quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

De Trás-os-Montes para sua casa, o fumeiro está à distância de um clique

 Em mercados ou num cozido transmontano especial, o fumeiro tradicional da região aquece o inverno em Trás-os-Montes e também na sua casa. Este ano, as feiras acontecem online e trazem o aroma do fumeiro à cidade


Inconfundível. O aroma a fumeiro tradicional transporta-nos imediatamente para o calor de uma fogueira acesa na aldeia. Assim é em Trás-os-Montes, onde o fumeiro tradicional repousa no alto da lareira até se transformar em saborosos salpicão, alheira, chouriço e presunto de sabor autêntico.

Janeiro é mês de fumeiro. Altura em que o produto do ano está pronto a comer e época das mais relevantes feiras da região, com décadas de tradição em revelar e oferecer o que de melhor se faz por aqui. Em ano de pandemia, os certames transferem-se de Trás-os-Montes para plataformas online que fazem chegar a casa aromas e sabores da região.

Feira do Fumeiro de Vinhais

Pela primeira vez deste que tem lugar, nos últimos 40 anos, a Feira do Fumeiro de Vinhais, “Capital do Fumeiro”, que dá a conhecer as delícias preparadas durante semanas à volta da lareira, não se realiza em janeiro. Em 2021, a pandemia obriga a que o município pondere a sua realização em fevereiro e online. A data exata ainda está por definir, mas pode ir acompanhando a evolução de datas e formato para esta que é um dos mais emblemáticos certames dedicados ao fumeiro, na página de Facebook do Município de Vinhais, que tem a seu cargo a organização da Feira.

Fumeiro de Montalegre

Para dar visibilidade aos bons produtos da terra foi criada uma plataforma digital dedicada ao Fumeiro de Montalegre www.fumeirodemontalegre.pt onde está reunida a oferta que habitualmente integra a Feira do Fumeiro de Montalegre. A celebrar em 2021 30 anos de existência, a celebração faz-se com esta inovação que disponibiliza, além do fumeiro, outros produtos tradicionais da “Terra Fria”, organizados em “lojas”, por produtores. A plataforma resulta de uma parceria entre a Câmara de Montalegre https://www.cm-montalegre.pt/ e a Associação de Produtores de Fumeiro da Terra Fria Barrosã que asseguram qualidade desde a origem até à entrega em casa.

Feira do Porco de Boticas

A Feira Gastronómica do Porco decorreu em Boticas no passado fim de semana em moldes naturalmente diferentes dos habituais, sem presença de visitantes e com a abertura de uma plataforma online - a Boticas Tem - que se mantém em funcionamento até dia 27 de janeiro, com garantia de controlo de qualidade do fumeiro.

Cozido do Barroso em casa

Também no restaurante Oficina, do chefe transmontano Marco Gomes, há três dia de festa à mesa dedicados ao Cozido do Barroso. Desta vez servido em casa e não no restaurante, de 21 a 23 de janeiro chega ao conforto do lar uma dose generosa de cozido feita com os melhores produtos transmontanos que o chefe vai diretamente buscar à origem. “Amanhã lá vou eu a Montalegre fazer as minhas compras como já é habitual há muitos anos”, revela na página de facebook do Oficina. A encomenda deve ser feita diretamente com o restaurante (Rua Miguel Bombarda, 282, Porto. Tel. 936712384)

Singularidades do fumeiro transmontano

É um dos produtos mais identitários quando o assunto é comida portuguesa de conforto e de inverno. Com raízes ancestrais, a técnica desenvolvida como aproveitamento e método de conservação da carne desdobra-se em opções e sabores que, em comum, têm a carne de porco e um “estágio” à lareira, cujo calor e fumo, além de oferecer aroma e paladar caraterísticos, permitem conservar a carne o ano inteiro.

Com a lareira como centro da casa tradicional, sempre acesa para fazer frente aos rigorosos invernos, o fumo pouco intenso e gradual concede ao fumeiro da região caraterísticas singulares. O método, ancestral, surgiu para conservar a grande quantidade de carne, após a matança do porco, criados nestas terras há vários séculos, numa prática passada de geração em geração. A secagem retira água ao alimento permitindo que as bactérias não se desenvolvam e, logo, conservando por mais tempo a carne em boas condições.

Pendurados no topo da lareira, entre o lume e a chaminé, repousam salpicões, chouriços, alheiras e demais enchidos que em breve hão-de trazer os seus aromas intensos à mesa.

Tradicionalmente, a alimentação dos animais é feita com alimentos endógenos crus - couves, nabos, abóbora porqueira, centeio, milho, couves, folha de negrilho (ulmeiro), beterraba, batatas e castanhas - que a partir do fim do verão, quando se passa à ceva (engorda), passam a ser cozinhados e temperados com farinha e farelo de milho ou centeio, transferindo desde logo sabor à carne.

Após a matança, procede-se ao aproveitamento de todo o animal, até a tripa, que depois de bem lavada e seca serve para envolver as carnes, temperadas e deixadas numa marinada de sal, alho, colorau e vinho durante pelo menos 24 horas. Depois de enchidas com as respetivas carnes - a perna para o presunto, o lombo para o salpicão, barriga para as chouriças, miudezas para as alheiras - penduram-se no topo da lareira, acesa durante todo o dia em “lume brando”. Após uma semana a 15 dias, passam para a lateral da lareira para, de modo menos intenso, continuarem a “fumar” por duas semanas a um mês.

O que escolher

Conheça em detalhe os produtos certificados como IGP - Indicação Geográfica Protegida -, atribuído pela Direção-Geral da Agricultura, e as suas singularidades

Alheira

Tem origem no final do século XV e está associada à chegada a Trás-os-Montes de judeus expulsos de Castela em 1492. Como não comiam carne de porco, para esconder a sua identidade e fugir da perseguição, os judeus portugueses fizeram as primeiras alheiras sem carne de porco e utilizando apenas frango e pão, mas mantendo a mesma aparência de um produto de carne típico. Mais tarde, a população de Trás-os-Montes adotou este enchido e adicionou a carne de porco. Associada a festas populares e religiosas, ainda hoje é tradicional dar e receber presentes deste enchido.

Elaborada com pouco, carne de aves e/ou caça pão, azeite extra virgem, cebola, alho e condimentos diversos, a de Mirandela - a mais célebre das alheiras - distingue-se pelo pão regional de trigo, amassado e cozido especialmente, cujo segredo de fabrico permaneceu inalterado ao longo de gerações.

Estão certificadas como IGP as variedades Alheira de Mirandela, Alheira de Barroso - Montalegre e Alheira de Vinhais.

Chouriça

Elaborada com carne e gordura de porcos da raça Bísara ou com 50% de sangue Bísaro, é temperada com sal, alho, vinho, colorau picante e/ou doce e pode ou não levar louro e água. A chouriça doce é ainda recheada com pão, mel e nozes ou amêndoas, enquanto o chouriço de abóbora leva a chamada “abóbora porqueira”.

Estão certificadas como IGP as variedades Chouriça de Carne de Barroso-Montalegre, Chouriça de Carne de Vinhais / Linguiça de Vinhais, a Chouriça Doce de Vinhais, o Chouriço Azedo de Vinhais / Azedo de Vinhais / Chouriço de Pão de Vinhais e o Chouriço de Abóbora de Barroso-Montalegre.

Presunto

A perna de porco, alimentado de modo natural, é salgada e fumada, dando origem a duas certificações IGP: Presunto de Barroso e Presunto Bísaro de Vinhais.

Salpicão

Feito a partir de carne de porco bísaro, o lombo, ou carne com pouca gordura, é condimentada com sal, alho, vinho, colorau picante e/ou colorau doce. Certificadas como IGP existem o Salpicão de Barroso-Montalegre e o de Vinhais.

Sangueira

A Sangueira de Barroso-Montalegre é obtida à base de carne, gordura e sangue de porcos da raça Bísara e pão de trigo, condimentados com sal, alho, vinho, colorau picante e/ou doce, salsa, cebola e azeite.


Ana Fonseca

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