terça-feira, 28 de julho de 2020

Nós Transmontanos, Sefarditas e Marranos - MANUEL LOPES, UM JUDEU DO TEMPO DA INQUISIÇÃO - 12

(Mapa do Território Sefardita na antiguidade)
Em Bragança terá permanecido Manuel Lopes cerca de ano e meio. Depois, abalou com seu irmão, João Ventura, rumo a Chacim, onde este tinha contratado o casamento com Beatriz Pereira, filha de Bartolomeu Pereira e Joana de Gamboa. Luís Lopes ficou em Bragança mais algum tempo, vivendo com os sogros, antes de voltar a Castela. Chacim era a sede de um pequeno concelho medieval e a sua população não passaria dos 150 agregados familiares, com uma grande percentagem de gente da nação hebreia, uma “nação” muito florescente, do ponto de vista económico e financeiro, empenhada, fundamentalmente, em duas atividades industriais extremamente rentáveis: os curtumes e o fabrico de sedas. 
Mercê do desenvolvimento que essas indústrias então conheciam, Chacim era, possivelmente, o povoado trasmontano em maior desenvolvimento, que tinha um campo da feira “com lojas e tendas de mercadores e se contrata em sedas e couramas, que tudo a faz rica” – conforme escrevia Carvalho da Costa. (1) Isto explica que Chacim registasse então um forte movimento imigratório, com muita gente ida de Bragança, Vinhais, Lebução, Mogadouro, Torre de Moncorvo, Vila Flor… Só nas listas de pessoas presas pela inquisição em Chacim, acusadas de judaísmo, encontramos mais de 4 dezenas de adventícios. Era uma verdadeira “nação em movimento”, a de Chacim. 
Daquela lista de adventícios não constam os nomes de Manuel Lopes e João Ventura, ali chegados pelo ano de 1696. E também não constam de uma lista de 33 cristãos-novos que o comissário da inquisição, abade de Chacim, Manuel Gouveia de Vasconcelos, tempos depois enviou para Coimbra denunciando que “no dia de S. Bruno, a 6 de Outubro do ano passado de 1696, andaram com camisas lavadas e alguns a traziam em folha, e sem trabalharem, como se fora dia santo, nem de suas casas saía fumo até à noite, presumindo-se que jejuariam o seu dia grande”. (2) Muito provavelmente Manuel Lopes e João Ventura estavam em Chacim naquele dia de S. Bruno, 6 de Outubro de 1696 e ali terão festejado o Kipur. João Ventura estava então casado de fresco com Beatriz Pereira, filha de Bartolomeu Pereira e Joana de Gamboa, esta originária de Santulhão, termo de Vimioso, onde o casal morou algum tempo. 
Bartolomeu e Joana eram já falecidos e ambos tinham conhecido as cadeias da inquisição, ele em 1649 e ela em 1667. (3) Outra filha de Bartolomeu e Joana chamou-se Branca Pereira e estava casada com Domingos Nunes, um primo de Manuel, filho de sua tia Isabel Cardosa, que o Manuel conhecera em Lebução e que, na altura do casamento de João e Beatriz, tinha já fugido de Chacim para Livorno onde, 4 anos depois, voltará a encontra- -lo. Aliás, foi em casa de Domingos e Beatriz que Manuel e João ficaram alojados, quando chegaram a Itália. Nessa altura Domingos e Branca tinham já aderido abertamente ao judaísmo e chamavam-se Isaac Nunes e Rosa Gomes, respetivamente. Maria Manuela, era também filha de Bartolomeu e Joana. Tinha 23 anos e encontrava-se solteira, a viver em Chacim, com seu irmão, Jerónimo Pereira Pacheco. Este era o chefe da família, depois que faleceu o patriarca Bartolomeu Pereira. Jerónimo andava nos 32 anos, estava casado com Isabel Henriques do Vale, que foi presa pela inquisição, no seguimento da vaga de prisões de que atrás se falou, acabando queimada em Coimbra. (4) Jerónimo viria a falecer ainda antes. 
A propósito da família daria Manuel Lopes o testemunho seguinte, perante os inquisidores de Barcelona, em 1703: - Jerónimo Pereira (Pacheco), defunto, casado que foi com Isabel Henriques do Vale, presa em Coimbra e, segundo ouviu dizer, o dito Jerónimo e Beatriz sua irmã, e também Maria Manuela também irmã da dita Beatriz e Jerónimo Pereira a quem ele confitente viu observar a dita lei dos judeus, e na ocasião que todos iam a casa de seu irmão João Ventura e outras vezes na de cada um dos ditos irmãos a que vinha e concorria o dito João Ventura, como observante da mesma lei. (5) Tal como o pai, Jerónimo Pereira era mercador e vendia tabaco, conforme resulta do testemunho de Francisco Sá Carrança, tendeiro de Bragança, prestado na inquisição de Coimbra e, 8.8.1702: - Disse que haverá 5 ou 6 anos, em casa de Jerónimo Pereira, defunto, casado com Isabel Henriques, se achou com os mesmos e com os filhos Leonor e Manuel e com Branca, irmã de Isabel e com Isabel Henriques, filha de Branca, e com João Lopes Castilho, genro de Branca, casado com Leonor, (6) ausentes, e ouviu dizer que estão presos em Castela, por ocasião de ir a casa de Jerónimo Pereira comprar um pouco de tabaco, os achou com os melhores vestidos, fazendo juntos o jejum do dia grande… (7) 
A modos de tentar perceber um pouco do ambiência religiosa desta família, vejamos o depoimento de Maria Ferreira, filha de Pedro Ferreira, curtidor, prestado em 20.9.1704: - Disse que haverá 2 anos, em Chacim, em casa de Branca Henriques, se achou com ela e com Isabel Henriques do Vale, mulher de Jerónimo Pereira e com Manuel do Vale, filho da mesma (…) e faziam o jejum do capitão, que vem 8 dias antes do dia grande, e o de S. João, preparando-se para este 3 semanas antes, sem se pentearem nem vestiram roupa lavada senão na véspera dos ditos jejuns e pelo decurso do ano havia de jejuar às quintas- -feiras de lua nova; e em Fevereiro haviam de jejuar o jejum da Rainha Ester, que será de 3 dias e 2 noites, vestindo na primeira camisa lavada, estando em todas elas sem comer nem beber senão na última noite; e que haviam de rezar a oração do padre-nosso sem dizer Jesus no final e ofereciam os ditos jejuns ao Deus do Céu e somente haviam de crer e rezar ao Deus do Céu. 

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

1 comentário:

  1. Isto mesmo. Nossos grandes avós do passado lusitano. Cá estamos nós, ainda com tais resquícios nominais de sefarditas ou mesmo, há quem nos chame, de marranos. Somos todos "Bnei-Anussim" com um dos pés em Jerusalém e o outro nestas terras brasileiras... Grato pelas informações e conteúdos!

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