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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 15 de junho de 2021

BRAGANÇA : A NAÇÃO JUDAICA EM MOVIMENTO - 10 ANTÓNIO CARDOSO DA PAZ MERCADOR EM LISBOA

 No dia 23 de Setembro de 1702, entrou na Ria de Vigo uma frota de galeões espanhóis vindos das Américas, carregados de ouro e prata, escoltados também por navios franceses. Uma frota de navios ingleses e holandeses conseguiu forçar a barra, e, no estreito de Rande, saquear e destruir a armada espanhola. Um golpe muito audacioso e um belo saque para os audazes marinheiros. 

Este foi um episódio da guerra da Sucessão de Espanha que muito impressionou o rei de Portugal, D. Pedro II, até então aliado dos franceses e espanhóis, e que tinha prometido ao Rei Sol (Luís XIV) fechar os seus portos aos barcos adversários. De imediato, iniciou conversações com os ingleses que, em verdade, nunca deixaram de frequentar os nossos portos e desenvolver ações de corço e pilhagem à mistura com alguns negócios. Um dos mercadores portugueses que tinha pratas nos galeões espanhóis trazidas das Índias, e que as perdeu, foi António Cardoso da Paz – 5 mil e tantas patacas – conforme informação de seu filho, que acrescentou: - Veio de Aiamonte fugido, por aviso que teve do corregedor da cidade de que o queriam prender, suspeitando que ele havia dado alguns avisos a este Reino e passado algum dinheiro; porque se botou bando com pena de morte, que ninguém o passasse… (1) O pai fugiu de Castela para Faro, trazendo apenas a roupa do corpo e umas 60 ou 70 patacas. O filho ficou em Aiamonte mais 10 ou 12 dias, tentando vender algumas coisas e fazer algum dinheiro. Muito pouco, apenas umas 15 patacas “que fez de fazendas mal vendidas”. 

De Faro rumaram a Lisboa, onde se encontrava já a viver a família do tio Rafael de Sá, então muito doente ou já falecido. Falecidos também, eram já a sua filha, Grácia de Mesquita e o marido, João Esteves Henriques. A tomar conta das filhas destes, ficou a sua avó, Luísa Mesquita, viúva de Rafael de Sá. E foi com as duas órfãs mais velhas que os fugidos de Aiamonte se casaram: António Cardoso da Paz, viúvo, com Branca Lopes Henriques e Rafael de Sá da Paz, com Luísa de Mesquita. Obviamente que os casamentos foram acertados com a matriarca e os seus dois filhos médicos, tios das noivas e certamente foi com a sua ajuda que refizeram as vidas e reergueram os negócios. Aliás, o próprio Rafael de Sá da Paz contou aos inquisidores: - Depois que vieram para esta cidade, pousando em casa de Francisco de Sá Mesquita, com o seu crédito e fiando- -lhes fazendas, se foram achando na forma em que hoje estão. E que não trouxeram nada de Castela poderão justificar o capitão Manuel Rebelo, oficiais e soldados (…) que os viram desembarcar sem trazer coisa alguma. (2) A chegada a Lisboa terá acontecido por 1703. 

Dois anos depois, a inquisição lançou uma grande investida sobre a nação de Bragança residente na capital. Particular retumbância no seio da comunidade e influência na vida de Cardoso da Paz, teria a prisão de Eliseu Pimentel em Outubro de 1705, o qual trazia arrematado o monopólio da venda de cartas de jogar e solimão em todo o reino. Vamos explicar. Antes de ser preso, Eliseu tinha contratado uma grande encomenda de cartas da França. Sendo preso, ficou o filho, António Pimentel, de 18 anos, à frente do negócio. Como não tinha dinheiro suficiente, preparava-se para recusar a encomenda. Aí surgiu António Cardoso e o dinheiro conseguiu-se formando uma sociedade comercial em que entraram eles dois, os médicos António Mesquita e Francisco Sá Mesquita e o escrivão dos contos Francisco Correia da Silva. 

O gerente da sociedade era António Cardoso e logo o seu génio mercantil veio ao de cima, carregando “para o Rio de Janeiro, Baía e Pernambuco” uma remessa de cartas e alargando também o campo de atuação até à Índia. Vejam a sua própria explicação: - Pela licença dos estados da Índia, aonde não é costume mandar solimão e cartas, vendeu a dita licença por 600 mil réis, em cada ano, a António Tarouca, morador na cidade de Goa, por inculca de António Leite, mestre impressor, que lhe assegurou debaixo da sua palavra a boa satisfação e que o dito António Tarouca lhe faria receita do dito cômputo no que ele declarante lhe pedisse; e o que lhe pediu foi pimenta, cassas, diamantes… no dito contrato se poderá ganhar 3 ou 4 mil cruzados. (3) Do êxito ou fracasso da sociedade e do contrato para a Índia, com pagamento das cartas em pimenta, cassa e diamantes, pouco podemos acrescentar, até porque, em Maio do ano seguinte, a inquisição prendeu também António Cardoso e o filho Rafael de Sá da Paz. E é graças ao inventário dos bens que então fizeram perante os inquisidores, que nós ficamos sabendo um pouco mais das atividades comerciais do pai e do filho que trabalhavam em conjunto, recebendo este “a terça parte da ganância, comendo e bebendo e vestindo todos do monte”. A terça parte porque, com eles, estavam também dois irmãos menores de Rafael. 

Na base da empresa, estava uma loja de mercearia, que montaram na Rua Nova de Lisboa e que valia mais de 2 mil cruzados. Mas se a loja era a base, os maiores negócios passavam ao lado. Imagine-se: uns dias antes de ser preso, António Cardoso da Paz, regressara a casa com 3 mil e tantos cruzados, ou seja cerca de um conto e meio, apurado em 2 feiras. Frequentava-as em terras distantes, nomeadamente no Alentejo, para o que tinha uma espécie de central de armazenamento dos produtos que comprava e vendia nas diferentes feiras. Era no Alvito, em uma casa de João Álvares da Costa. Ali, à data da prisão, tinha “20 costais de fazenda, enfardados, de todo o género de fazenda de que se compõe uma loja e eram fazendas de Hamburgo, Holanda, Inglaterra e mais portos”, que valiam 2 contos de réis. Aliás, apenas 17 costais eram de fazendas, como ele emendou, porque um era de gengibre e incenso e dois de erva-doce e cominhos. E esta não era a única central de armazenamento de mercadorias e apoio nas feiras. 

Em Alhos Vedros, concelho da Moita, tinha outra. A título de exemplo, diga-se que para a feira do Gavião, termo de Portalegre, ultimamente realizada, pagou ele 24 mil réis de aluguer de “carretas” para transporte de mercadorias. Nessa feira fez uma bela compra: 3 cargas de cera que foram transportadas para a dita estalagem em Alhos Vedros, onde tinha juntado 6 cargas e uns costais “para dali a vender, que terá boa venda, por haver muita falta dela, tanto assim que os mais dos cerieiros desta corte andavam perseguindo a ele declarante para que lhe vendesse”. Boa venda teria também a pólvora, de que ele comprara 18 barris a um Manuel de Lima, a “partida de holandesas” adquirida a Gabriel Lopes Pinheiro, de Freixo de Numão, os 40 e tantos arráteis de cravo (de ferrar) comprado a um flamengo, os talins (correias de cintos ou de arreios dos animais) adquiridos na Correaria ou as 200 e tantas dúzias de facas vindas da Flandres. 

Mas há um negócio que especialmente desejamos referir: a venda de 1250 ovelhas, carneiros e borregos, por 500 mil réis a José Freire de Andrade, homem da nobreza, capitão das ordenanças de Faro. Em paga recebeu apenas 50 mil réis em dinheiro e o resto seria pago em sumagre posto em Lisboa, a 530 réis a arroba, “sendo bom”. A primeira remessa ascendeu a 428 arrobas, que valeriam 226 mil réis. O sumagre veio do Algarve para Lisboa, onde chegou muito podre, acabando por ser vendido ao “preço da chuva” e de acordo com Freire de Andrade que lhe escreveu a dizer que o vendesse pelo que pudesse. Para além disso, Cardoso da Paz, tinha pago 30 e tantos mil réis do transporte do sumagre, em barco, de Faro para Lisboa. Receando ficar de mãos a abanar, pediu a hipoteca do gado, que não podia sair do Alvito e Vila Ruiva, onde o tinha, enquanto o dinheiro não chegasse. Porém, o gado foi vendido a um João Raposo, de Beja, onde António Cardoso da Paz interpôs uma ação judicial embargando a venda.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

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