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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Toninho - O Aprendiz de Ferreiro

 Nos meados do século passado, brotavam artesãos e variado comércio em Torre de Dona Chama, sendo muito fortes os ofícios de alfaiate, albardeiro, ferrador, latoeiro, serralheiro civil, tamanqueiro, etc.

Quando os rapazes terminavam a instrução primária, seus pais não tendo condições de os mandar prosseguir os estudos, procuravam-lhes emprego de aprendiz nas diversas ofertas que havia na terra. As meninas, normalmente, iam servir nas casas mais abastadas.

Toninho, rapaz feliz e inteligente, terminara a quarta classe com boas notas. Dava gosto ver o pequeno, hirto e cheio de brio com os resultados obtidos! Mas o tempo de estudo tinha terminado para ele. Seus pais, depois de muito meditarem sobre a futura profissão, que haviam de escolher para o filho, decidiram-se por aprendiz de serralheiro. Certa noite, à ceia, ficou combinado que, no dia seguinte, a mãe iria levar o rapaz à serralharia do Ti Manel.

Ora bem… O mestre serralheiro, mal os viu chegar à soleira da porta, deu-se logo conta ao que vinham:

- Fruto da época! - disse-o com um meneio da cabeça.

Assim que terminava a escola, pululavam os rapazitos, franzinos - alguns ainda a cheirar a cueiros!

Num gesto repleto de doçura maternal, Ti Ana dava a mão ao seu rebento, fazendo lembrar a divina representação escultórica da Madona de Bruges, de Michelangelo. Quanta ternura brotava desta mãe, oferecendo o seu tesouro, para também ele ser esculpido às mãos do mestre.

Enquanto esperavam, especados à soleira da porta, longos e intermináveis minutos – são-no sempre para quem espera de pé - Ti Manel terminava um conserto. De soslaio, fingindo não dar qualquer importância ao caso, deitava-lhes o olho como que a ver se tirava algum pormenor importante, remoendo entre dentes:

- Mais um à procura de pão pra boca!

A contragosto - por insistência da extremosa mãe – aceitou ouvir o caso. Depois de tantas recomendações e elogios, que a doce Ti Ana debulhava sobre o seu menino, decidiu ficar com o rapaz. Que aparecesse no dia seguinte - bem cedo - recomendava o mestre.

Na época, os aprendizes não ganhavam nada, apenas o almoço que a esposa do patrão lhes oferecia. A desculpa… ora, a desculpa! Diziam aos pais que os aprendizes estragavam muito material durante a aprendizagem, e o que haviam de ganhar não cobria as despesas.

O alegre Toninho, assim que escutou o galo cantar, deu um pulo da cama, vestiu-se num ápice, deitou água no lavatório, que mal dava para molhar o rosto, e de pronto apresentou-se na cozinha, onde já estava a mãe a preparar o café da manhã. Comeu na sofreguidão das almas apressadas e tratou de ir, canelha fora, até à oficina de serralharia. Madrugara para chegar antes de a oficina abrir, apresentando-se entusiasmado e cheio de vontade de se fazer um bom oficiante. Era o seu primeiro dia, o primeiro emprego, talvez um grande passo para se afirmar junto dos outros rapazes da terra.

Os dias eram vaticinados por montes de tarefas: cada qual, mais desafiante; cada qual, mais pesada que a anterior. Respondia, sempre, com alegria a todos os pedidos do mestre. O pior era o almoço! O rapaz não era biqueiro - bem pelo contrário, um Jó d’alma - aceitava de bom agrado tudo quanto lhe pusessem no prato. Só que Ti Joaquina, esposa do mestre – ora fosse acanhada de mão, ou a época que não lhe permitisse larguezas - mal punha comida no prato dos aprendizes. Pobres rapazes! O Toninho passava o dia com o estômago a roncar de fome, dores de cabeça e fraqueza.

Na corda das horas, os dias arrastavam-se lentamente, a alegria esmorecendo, e a prontidão, com que o novo oficiante respondia às solicitações do mestre, foi decaindo.

Para não causar desgosto aos pais, este bravo rapaz, foi aguentando estoicamente a situação até ao limite. Em sua casa a fartura também não era muita, mas não se lembrava de passar tamanha fome. Isto perturbava-o sobremaneira. Se por um lado queria aprender uma arte; por outro, sentia-se demasiado fraco para continuar este projeto de vida. Quando à noitinha se recolhia no quarto, deitava-se e ficava preso a fitar o teto. Era, então, nestes momentos que se punha a imaginar uma saída para o caso e nas consequências da decisão que viesse a tomar. A solução que encontrasse teria de ser apaziguadora, principalmente, da sua alma. Foi pesando na balança o que mais conviria: ficar a definhar lentamente, ou sair dali de forma airosa?

Um dia, acordou cheio de vigor e resoluto a mudar o rumo à vida. Esperou pelo almoço. Parco almoço! Daqueles a fazer lembrar os restaurantes chiques que há agora, sabeis? Onde não põem nada no prato, e a gente ainda paga uma fortuna à saída. Olé se paga!

Terminado, o almoço, o mestre e alguns empregados tinham de sair para irem assentar uma obra. Antes de abalar, Ti Manel, desfiou um monte de recomendações, ao Toninho e a outro aprendiz:

- Tratai de fazer esse trabalho pro Ti João Cuco. Cuidado com isso, rapazes! Se não ele mói-me o juízo. Estais a ver esse ferro aí? É para acarretar lá para dentro. Ponde tudo no lugar. Tomai conta de algum recado que… - e abalou.

Eis o tempo e o espaço que o Toninho precisava. Cheio de fome, mas com uma inabalável coragem, tomou então a resolução que há muito andava a magicar. Foi buscar uma chapa de ferro, de bom tamanho, um ponteiro bem afiado e escreveu...

Fica-te, maldita forje.

Maldita sejas tu!

Levo nos dentes ferrugem,

E teias no olho do cú.

Tratou de colocar a chapa à porta da serralharia - em lugar bem visível - e pôs-se a milhas num instante, não fosse o diabo tecê-las!

Quem por lá passou - e leu a quadra - de imediato percebeu, que os aprendizes não eram bem tratados nestas paragens.

E vós, caros leitores, ficai sabendo que esta história ainda mora na viva lembrança de quem, com alegria e candura, amavelmente ma contou; uma encantadora senhora com 85 primaveras.

Teresa A. Ferreira

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