terça-feira, 29 de setembro de 2020

PENSAR O FUTURO PARA ALÉM DA DESGRAÇA

 
A Terra continua o rodopio à volta do Sol. No horizonte de, pelo menos, quatro mil milhões de anos o mais provável é que não haja alterações nos equilíbrios que mantêm o planeta azul em translação tranquila à volta da estrela que lhe garante a vida, com as forma que conhecemos, ou outras que podemos imaginar, sem grande risco de cair em erro retumbante.
Podia dizer-se isto de forma seca, talvez cortante, reduzindo-o à frase a vida continua para além de todas as tragédias. É o que vai acontecer, depois de algumas lágrimas, do cansaço e do desânimo que deixarão certamente marcas, mas o apocalipse fica para mais tarde.
As gerações do presente têm vivido, nalgumas partes do mundo, tempos nunca vistos de prosperidade, comodidade e segurança, sem tomar consciência de que há sérios riscos de os caminhos trilhados poderem conduzir ao desastre. Não seria a primeira nem a última vez na história da humanidade, fértil em desilusões demolidoras.
A situação que vivemos poderia despertar-nos para a contingência de cada um, mas também para a importância da solidariedade transgeracional, milenar, perscrutando os tempos que virão, para não deixarmos um mundo, um país e uma região piores dos que os encontrámos.
O território que nos calhou tem condições para proporcionar vidas gratificantes aos que vierem a nascer aqui, desde que, finalmente, se encontrem formas de promover a coesão na defesa das condições que abram possibilidades ao futuro.
Estamos a poucos dias de mais uma cimeira ibérica, cuja agenda anunciada parece reflectir a consciência pesada dos responsáveis políticos dos dois países, depois de longas décadas de gestão dos interesses imediatos, de falta de estratégia conjunta, de novo riquismo exuberante em Lisboa, Madrid ou Barcelona, que varreram para as traseiras os problemas reais da península, agravando desigualdades e comprometendo o desenvolvimento da maior parte do território e das gentes que lhe deram vida.
Não vai ser desta vez que os participantes terão em conta posições firmes de quem representa os que subsistem do lado de cá e de lá da maldita raia, capricho de grupos temporariamente dominantes, mais do que do sentimento das populações, impiedosamente sangradas numa vertigem de imediatismo que condensa os sete pecados capitais.
Não será, porque os representantes políticos do distrito não souberam nem quiseram encontrar forma de mostrar a força que temos. Nem estes, nem os que se sentaram nos cadeirões do poder no último meio século, em São Bento ou nas câmaras dos doze municípios. Nem vale a pena falar de tempos anteriores, quando a submissão servil, o provincianismo anacrónico e o arrependimento do futuro cobriram a região com o véu cinzento da miséria e da tristeza.
Daqui a um ano há eleições autárquicas. Se ainda houver sentido de cidadania, as candidaturas terão em conta a necessidade vital de definir uma estratégia conjunta de defesa dos interesses regionais, que se traduza na mudança das políticas que nos têm deixado a um passo da asfixia.
Doutra forma, continuaremos a assistir ao ridículo das fantochadas, com bonecos manipulados por peritos da dissimulação e da demagogia, que lançarão gargalhadas de desprezo sobre os patêgos, mais uma vez caídos no engodo da banca onde se anunciam os milagres da banha da cobra.

Teófilo Vaz

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