segunda-feira, 23 de novembro de 2020

SOB O SOL MOGIANO

Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS
São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)

COLHEITA DE CAFÉ-Estado de São Paulo- Brasil

Lembro cafezais em flor; flores brancas,

Que perfumavam os campos mogianos,
Das colheitas do “mundo novo e burbom”
Do cheiro do café de coador, feito de panos,
Os campos, os animais e as flores,
E aquela luz num céu azul de néon.
Faziam parte de minha vida de menino pobre,
Lembro-me da chuva, do rio e dos pássaros.
Não pude ver o mar; ao menos antes dos quatorze !
Só via mulheres com dor- d’olhos, cobertas de trapos,
Sempre grávidas; sempre sorrindo com quatro dentes,
Com suas canelas finas e feridentas; desde o seu nascimento,
E as pernas salpicadas de barro de terra roxa,
Aspergidos pelo costume de fazerem xixi de pé... .
Lembro a saparia do brejo e os silvos das cobras noctâmbulas,
Caçando e sendo caçados, no esforço de se manterem vivos.
Lembro mugidos das vacas parideiras, voltando ao curral,
Remastigando o capim, que se faz leite sem igual.
Lembro os ipês, da infância da minha vida,
Lembrando, todo ano, que de setembro a outubro,
Já é hora de preparar a terra e de plantar.
Vi muita gente ir para o trabalho, quando ainda era noite,
Homens de faces enrugadas; filhos sonolentos,
Trabalhando o cafezal ou na sua plantação de subsistência,
Mocinhas de doze anos, meninos de oito, velhos de quarenta.
Vi muitas flores, plantações, árvores, rios,
Lembro chuvas e cantar dos pássaros,
Só não via o mar, porque dele só sabia da existência!
Caipiras como eu, esperançosos, apegando-se a Deus e aos santos,
Esperando por vida melhor, assim como o filho, pai, o avô, o bisavô,... .
Caipiras que exibem suas mazelas, mas que esperam, com as suas,
Bocas desdentadas, cicatrizes nos braços e nos rostos,
Encardidos da terra roxa, queimados do sol mogiano,
Uma brisa da Providência em seu favor... .
Observando o capim gordura, formando ondas ao vento,
Com suas flores violáceas ao cair da tarde modorrenta
-Será que um dia ressurgirão num céu azul, vestidos de estrelas?
Já não tenho pernas; minhas mãos tremem,
Meus olhos fraquejam, meu coração sempre a palpitar,
Talvez vocês não saibam a razão do meu cismar:
-Vim da terra roxa e do cafezal paulista,
Da terra de aluvião vulcânica e massapé,
Onde o café se estendia a perder de vista,
A mim parece gravura, à vista de uma janela,
Vim donde existem almas penadas, matas e suçuaranas,
Vivo longe da minha terra, mas estou impregnado dela;
Ante esse quadro, não resisto ao fato:
-Que sou eu, sertão, senão seu retrato?

criado em 2013

Antônio Carlos Affonso dos Santos
– ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.

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