terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

BRAGANÇA: ANOS DE 1700: QUADROS SOCIAIS- PRESOS COMO FAUTORES DE HERESIAS

 Vimos o médico do partido da cidade de Bragança, Dr. Francisco Soares Franco passar um atestado em como Pedro Ferreira de Sá Sarmento estava doente e não podia apresentar-se no tribunal de Coimbra. O atestado e a carta do pai foram levados em mão pelo filho de Pedro que se apresentou em Coimbra em meados de Julho de 1715. Os inquisidores mandaram-no de volta a casa, dizendo que era o pai que devia apresentar-se, que o fizesse logo que ficasse melhor. 
Apresentou-se 4 meses depois, em 6 de Novembro, sendo interrogado, severamente repreendido e ameaçado como os demais. Regressou a Bragança, não sem que, tal como os outros tivesse que pagar as custas com as diligências. Vejamos agora alguns dados biográficos de Pedro Ferreira, que nasceu em Vimioso, por 1658, no seio de uma família da nobreza Trasmontana. Aires Ferreira Sarmento, seu pai, natural de Vinhais, viveu em Vimioso onde foi casar com D. Bibiana de Albuquerque e onde alcançou o cargo de capitão-mor, vindo a falecer ao comando das suas tropas, na tomada da praça castelhana de Alcanices, no decurso da guerra da Restauração. Nascido no Vimioso, pelo ano de 1658, Pedro Ferreira casou com sua prima D. Jerónima de Albuquerque Pimentel, da cidade de Miranda, filha de Paulo Macedo, cavaleiro da ordem de Cristo e familiar da inquisição. Foi coronel de cavalaria e governador do castelo da vila de Outeiro. 
Pelo ano de 1697, o casal morava na vila de Chacim, onde tinham propriedades. Por essa altura aconteceu em Chacim um verdadeiro tsunami, com a chegada de um corpo de tropas de Bragança, comandado pelo general Sebastião da Veiga Cabral, por requisição do comissário Bartolomeu Gomes da Cruz, a mando da inquisição de Coimbra, para prender uma vintena de judaizantes naquela vila. Nessa operação, o mais ativo “caçador de judeus” foi Pedro Ferreira de Sá que, por isso mesmo, recebeu um louvor e um novo encargo da parte do mesmo tribunal, conforme referido em carta para o comissário local, Manuel Gouveia de Vasconcelos: - Também nos constou que Pedro Ferreira de Sá, morador na mesma vila, obrou nas mesmas com muito zelo. V. Mercê, da nossa parte, lhe fará presente o nosso agradecimento (…) Temos notícia que alguns cristãos-novos dessa vila se querem ausentar; terá V. M. muito cuidado e vigilância neste particular, encarregando ao dito Pedro Ferreira de Sá…  Enquanto no seio da inquisição era apontado como herói e cristão zeloso, os familiares dos presos apresentavam em Coimbra uma petição retratando-o de “homem muito poderoso, de mau e perverso coração, muito ambicioso das fazendas alheias, tanto que, nas prisões que houve em Abril passado, foi senhor absoluto da disposição delas e como o seu ódio era tanto, as fez com um estrondo que nunca se viu”. 
Desfiavam depois um rosário de ilegalidades e roubos por ele executados. Veja-se apenas um excerto das acusações: - É notório que deu ocasião a que se roubassem as casas dos presos e ele dito, Pedro Ferreira publicamente roubou um macho, um colete de anta, duas espingardas, duas espadas e um muro de colmeias.  No seguimento das prisões e do louvor recebido, Pedro Ferreira apresentou no Conselho Geral da inquisição um requerimento pedindo a admissão como familiar do santo ofício. Para o processo avançar tinha de passar pela inquisição de Coimbra que deu o seguinte parecer ao inquisidor-geral: - Informamos Vª. Senhoria que o pretendente se houvera culpavelmente nas prisões que fez em Chacim e inventários dos presos, nos parece que Vª. Sª não defira o seu requerimento… 14 de Abril de 1698.  Efetivamente, não conseguiu aquele objetivo. 
Anos depois, morando já em Bragança, Pedro Ferreira empenhou- -se particularmente num outro projeto: o de ter uma cadeira na igreja do convento de S. Francisco, lá à frente, junto ao altar-mor, nomeando-o padroeiro do convento e significando isso o mais elevado estatuto social entre a gente da nobreza da cidade. Conseguiu que o guardião do convento e o ouvidor da cidade lhe concedessem a graça, certamente a troco de avultada contribuição financeira. Tamanha ostentação não cairia bem entre a gente da nobreza e as queixas chegaram ao Paço Real, em Lisboa. Veja-se a resposta: - Provedor da Torre de Moncorvo. Eu, El-Rei, vos envio muito saudar. Vi a vossa carta de 21 de Julho deste ano em que destes conta da diligência que fui servido encarregar- -vos sobre a liação do padroado da capela-mor do convento de S. Francisco da cidade de Bragança a favor de Pedro Ferreira de Sá Sarmento e o que sobre este particular obrara o guardião do dito convento e o ouvidor da mesma cidade. Em vista de tudo o que referiste se tinha obrado sobre a dita aliação, hei por bem ordenar-vos notifiqueis ao dito Pedro Ferreira de Sá Sarmento se abstenha do uso do dito padroado e mandareis tirar da capela-mor do dito convento a cadeira que nele tinha, se ainda ali estiver, advertindo-lhe que este negócio há-de ficar nos mesmos termos em que se achava antes de lhe ser concedido o dito padroado; e ao ouvidor da comarca, pelo excesso com que se houve com Joseph Morais Madureira em escrever ao geral de S. Francisco a favor do dito Pedro Ferreira de Sá Sarmento, chamareis à câmara e da minha parte lhe estranhareis severamente e que me houve por muito mal servido do que obrou neste particular. Rei. Lisboa, 17 de Setembro de 1715.
Como se vê, a segunda metade do ano de 1715 seria particularmente adversa para o coronel Pedro Ferreira, que se viu repreendido pela inquisição e pelo rei. Queixas sobre a honestidade e retidão de caráter lhe seriam também feitas pelo marquês de Fronteira, em Janeiro de 1706, a respeito de negócios de cavalos, conforme se depreende de uma carta sua, respondendo a tais queixas, existente nos arquivos da Torre do Tombo.  A essa altura ocupava o cargo de governador do castelo de Outeiro. Dois anos depois, em 13.9.1708, seria encartado no lugar de feitor e recebedor da alfândega de Vimioso.
Obviamente que todos os cargos em que fora investido eram acompanhados de compensações financeiras. Assim, por alvará de 30.3.1713 do rei D. João V, foi-lhe concedido o título de moço-fidalgo, com 100$000 réis de moradia e 1 alqueire de cevada por dia. Em 17.12.1715, nova carta de mercê do mesmo rei, concedendo-lhe a tença de 40 mil réis.  E as mercês não foram apenas para ele. Também para o filho, Francisco José Sarmento Lousada que, por alvará de 18.4.1713, foi também nomeado moço fidalgo da casa real. E também para o neto Pedro Ferreira de Sá Sarmento, que em 2.2.1716, recebeu idêntica mercê. E se Pedro Ferreira não conseguiu ser admitido no círculo dos familiares da inquisição, facilmente o conseguiu seu filho Francisco que, apresentou o pedido em Junho de 1713 e recebeu carta em 15.2.1714.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

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