terça-feira, 1 de junho de 2021

BRAGANÇA : A NAÇÃO JUDAICA EM MOVIMENTO - 8 - RAFAEL DE SÁ MERCADOR EM FARO E LISBOA

 Entre 1662 e 1683, nenhum mercador português estabelecido no Algarve terá importado tantas mercadorias de países estrangeiros como Rafael de Sá, conforme consta do livro da “visita às naus estrangeiras”. Em apenas 5 anos (1678 – 1683) foram descarregados por sua conta 17 barcos, no porto de Faro. 
O primeiro foi uma sumaca inglesa, por nome Suzana, remetida de Londres, que chegou a Faro em 23.2.1678. E este foi o único navio que veio de Inglaterra, “em direitura a Faro”, por conta do mercador Brigantino. Passaram quase dois anos, até receber segunda encomenda. Má experiência comercial? Não temos elementos que nos permitam dar uma resposta. Pensamos, porém que isso resultou de algumas mudanças na organização empresarial de Rafael. A partir de então todos os fornecimentos lhe vieram da Holanda, mais concretamente, de Amesterdão. Chamava-se S. Martinho, o navio holandês, vindo daquele porto, chegado a Faro em 14 de Novembro de 1679, destinado a Rafael. O capitão era Jacob Reinaldo e ele e toda a tripulação eram holandeses. Passado um mês, chegou o navio Sara e Isabela, igualmente vindo da Holanda, mas o capitão e a tripulantes eram todos ingleses. A partir de então, constata-se que capitães e tripulações eram todos holandeses. 
Olhemos também para os nomes dos navios que abasteciam Rafael: vimos o S. Martinho, nome de santo tipicamente português, e bem portugueses parecem os nomes dos outros navios que Rafael de Sá foi recebendo: Suzana, Sara e Isabela, Dragão Verde, Vaca Malhada, Ovelha Branca, Cordeiro Branco, O Sul Dourado, Cisne Branco… tudo nomes de sabor lusíada! Seriam sefarditas os armadores de tais barcos? E quem seriam os correspondentes de Rafael de Sá em Amesterdão? Possivelmente a resposta a estas perguntas haverá de encontrar-se em arquivos holandeses, nomeadamente os registos dos contratos e despachos dos barcos. 
Porém, uma vez que não podemos ir à Holanda à procura de respostas, voltemos a Bragança. Talvez aí se encontre uma resposta plausível. É que, desde há duas gerações, a família da sogra de Rafael (Joana Nunes) se encontrava na Flandres. E estes – os Lafaia - passariam a ser os seus correspondentes de Amesterdão. Continuemos em Bragança, situando-nos em um dos primeiros dias do mês de Junho de 1660, quando a inquisição prendeu Rafael de Sá e os seus pais, António da Paz e Engrácia Nunes. Todos eles saíram penitenciados no auto da fé de 9.7.1662. A pena mais severa foi aplicada à matriarca, Engrácia Nunes, desterrada para o Brasil. Como muitas vezes acontecia e certamente por dificuldades no transporte, foi-lhe comutado o desterro para Castro Marim, no Algarve. Possivelmente, foi o desterro de Engrácia Nunes que motivou a deslocação de Rafael para o Algarve, acompanhando o pai e a mãe. 
Entretanto, Rafael de Sá, casou com Luísa da Mesquita, que na mesma altura estivera também prisioneira na inquisição de Coimbra e fora sentenciada no mesmo auto, filha de António Mesquita, de Vinhais e Joana Nunes (Lafaia), de Bragança. O casal assentou morada em Loulé, vila onde nasceu o filho António de Mesquita, em 1669. Curioso: O seu padrinho de batismo foi Henrique Janson, mercador inglês estabelecido no Algarve, de quem se falou em texto anterior, o mercador que mais barcos estrangeiros recebeu no Porto de Faro, entre 1662 e 1673: 45! Que ligações haveria entre Rafael e Janson? Será que este forneceu mercadorias a crédito, nomeadamente fazendas inglesas, quando Gabriel chegou ao Algarve e se estabeleceu como mercador? Será que Rafael entrou para caixeiro de Janson? Na verdade, a mudança de Rafael, de Loulé para Faro, aconteceu logo de seguida e a entrada de Rafael no ciclo das importações de produtos de Inglaterra e Holanda aconteceu depois da “reforma” de Janson. E isto vem corroborar a mudança de estratégia empresarial de Rafael, acima referida. 
Certamente que o Algarve se revelou uma terra de oportunidades, pois logo para ali rumaram outros membros da família de Rafael nomeadamente o seu irmão Luís da Paz de Sá que, em 1678 foi padrinho do seu segundo filho varão: Francisco de Sá Mesquita, nascido e batizado na cidade de Faro, para onde, entretanto, todos se mudaram. Isabel Nunes, irmã de Rafael, essa não rumou ao Algarve. Ficou morando em Vinhais, onde estava casada com Francisco Cardoso, mercador. Os dois conheceram as cadeias da inquisição de Coimbra e em Vinhais faleceram. Seus dois filhos, porém, seguiram o caminho do Algarve. De um deles, António Cardoso da Paz, haveremos de falar em próximo texto. Por agora diremos que, em 1686, batizou um filho, com o nome de Rafael de Sá da Paz, cujos padrinhos foram os tios Rafael e Luísa Mesquita. Da outra, Grácia Nunes, diremos que casou com Pedro Borges, de Bragança e o casal foi também para a cidade de Faro onde, em 29.7.1678, batizaram um filho com o nome de Rafael da Paz, cujo padrinho foi igualmente o tio Rafael. E se em Bragança Rafael tinha a profissão de curtidor de peles e em Loulé se fez mercador, em Faro apresentava-se como um respeitável homem de negócio e contratador, com relações sociais muito diversificadas. A título de exemplo, refira-se que, por essa altura, aconteceu a cerimónia do crisma de António, seu filho. E então, o padrinho já não foi o mercador inglês mas… o inquisidor do tribunal de Évora, Dom Manuel Guerreiro Camacho Aboim! Porém, a ascensão social da família tornou-se mais visível quando os seus dois filhos rumaram a Coimbra, a estudar na universidade, ambos se formando em medicina. Com dois filhos doutores e certamente uma acrescida capacidade de entrar em arrematações e contratos comerciais, Rafael de Sá deixou Faro e foi estabelecer morada em Lisboa, onde, certamente, janelas mais amplas se abriam para negociar e casar os filhos. 
O primeiro casamento terá sido o da filha, Grácia de Mesquita, com João Esteves Henriques, um dos filhos de João Álvares de Castro, contratador e de Branca Lopes Henriques, uma das mais poderosas famílias de Beja, latifundiária, diríamos, em linguagem dos nossos dias. Do lado de João Álvares de Castro, diremos que se trata de uma família de lavradores alentejanos, médicos e advogados que, aliavam a exploração da terra com o exercício da medicina e da advocacia e o comércio. Duarte Lopes Rosa, médico, é um bom exemplo. Explorava 3 herdades (montes), as quais lavrava com 17 juntas de bois e tinha olivais e um lagar de azeite que valia 300 mil réis, para além de outras terras do Marquês das Minas. E mantinha duas “lojas” comerciais, uma de “vestiaria” e outra de solas e madeiras que importava do Brasil, lojas que valiam mais de 2 contos de réis, não descurando também o serviço de “bancaria” que consistia em mandar vir bulas de Roma, o que implicava grandes transferências de dinheiros. E agora importa referir que na Cúria de Roma trabalhavam membros da família, nomeadamente o médico Duarte Lopes Rosa, tio do citado, seu homónimo e o também méEntre 1662 e 1683, nenhum mercador português estabelecido no Algarve terá importado tantas mercadorias de países estrangeiros como Rafael de Sá, conforme consta do livro da “visita às naus estrangeiras”. 
Em apenas 5 anos (1678 – 1683) foram descarregados por sua conta 17 barcos, no porto de Faro. O primeiro foi uma sumaca inglesa, por nome Suzana, remetida de Londres, que chegou a Faro em 23.2.1678. E este foi o único navio que veio de Inglaterra, “em direitura a Faro”, por conta do mercador Brigantino. Passaram quase dois anos, até receber segunda encomenda. Má experiência comercial? Não temos elementos que nos permitam dar uma resposta. Pensamos, porém que isso resultou de algumas mudanças na organização empresarial de Rafael. A partir de então todos os fornecimentos lhe vieram da Holanda, mais concretamente, de Amesterdão. Chamava-se S. Martinho, o navio holandês, vindo daquele porto, chegado a Faro em 14 de Novembro de 1679, destinado a Rafael. O capitão era Jacob Reinaldo e ele e toda a tripulação eram holandeses. Passado um mês, chegou o navio Sara e Isabela, igualmente vindo da Holanda, mas o capitão e a tripulantes eram todos ingleses. A partir de então, constata-se que capitães e tripulações eram todos holandeses. 
Olhemos também para os nomes dos navios que abasteciam Rafael: vimos o S. Martinho, nome de santo tipicamente português, e bem portugueses parecem os nomes dos outros navios que Rafael de Sá foi recebendo: Suzana, Sara e Isabela, Dragão Verde, Vaca Malhada, Ovelha Branca, Cordeiro Branco, O Sul Dourado, Cisne Branco… tudo nomes de sabor lusíada! Seriam sefarditas os armadores de tais barcos? E quem seriam os correspondentes de Rafael de Sá em Amesterdão? Possivelmente a resposta a estas perguntas haverá de encontrar-se em arquivos holandico João Álvares Batista, filho daquele. Branca Henriques, por seu turno, pertencia a uma importante família da Covilhã, detentora de uma fábrica de tecidos. Isabel Henriques, sua irmã, casada com o Dr. Simão Lopes Samuda, foi queimada pela inquisição em 1703. 
Outra irmã, chamada Catarina Henriques, foi casada com Bernardo de Lara e, ficando viúva, casou de novo, em Viseu, com Gaspar Rodrigues Brandão. João Álvares de Castro, um dos netos do citado João Álvares de Castro e Branca Henriques, lavrador em Beja, era o proprietário da casa onde se realizou a célebre academia (ou celebração judaica?) que levou à prisão de muitas dezenas de pessoas, na conhecida “Cumplicidade de Beja”. Com uma filha do Dr. Simão Lopes Samuda e Isabel Henriques, chamada Guiomar Maria Henriques, casou o Dr. António de Mesquita, filho de Rafael de Sá. E com uma filha destes, nascida por 1695, batizada com o nome de Isabel Henriques, viria a casar o Dr. Henrique (Jacob) de Castro Sarmento. 
O casal fugiu para Londres onde o Dr. Jacob se tornou famoso pelas suas experiências na descoberta da vacina contra a varíola e pelo famoso remédio que ele vendia com o nome de “Água da Inglaterra”. Finalmente, o Dr. Francisco de Sá Mesquita, queimado pela inquisição no seguimento da “Cumplicidade de Beja”, foi casado em Lisboa com Isabel de Sequeira.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

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