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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 12 de setembro de 2020

Daquela janela

Daquela janela não se vê o mar. Faz parte de uma casa erguida numa povoação por entre os montes e num planalto lindo de louvar a Deus Nosso Senhor. Está longe das bordas beijadas pelas ondas do oceano, mas não lhe faltam árvores floridas, cores variadas e belas e sons de mil tons.   

Por isso, não se enxerga o azul por cima da água feita ondas, nem se ouve delas o desenrolar tocadas pelo vento norte.  Não se vê o que nos leva à praia, mas tempos houve em que daquela janela jorrava uma imensidão de sentimento e de união entre duas irmãs.

Dos oito irmãos, seis mulheres e dois homens, somente elas viviam todo o tempo na aldeia, que igualando tantas outras, não tinha como acoitar todos aqueles que ali viram pela primeira vez a luz do dia. Ali se ouvia o primeiro berro, mas o ferro das vidas teve de ser lançado noutros chãos de circunstâncias e de oportunidades.

O delas não. Helena e Clara, deitaram raízes ali. A seu jeito cada qual fez ali o seu ninho permanente numa nada estranha forma de vida. Souberam ser, souberam viver. Souberam fazer nascer e criar. Foram educadas e educaram. Os filhos seguiram vida, mas elas ficaram passando a vida em redor das vides. Lidaram, cultivaram. Viveram no seu tempo, no tempo todo que lhes foi proporcionado.

Da janela daquela casa no meio do povo, onde vivia Helena, via-se pela nesga de uma viela a casa de Clara no outro lado da povoação. Pouco mais seria que um metro de largura, mas por ela trespassavam olhares profundos e imensamente largos.

De oras em quando, a páginas tantas e a qualquer hora do dia, espreitavam a casa uma da outra. Pequenos sinais, permitiam a comunicação quase em código. Uma sabia quando a outra saía, outra sabia para onde a outra ia, ambas sabiam quando as duas estavam. Quando acontecia, viam-se e falavam em pessoa. Teciam laços, trocavam impressões, atualizavam novidades, opinavam e recebiam opiniões.

Dia de domingo era dia de missa certa. Infalível e à hora marcada. Pelo toque do sino, começava o atavio melhorado, próprio de ir ver Deus e mais as conterrâneas. Ali era o ponto de encontro. A comunidade aperaltava-se com o que de melhor tinha. Elas, humildes, mas vaidosas que baste, nunca foram de ficar mal e nunca ficaram.

Qualquer trapinho lhes ficava bem. Pensavam e diziam entre si. Poderiam olhar de soslaio em redor, mas não eram de fixar os olhos nesta ou naquela, pois tinham para si que a vida de cada qual é com cada um. Cada pessoa cozia-se com as linhas que tinha, era o que era.

Nunca se atrasavam. Nunca se fizeram mutuamente esperar. Mas para os encontros no adro, eram frequentes a chegadas fora da hora marcada. Não havia uma qualquer razão especial. Só que entre o experimentar-se esta ou aquela saia ou casaco, e a decisão de se sair porta afora, por vezes perdia-se o tino do passar do tempo.

Uma saía, mas a outra já esperava. Pouco mais era que uns minutos que se podiam contar pelos dedos de uma mão. Mas parecia uma eternidade. Depois, entravam no templo sem incomodar e sem receber incómodo. O padre não dava por isso, e dizem que nem mesmo Deus notava. Se notava, fazia de conta que não.

Ele bem sabe que o mundo não é mundo sem que todo o ser humano tenha o seu pecadilho. O delas seria aquele e mais um ou outro de somenos importância de perdão com leve penitência. Uns padre-nossos e umas ave-marias.

Uma e outra estão agora junto Dele. Não foram ao mesmo tempo. Mas lá em cima por entre as estrelas, não há longe nem distância e o tempo nem sequer tem substância. Nem chega a ser um conceito. No entanto, tenho para mim que deve haver uma janela igual à outra por onde se veem e nos topam.

Só queria poder fazer-lhes um sinal de forma de coração. Só queira. Sucede que não sei se lhes disse, mas falo-lhes da minha mãe Clara e da minha tia Helena e qualquer semelhança com a realidade, não é mera coincidência.

Manuel Igreja

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