domingo, 31 de janeiro de 2021

A nova idade das trevas

 No esplendor da nossa modernidade, entrámos num túnel. Seguíamos o brilho das luzes da ribalta na espuma dos dias, mas num repente tudo se afunilou e escureceu.

Metidos em nós batíamos em todos, na procura do para nós, cada para si era detentor de muito saber, mesmo quase sem saber ler e muito menos saber escrever escorreitamente e muito menos bem, pois campeava o estreler.

O rápido e imediato, impunha-se ao ponderado e ao estudado, fazendo de cada qual um especialista em muita coisa. Íamos no tempo sem tempo e sem tempo para nada. A opinião instantânea e sem suporte na razão fazia fé sujeitando todo o contrário a contrafé.

Por dá cá aquela palha, para passar de mão em mão, surgia num ápice a indignação de fraca ignição pois logo se apagava à mais leve brisa de nova moda. Dava-se uma virtual sova e depois ao de leve, virava-se a atenção para qualquer outra emoção.

As entranhas ficavam ao rubro, com coisas estranhas, mas suscetíveis de logo serem remediadas com um mínimo de bom senso. Guerreiros de sofá escudados e escondidos no mundo infeto dos circuitos eletrónicos, pequenos deuses supostos que éramos, levianamente com meras teclas, julgávamos decidir a sorte da guerra.

Enquanto isso o mundo estremecia. Ou antes, estremece, pois neste ponto deste meu rendilhar de letras, onde coloca os seus olhos em instantes de leitura, vai sendo tempo de dizer que o aludido como ter sido, ainda é, pois ainda decorre a viagem túnel adentro.

Nas paredes reluzem os marcadores, mas sem que se note, estreita-se e envolve-se de breu. Olhando através da janela pode ver-se que a boçalidade fazendo par com o medo vai erguendo uma paisagem pintalgada pela ignorância fazendo periclitar e quase desaparecer a decência.

Esconjuram-se inimigos invisíveis apelidados de terríveis, fazendo-se mirrar a tolerância. Ululantes, as turbas com a barbárie na ponta da língua e a maldade à flor da pele, começam a ascender as fogueiras onde empilharão livros.

A sociedade com maior conhecimento académico, com maior formação específica em cada matéria, revela-se afinal ignorante em todos os saberes menos daqueles que decorou para deles fazer instrumento de ambição nem sempre com o necessário espírito de missão.

Quase trezentos anos depois do século das luzes, esboroa-se a razão com a preguiça no pensar. Cortam-se todas as raízes ao pensamento. Acendem-se as candeias e os archotes. A jornada parece um regresso ao mundo das trevas.

Manuel Igreja

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