Sempre que chega à aldeia de Aveleda para passar o fim de semana, Fábio não resiste a espreitar o caudal do rio Pequim, manso e baixo no verão, propenso a cheias no inverno, desde que o desabamento das escombreiras da antiga mina de estanho de Portelo, desativada na década de 90, assoreou a também chamada ribeira de Aveleda.
Aos 13 anos, a frequentar o 8º ano em Bragança, onde reside durante a semana, Fábio anda apreensivo. Já habituado a ver mais areia do que água no rio onde outrora o bisavô Dinis pescava trutas, escalos e bogas, “cada vez mais raras”, agora tem uma nova preocupação: a reativação, quase 30 anos depois, da mina de volfrâmio e estanho de Calabor, em Pedralba de la Pradaría, do outro lado da fronteira.
“É uma mina muito grande, que vai ser um veneno para quem vive aqui. O meu bisavô está superfrustrado, pois há alturas em que já se anda no rio de sapatilhas sem molhar os pés”, conta Fábio. E questiona: “Onde irão os Canadair buscar água se houver incêndios?
”A causa da inquietação do filho de Marta Lima, representante da Junta de Freguesia de Aveleda, é a anunciada exploração mineira a céu aberto, da empresa espanhola Valtreixal, que detém licença para operar até 2039, apesar de o empreendimento estar localizado na área protegida da Rede Natura 2000. O projeto, ainda em avaliação pelo Governo espanhol, divide os autarcas do lado de lá da raia, apesar da contestação acesa das associações ambientalistas de Portugal e da província de Zamora.
Entre os detratores da mina de Calabor conta-se Hernâni Dias, presidente da Câmara de Bragança. Teme que a mina venha a causar novos assoreamentos provocados pelo transporte de inertes nas linhas de água da região, como a do Pepim ou do rio de Onor, que cruza a aldeia comunitária com o mesmo nome. O autarca adverte de que a exploração confina com o Parque Natural de Montesinho, reserva ambiental que “é a principal atração local dos amantes do turismo de natureza”. Em tempos de pandemia, diz que o turismo rural registou uma procura “nunca vista” nos territórios do interior, considerados destinos mais seguros. “No meio desta crise, foi uma alavanca económica para as casas de turismo rural e hotéis aqui da cidade, com lotação quase esgotada no verão”, refere Hernâni Dias, receando ver “a oportunidade perdida se a mina avançar”.
Sem orientações do Ministério do Ambiente sobre a posição a assumir pelo município, o autarca garante ter feito o legalmente possível: “Demos parecer negativo ao projeto no período de consulta pública, em agosto, e alertámos para que o mesmo deve ser revisto. ”Mário Gomes, líder da União de Freguesias de Aveleda/ Rio de Onor, partilha a angústia, acrescentando que o rio Igrejas, em Varge, é outro dos cursos em risco. Não poupa, por isso, nas críticas à avaliação de impacto ambiental das autoridades espanholas, “omissa quanto às sequelas na paisagem, complacente quanto à minimização dos riscos sonoros devido à utilização de explosivos”, pouca clara quanto aos malefícios na fauna e na flora. “Estes já são territórios de baixa densidade populacional, e não tenho dúvidas de que os efeitos da mina na agricultura, por força da contaminação dos solos, irão levar a um êxodo maior, afastar os turistas e o retorno dos emigrantes.
”Do lado espanhol, as opiniões dividem-se: o alcaide de Puebla de Sanábria reprovou o projeto, mas o de Pedralba já mostrou disponibilidade para viabilizar a operação, que irá criar 600 postos de trabalhos diretos e indiretos.
Toupeira-de-água, águia-real, lobo-ibérico e urso-pardo são algumas das espécies mais vulneráveis à ação mineira
APA ‘esconde’ dúvidas. Há um mês, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) colocou um conjunto de questões à tutela espanhola, ainda sem resposta. Ao Expresso, o presidente da APA, Nuno Lacasta, não revela, contudo, que “dúvidas” foram suscitadas, resumindo tratar-se de informação de “aspetos não detalhados no estudo prévio”, após consulta à CCDR-N, Direção-Geral de Energia e Geologia, Instituto de Conservação da Natureza e Laboratório Nacional de Energia e Geologia. Lacasta frisa que Portugal não pode decidir sobre a exploração de minas noutro país, mas “apenas dar parecer negativo se os impactos forem preocupantes”.
A pronúncia final será dada após os esclarecimentos adicionais do Estado espanhol. As conclusões das associações ambientalistas Rionor, Quercus, Fundo para a Proteção dos Animais Selvagens (FAPAS) e Palombar — Conservação da Natureza e do Património Rural são demolidoras, desde logo por a mina de Valtreixal estar localizada em território da Rede Natura 2000 e da Zona Especial de Conservação da Sierra de la Culebra.
João Branco, da Quercus, alerta para que, tratando-se de uma exploração a céu aberto de materiais pesados, é impossível conter a contaminação do ar e dos solos, ameaçando a saúde pública e espécies em risco de extinção, como a toupeira -de-água, a águia-real, o lobo--ibérico, “com impacto direto na alcateia de Montesinho” e no urso-pardo. Na flora, o ambientalista aponta o perigo de deterioração de oito habitats, como os bosques de castanea sativa ou os carvalhos-galego- -portugueses. José Pereira, da Palombar, e Nuno Oliveira, da FAPAS, destacam ainda a afetação de massas de água na Bacia Hidrográfica do Douro. Contra a mina estão também os Ecologistas en Acción, de Zamora, que exigem que a Junta de Castilla y León cumpra as diretivas europeias para acautelar a destruição de 250 hectares da Rede Natura 2000.
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