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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Comboios, Autocarros de Carreira e Automóveis antigos

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")



Já escrevi umas quantas crónicas e embora não saiba quantas, sei que o tema, transportes, ainda não foi abordado.
Claro que eu não sou entendido nesta área e vou apenas escrever as minhas lembranças de garoto quando o panorama se apresentava num princípio que eu considerava épico.
Comecemos pelo comboio.
Nasci no nº 70 da Caleja do Forte, mas foi mesmo ali, não no Hospital e a nossa casa distava uns cinquenta metros da linha que se apresentava como uma ameaça para a garotada, assim pensava a minha mãe e um delírio e uma fonte de aventuras para nós. Quando pequeno só passavam comboios de locomotiva ofegante e com umas quantas carruagens que nos faziam delirar sempre que passavam e os passageiros nos saudavam com alegria e nós nos concentrávamos todos nos restos de uma figueira que já só apresentava uns ramos esparsos na base e onde acampávamos com uns latos velhos e uns paus com os quais fazíamos um escarcéu correspondidos pelos passageiros que adoravam a recepção por inusitada em fim de jornada.
Nos tempos antes da Escola quando o tempo não tinha tempo e as laranjadas do Snr. Daniel Gonçalves eram um luxo, fazíamos uma vigia constante junto às tabernas do Francês e da Senhora Branca à cata das cápsulas que fechavam as garrafas e que eram a ferramenta ideal para jogarmos às "Caricas".
O jogo consistia em bater com as cápsulas na parede e tentar que no retorno a nossa se "encavalitasse" em cima da do adversário, meta essa que dava direito a ficarmos na posse da do contendor. Ora era sabido que se a carica estivesse achatada era muito mais fácil conseguir os intentos previamente designados. Assim à hora do "Misto" que no Verão passava ainda com luz do dia íamos para a linha em frente à casa do Pranchadas e colocávamos as "latinhas" em cima dos carris e esperávamos que o comboio passasse para logo após fazermos a coleta das "chaplas" que nós guardávamos ciosamente para os desafios seguintes. O peso do comboio alisava-as de tal forma que pareciam passadas a ferro.
Havia um personagem que ainda hoje é para mim o estereótipo do Capataz, mal-encarado, tiranete e presumido. Chamavam -lhe o Miranda e que me perdoem os seus familiares e descendentes, mas foi o adulto que mais pavor me meteu, não porque me haja feito mal algum, (também lhe fugia a sete pés) mas sim pela sua atitude para com todos os que passavam na linha, que eram muitos e de todas as idades e condição. Ele invocava sempre a lei da proibição de passagem que, por defeito não era possível cumprir. A linha passava no centro da cidade e as casas estava à sua ilharga sem outra proteção que não fosse o cuidado das pessoas. E o Miranda como homem de poder andava na vagoneta e nós admirados, comentávamos o facto de ele nunca ter esbarrado no comboio, já que tripulava aquela coisa na única linha que havia e sendo aquilo muito pesado perguntávamo-nos como ele fazia para deixar passar o comboio.
Ainda hoje me pergunto como ele conseguia tal façanha! Mas a concretização da glória do comboio só se consumava com a entrada triunfal na Estação.
Após ultrapassar a passagem de nível a seguir à Moagem Mariano, onde um homem levantava uma lanterna com luz verde, entrava ele resfolegando brandamente como cavalo cansado após grande corrida. No cais, onde o chefe da Estação esperava a sua chegada, havia sorrisos na boca daqueles que pacientemente esperavam pelos familiares ou outros que o comboio, qual amigo protetor devolvia ao convívio dos seus ou simplesmente largava para desfrutarem da hospitalidade da Cidade.
E nós, a garotada, deslumbrados, pensávamos quão bela havia sido a aventura daqueles que da janela da sua carruagem haviam passado maravilhados montes e vales, pontes e outras estações floridas, que como a nossa tinham rosas, cravos e tulipas para lhes adoçarem a viagem que era coisa para contarem.
Recordo com nostalgia o pessoal ferroviário que marcou positivamente a minha infância. Omitindo tantos de quem esqueci o nome, são imagens fortes na minha lembrança, o Senhor Castro chefe da Estação e o Tio Correia o Ralha, que milhentas vezes nos entregou as encomendas, que recolhíamos da sua mão acompanhadas de um sorriso e um dixote que era sempre ralhado.
Homens do meu tempo de criança na qual eles tiveram uma ação educativa de relevo. 
Para além da fantasia que fervilhava em nós, entre a aventura e o perigo, a realidade era categórica, quando com o passar do tempo, crescemos e vimos com nitidez o bem que o comboio trazia às gentes da cidade e região.
A Escola era logo ali do outro lado das traseiras e ali se consumou um tempo de alegria e crescimento envolto na magia que a convivência de miúdos e adultos produziu e como um sonho se findou.
O esforço dos que trouxeram o comboio até Bragança e nos deram um exemplo de solidariedade e progresso não foi respeitado por quem num tempo de estúpido convencimento suprimiu por razões economicistas um elemento de solidificação e elevação integrante do progresso das populações. Afinal a C P não está mais rica hoje do que antes e nós não contribuímos para "a ruína" da nação.
Esta minha constatação está nos antípodas das recordações douradas de um tempo de certeza e fruição que me foi dado viver pelos homens e mulheres de um tempo sem C.E.E..
(1ª parte da crónica dos transportes) 





Bragança 08/07/2020
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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