quarta-feira, 24 de junho de 2020

Nós Transmontanos, Sefarditas e Marranos - MANUEL LOPES, UM JUDEU DO TEMPO DA INQUISIÇÃO - 7

Por 1656, Luís Lopes Penha, o avô de Manuel, ter-se-á deslocado de Madrid a Lebução, acompanhado de sua terceira mulher, para participar no casamento de Isabel Cardosa, (1) sua filha e de sua segunda mulher Branca Cardosa. Aliás, também a noiva era natural de Madrid, de onde terá vindo para ser educada em Lebução. Possivelmente, também seria por essa altura que Beatriz Cardosa, irmã de Isabel, veio de Madrid para Chaves, onde ficou a viver e de casamento marcado com Francisco Lopes, aliás, Jacob Rodrigues, atrás citado.
O noivo de Isabel chamava-se Lopo Nunes (Ferro) e era natural de Madrid. Sua mãe, Jerónima da Costa, nascida em Bragança, era irmã de Pedro Marcos Ferro, que encontramos a viver em Torre de Moncorvo. E toda a família de Lopo Nunes estava morando em Castela, exceto o irmão mais novo, Ventura Nunes (Ferro) de seu nome, que aos 16 anos já morava em Lebução, terra onde casou mais tarde com Violante Nunes, irmã do Dr. Manuel Mendes. Por agora ficamos em Lebução, uma pequena aldeia que era anexa da Castanheira. (2) Ali haveria uma grande percentagem de núcleos familiares de origem hebreia, umbilicalmente ligada a Rebordelo, Chaves e Vinhais e em constante movimento e trato comercial com terras de Castela.
Talvez por isso mesmo, surgiu em Lebução, por aquela altura, uma rede de passadores de judeus, cujos serviços eram contratados até por gente de Lisboa, Coimbra e Porto que, pela rota de Lebução, fugia para Castela. (3) A propósito, veja-se uma certidão passada por Manuel do Canto, notário do santo ofício de Coimbra: - Certifico e dou fé que, para passar a presente, vi o caderno das denúncias e mais papéis pertencentes aos cristãos-novos de Bragança e vila de Vinhais e seus arredores e nele, desde a primeira folha até às 43 estão algumas cartas de Luís Figueiredo Bandeira (4) familiar do santo ofício, tenente general da província de Trás-os-Montes e governador de Bragança, hábito de Cristo que corre com as prisões e diligências do santo ofício, e delas consta avisara a mesa desta inquisição que muitas pessoas da gente da nação das ditas terras e do lugar de Lebução tinham fugido para Castela, depois que naquelas partes se começaram as prisões do santo ofício e outras muitas andavam abaladas e vendendo apressadamente suas fazendas e se entendia ser para também fugirem com medo e receio de serem presas pelo santo ofício… (5) 
Esta certidão foi apresentada como prova para se proceder às primeiras prisões levadas a efeito em Lebução pelo santo ofício nas pessoas de Antónia Cardosa e sua prima segunda Isabel Nunes, (6) em 5.3.1659. A respeito daquela, diremos que era irmã de Isabel Dias, a terceira mulher de Luís Lopes Penha, conforme sua confissão feita em 11.9.1660: -Disse que haverá 3 anos, em Lebução, em sua casa se achou com sua irmã Isabel Dias, viúva de Luís Lopes Penha e ela é moradora em Lebução. (7)
Para além do receio de fuga, aquelas ordens de prisão resultaram de denúncias feitas por parentes de Vinhais que estavam presos. Como esta de Filipa Nunes: - Disse que haverá 3 anos, em Vinhais, sobre os muros onde foram ver umas comédias, se achou com sua prima por via paterna, Antónia Cardosa, natural de Vinhais, moradora em Lebução e ali casada com Pedro Nunes… (8) Antónia Cardosa nasceu em Vinhais, por 1633. Viveu em Madrid e regressou a Vinhais por 1654, casando, de seguida, com Pedro Nunes Campos, da mesma vila. O casal estabeleceu morada em Lebução e ali moravam quando Antónia foi levada para os cárceres da inquisição onde veio a falecer, em 27.6.1661. (9) No seguimento destes processos, o santo ofício lançou uma larga operação, ao início de Junho de 1662, prendendo em Lebução uma dezena de cristãos-novos, acusados de judaísmo. E vendo fazer aquelas prisões, praticamente todos os outros se puseram a caminho de Coimbra, apresentando-se livremente a confessar que tinham judaizado.
A generalidade dos que se apresentaram saíram levemente condenados no auto- -da-fé de 9.7.1662. Os que ficaram presos, saíram todos no auto de 26.10.1664 e as penas foram muito semelhantes: sequestro de bens, cárcere e hábito penitencial. 
A partir de então, não se registaram mais prisões em Lebução, por parte do santo ofício. Isto, porém, não significa que as práticas de judaísmo tenham terminado. Antes pelo contrário, a acreditar na conversa que Jerónimo Álvares teve com o padre Gonçalo Lopes, junto à raia de Castela, andando este à caça de perdizes e aquele fugido, depois que prenderam sua irmã: - Disse que ela não sabia judaizar mas que os inquisidores os ensinam a judaizar e no fim ficam a judaizar. (10) 
E se não houve mais prisões em Lebução é porque muitos dos homens e mulheres da nação hebreia abandonaram a terra e se foram viver em outras bandas.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

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