixaram de poder aceder.

O marido de Maria Preto vai poder passar para tratar das hortas.

“Nós temos mais terras do lado de lá, do que do lado de cá, então uns anos trabalhamos umas, outros anos trabalhamos outras. Mas acho que duas horas não é tempo suficiente porque, por exemplo, vão carregar um tractor de estrume e já lhe leva as duas horas, então terão que o carregar na véspera” , disse Maria Preto.

Maria contou que nem só os trabalhos agrícolas foram afectados com a reposição das fronteiras. Tem um neto pequeno a viver em Rio de Onor mas que nasceu em Espanha e têm encontrado dificuldades para poder ir ao médico.

“O bebé nasceu na Espanha e está a ser tratado na Espanha e temos que falar com o vizinho para que o leve, porque nós não podemos passar com o carro. Os meus carros são espanhóis, apanharam-nos com eles aqui em Portugal e não podemos andar com os carros”, explicou.

A GNR e a Guardia Civil espanhola controlam esta abertura temporária e excepcional em Rio de Onor.

Todas as quartas e sábados entre as 9 e as 11 horas os habitantes que solicitarem autorização vão poder cruzar a fronteira em Rio de Onor, é uma forma de aliviar os constrangimentos causados com a reposição das fronteiras, a 16 de Março.

Até agora foram pedidas três autorizações, de dois espanhóis e um português.

Escrito por Brigantia
Jornalista: Olga Telo Cordeiro

A Vida Que Eu Quero

Por: Manuel Amaro Mendonça
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Cabelo comprido, desgrenhado e barba de vários dias, com passos inseguros, o homem arrastou-se pelo meio da esplanada. Aparentava uns sessenta anos e envergava um blusão bege sovado e umas calças de ganga, que já tinham conhecido melhores dias, terminando numas sapatilhas de pano, sujas e rasgadas. Para dar um pouco de dignidade, trazia debaixo do braço um jornal, dobrado, como se o fosse ler.
O empregado do café reconheceu-o e deixou-o passar pela sua frente, após o qual exibiu uma careta mista de tristeza e desprezo, acenando negativamente com a cabeça.
O vagabundo dirigiu-se ao funcionário que se encontrava na caixa, atrás do balcão, que exibiu uma expressão contristada, assim que se apercebeu da sua presença.
— Bom dia senhor António. — Entaramelou o recém-chegado, em ar de gozo, demonstrando uma clara embriaguez. — Ainda tens os jornais de ontem?
— Boa tarde, senhor Fernando. — Corrigiu-o o outro, que aparentava uns trinta anos, baixo, de cabelo curto. No rosto simpático, os olhos pequenos, fitavam o interlocutor com preocupação, respondendo ao cumprimento com a formalidade, que não era obviamente usual.
— Ou isso. — O outro não se preocupou, rematando rapidamente. — Para mim, bom dia ou boa tarde, o que interessa é que seja bom e bom, é poder ter qualquer coisita com que forrar o estômago.
— Não comeste nada ainda? São quase cinco da tarde… — Novamente a expressão de preocupação. — Mas para beber havia…
— Oras! Era o restito de uma garrafosa que me deram ontem, que ajudei a descarregar um camião. — Riu-se o Fernando, levando a mão às costas. — Hoje estou aqui que não posso das cruzes.
— Não te pagaram? — António surpreendeu-se.
— Pagaram pois! — O outro escandalizou-se. — Não te disse que me deram uma garrafa de tinto? Isso e duas latas de atum, a larica é que era muita e dei cabo de tudo à noite.
— Valha-te Deus! — Havia lágrimas nos olhos do mais jovem.
— Que queres que faça? — Justificou-se o mais velho. — O pessoal agora põe o papel todo no papelão, ninguém dá nada para recolher, tenho de correr quilómetros à cata. O sovina do farrapeiro anda a chular-me e cada vez paga menos, além de que acho que a balança está aldrabada.
— Vem. Anda a comer alguma coisa. — António abriu o balcão, para que o outro entrasse para a cozinha.
Enquanto o vagabundo se sentava à mesa, onde normalmente se preparavam as refeições, o outro deu instruções à cozinheira para que preparasse um prego em prato “bem abonado” e trouxesse uma bebida qualquer sem álcool. Depois sentou-se frente ao convidado, ignorando os resmungos da mulher.
 — Mas arranjas os jornais ou não? — Insistiu Fernando, apesar de estar já pronto para comer. — É que se não, tenho de ir à minha vida, procurar noutro lado.
— Sim, tenho ali muitos jornais, acalma-te. — Sossegou-o o mais novo. — Então agora andas ao papel, é?
— Tem de ser! Um gajo tem quem de ganhar a vida, não é? — Afirmou Fernando, convicto.
— É assim que ganhas a vida? Dá para comer?
— Assim, assim. — O velho encolheu os ombros. — É mais para o tabaquito e uns copos, aqui e ali. Comer, normalmente é à noite, quando vem o pessoal da ajuda de rua; uma sopita quente, uma carnita e uns iogurtes. Dá para o gasto. Dantes, andava a pedir, ou a arrumar carros, mas andava sempre com chatices, havia gajos que assaltavam ou riscavam os carros que eu devia estar a guardar e se eu chiava, ainda lerpava por cima. O lixo é mais seguro, embora não possas mostrar que tens guito, nem trazer muito papel junto, ou vem por aí algum cabrão e leva-to.
A cozinheira pousou o prato fumegante na frente do homem, que atacou o manjar com unhas e dentes, enquanto ela se deixou ficar em pé, junto dos dois.
— Ontem, como me emborrachei, — disse com a boca cheia, — esqueci-me da sopa e prontos, lerpei.
— E onde dormes? — Intrometeu-se a cozinheira.
— Por aí! — A refeição desaparecia sofregamente, mas ele não deixava de responder ao interrogatório. — Antes dormia numa casa abandonada, mas deitaram-na abaixo. Fico normalmente na antiga mercearia do Silveira, que está vazia há muitos anos.
— Porque não fazes o que eu te disse já tantas vezes? — Os olhos de António reluziam e sentiam-se os dentes cerrados com força por trás dos lábios finos.
— Nããã! — Recusou o outro. — Que vou fazer agora, da maneira que estou? Já viste o meu aspeto?
— O aspeto pode ser composto.
— Tenho vergonha, não percebes? — Com o prato vazio, o vagabundo impacientava-se. — Que vou fazer agora para casa, para uma família a que não pertenço? Velho, desdentado… derrotado! Vai buscar os meus jornais, que tenho mais o que fazer!
Com as lágrimas nos olhos, António afastou-se, a saber dos jornais.
— A minha vida é esta! Estavam cheios de mim no trabalho, mandaram-me embora, velho de mais para me empregar, novo demais para a reforma, que querias que fizesse? — Reafirmou Fernando, perante a expressão de desaprovação da cozinheira. — Ir para casa viver de subsídios, ou ouvir piadas de que sem o filho não sou nada? Há quatro anos que vivo nas ruas e safo-me bem! Quero lá eu saber de casas cheias de regras e mulheres mandonas! Sempre fui senhor de mim e ganhei o meu sustento! Em mim, mando eu!
— Pelo menos enquanto te derem de comer e não precisares que cuidem de ti! — Exclamou com desprezo a mulher, empurrando-lhe um saco plástico, com duas sandes, para debaixo do braço.
Sem recusar a oferta, o velho saiu da cozinha para a entrada do café, onde recebeu o embrulho com jornais amarrotados.
— Obrigado pela comida! — Atirou Fernando, afastando-se a cambalear.
A cozinheira materializou-se ao lado de António e abraçou-o com carinho, ao ver as grossas lágrimas que lhe corriam pelo rosto. Ele, estático, com a visão do sem-abrigo a afastar-se, moveu os lábios, num sussurro: “Até à próxima, pai.”


Manuel Amaro Mendonça nasceu em Janeiro de 1965, na cidade de São Mamede de Infesta, concelho de Matosinhos, a "Terra de Horizonte e Mar".
É autor dos livros "Terras de Xisto e Outras Histórias" (Agosto 2015), "Lágrimas no Rio" (Abril 2016) e "Daqueles Além Marão" (Abril 2017), todos editados pela CreateSpace e distribuídos pela Amazon.
Ganhou um 1º e um 3º prémio em dois concursos de escrita e os seus textos já foram seleccionados para mais de uma dezena de antologias de contos, de diversas editoras.

Outros trabalhos estão em projeto e saírão em breve, mantenha-se atento às novidades AQUI.

JOGOS DE RODA


JOGOS DE RODA 1
Fui-me confessar àquela capelinha
O que eu disse ao padre ninguém o adivinha
Não o adivinha não
O que eu disse ao padre na confissão
Sr. Padre me confesso larau, larau, larito
Eu matei o meu “gadito”
É dar ali um beijito

JOGOS DE RODA 2
A penitência que eu te dou
Olha a viuvinha alegre
Não tem com quem se casar
Não tem o que vestir, não tem o que trajar
O seu noivo não quer com ela casar
A viuvinha deita-se a chorar

JOGOS DE RODA 3
Ó Serra deita cá água por um cano de marfim
Quero regar esta rosa que está diante de mim
Que está diante de mim, que está no meu poder
Quero beijar uma rosa que está no meu jardim

JOGOS DE RODA 4
Pus o meu pé na batateira
Fiz tremer o batatal
O passarinho que repenica o cântico
Vem cantar ao meu quintal
O passarinho que repenica o cântico
Vem cantar ao pé de mim.

JOGOS DE RODA 5
Linda borboleta deita-te a voar
A menina Aninhas quer-se já casar
Quer-se já casar, não quer ir para a botica dela
Quer ir morrer vestidinha à Conceição
Antoninho vai pegar ao caixão que é o mais arranjadinho
A menina Maria vai ser a madrinha que leva o raminho
O menino Joãozinho vai ser o padrinho
Vai ser o padrinho por levar a bandeira
E a menina Maria vai ser a cozinheira
A criada vai ser a Teresa
A criada foi por a mesa
Mas manchou os guardanapos
Ponha-se lá fora minha malcriada
Que não sabes fazer nada
Ó minha Senhora tenha dó de mim
Não tenho nem mãe, nem pai, nem quem olhe por mim
Entre lá para dentro vá fazer a obrigação
Vá pegar aos tachos e a abanar ao fogão

FICHA TÉCNICA:
Título: CANCIONEIRO TRANSMONTANO 2005
Autor do projecto: CHRYS CHRYSTELLO
Fotografia e design: LUÍS CANOTILHO
Pintura: HELENA CANOTILHO (capa e início dos capítulos)
Edição: SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE BRAGANÇA
Recolha de textos 2005: EDUARDO ALVES E SANDRA ROCHA
Recolha de textos 1985: BELARMINO AUGUSTO AFONSO
Na edição de 1985: ilustrações de José Amaro
Edição de 1985: DELEGAÇÃO DA JUNTA CENTRAL DAS CASAS DO POVO DE
BRAGANÇA, ELEUTÉRIO ALVES e NARCISO GOMES
Transcrição musical 1985: ALBERTO ANÍBAL FERREIRA
Iimpressão e acabamento: ROCHA ARTES GRÁFICAS, V. N. GAIA