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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Artur de Azevedo: "Um Desastre"

 Meteu-se em cabeça do pobre Raposo que havia de ser o marido da senhorita Ernestina Soares, e verdade, verdade, ele tinha por si os pais da moça, que o sabiam   possuidor   de   um   bom   número   de   prédios   e   apólices   e   viam   na   sua pessoa o ideal dos genros.

A senhorita não era da mesma opinião, em primeiro lugar porque gostava muito do primo Enéias, que não tinha apólices nem prédios, mas era um bonito rapaz e um mimoso poeta e, em segundo lugar, porque o Raposo, coitado!, pesava nada menos   de   cento   e   vinte   quilogramas,   isto   é,   tinha   uma   pança   que   o incompatibilizava absolutamente com um ideal de moça.

O Soares - honra lhe seja!  - não era homem que obrigasse a filha a casar-se contra   a   vontade;   entretanto,   procurou   convencê-la   de   que   a   corpulência   do Raposo não era um pecado nem um delito, nem uma vergonha, e melhor vida teria ela em companhia dele que na do primo Enéias, um troca-tintas que não valia dois caracóis.

- Não, papai! mil vezes não! Exija de mim tudo quanto quiser, menos que eu me case com uma barriga daquelas!

O   Soares,   que   tinha   as   suas   leituras,   apontou   à   filha   o   exemplo   de   muitos homens ilustres que foram grande barrigudos, mas tudo em vão: decididamente a pequena estava enrabichada pelo primo Enéias.

O mais que o velho obteve foi fazer com que a filha recebesse, em companhia dos pais, a visita do Raposo.

- Tu não o conheces! Olha que é um homem de espírito e um cavalheiro de fina educação!   Isso  de  mais   barriga   ou  menos  barriga  não  quer  dizer  nada!  Vou convidá-lo para vir tomar uma noite dessas uma xícara de chá em nossa casa. Durante a sua visita examiná-lo-ás de perto. Quem sabe? Talvez se modifiquem as   tuas   impressões.   Se   não   se   modificarem,   paciência   -   casa-te   com   quem quiseres e sê pobre à tua vontade!

Na  noite  aprazada  o  landau  do Raposo  conduziu-lhe  a pança até à casa  do Soares, e o capitalista foi recebido com muita amabilidade por toda a família.

Ele sentou-se em uma delicada cadeira de braços em que parecia não caber, e durante uma hora falou da sua vida, das suas viagens, das suas aventuras por esse mundo a fora com tanta loquacidade, com tanta graça, com tanta  verve, que efetivamente a senhorita esqueceu-se de que ele era gordo e começou a achá-lo simpático.

No  fim  daquela  hora  o primo  Enéias  estava quase  esquecido;  mas vejam  os leitores de que depende, às vezes, o destino de um homem: quando, convidado a passar à sala de jantar, onde estava servido o chá, Raposo se ergueu, ergueu consigo a cadeira que ficou apertada entre os seus quadris, extraordinariamente dilatados por um largo repouso.

O   desgraçado   forcejou   para   arrancar   a   cadeira   e   não   conseguiu.   O   Soares aproximou-se dele e começou a puxá-la com toda a força, enquanto o Raposo, curvado, agarrava-se ao umbral de uma porta como a um ponto de apoio.

Também o Soares não conseguiu tirar o pobre Raposo daquela prisão.

- Não puxe! não puxe mais! - gritou ele. - Olhe que quebra!...

E, agachado, esgueirou-se pela escada abaixo, sem se despedir de ninguém, levando consigo a cadeira.

A  porta  esperava-o  o landau   onde  ele   entrou,   calculem   com  que  dificuldade, gritando   ao   cocheiro   que   o   levasse   à   casa,   enquanto   alguns   transeuntes, espantados, riam às gargalhadas vendo aquele barrigudo, no carro, de gatinhas, com os largos quadris comprimidos entre os braços de uma cadeira.

A senhorita, desde que o Raposo se ergueu até que o viu entrar no landau, riu tanto, tanto, que foi preciso desapertar-lhe o colete.

Uma hora depois um criado restituía ao Soares a maldita cadeira.

Naquela casa nunca mais se falou no Raposo.

A   senhorita   continua   a   namorar   o   primo   Enéias,   que   está   à   espera   de   um emprego no Povoamento do Solo para se poder casar.

Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada

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