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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 5 de junho de 2021

Viagem às raízes - 2ª parte

Espantalho em São Pedro Velho, Mirandela, Portugal
 Os dias iam correndo na exata precisão da vida do campo, sendo que minha mãe era campeã em dar-lhes outro colorido.

Andando entretida nos seus afazeres, escutou minha avó nesta conversa:

- Ó Maria, Maria?!

- Sim, minha mãe?

- Anda cá, filha.

Minha tia apresentou-se num estalar de dedos à sua beira, na cozinha.

- O que me quer, a senhora?

- Pega nessa cesta e vai lá baixo à horta. Colhe um braçado de couves-galegas - uma folha em cada pé, não te esqueças, rapariga; e de caminho, colhe tantinho feijão-verde - mas faz cuidado, não tragas do grado -, só do mais tenrinho. Vai lá. Anda que se faz tarde. Ainda tenho o jantar por fazer.

“Ai América, América! Do que te foste lembrar!”

Nisto, minha mãe desapareceu de casa como que por magia. Esfumou-se a garota.

A horta ficava perto; e o recado era fácil de cumprir.

Entretida a colher as couves, minha tia, dá por algo de estranho a acontecer com o espantalho, que estava armado na horta. Como já anoitecia, não reparou bem o que era. Nisto, o espantalho começou a mexer os braços - mais vigorosamente -, e a entoar uns dizeres com uma voz de estarrecer qualquer um:

Sou uma alma do outro mundo.

Vim aqui para te buscar.

Anda cá Maria,

Que te quero apanhar.

Ai, a pobre da minha tia! Espavorida, atirou com a cesta ao chão e fugiu para casa. Os calcanhares?... Até lhe batiam no cú!

- Ó minha mãe, minha mãezinha, acuda aqui, acuda aqui, que eu não posso mais! – chorava como uma Madalena e as faces lívidas como a cal.

- Ó garota, o que te aconteceu, criatura de Deus?

- Mãezinha: está uma alma penada na horta, que me quer levar pro outro mundo. - nem esperou que a mãe desse troco à conversa, tratou de relatar o acontecimento entre lágrimas e fungadelas do nariz.

- Não te fies nisso, minha filha! São histórias do povo. Deixa pra lá. Põem-se a contar destas coisas aos garotos - dianho das pessoas -, e depois dá nisto! Garotos assustadiços, coitadinhos. – aconchegando-a no regaço, cobria-a de beijos e carinhos para lhe sossegar o coração, que batia desalmadamente.

Pouco depois, apareceu minha mãe com a cesta no braço, repleta de couves e feijões, e um sorriso de malandra envaidecida.

- Olha a alma do outro mundo, Maria! Aí a tens à tua frente. Malvada da garota! Pro que lhe havia de dar. Raios parta a canalha que não é capaz de me dar sossego.

A minha tia Maria?! Ui! Que danada ficou. Não sabia ao certo o que mais a arreliava: se fora o susto ou ter sido engana pela irmã mais nova.

Combinaram, entre as três, não aborrecer o meu avô com a história, não fosse dar-se o caso de despertarem o mau génio ao “Lorde inglês”.

Em investigações que fiz, encontrei um título nobiliástico na família de minha mãe. Deu-se o caso de que tal nunca mereceu interesse, para ela, e eu deixei a coisa ficar por aí.

Sendo nobre ou não, ou trejeitos que mantinha da fina flor brasileira, meu avô tinha uma postura pomposa e distinta. Falava corretamente a língua mãe, e tratava as pessoas por você. Homem instruído e viajado tinha garbo em ser benfeitor. Estes predicados eram o suficiente para armar procissão à porta de casa, quando chegava o correio. Mães, aflitas para que lhes lesse as cartas dos filhos, que andavam mundo fora; esposas à espera de novas dos maridos; rapazes a pedir notícias das namoradas; e assuntos mais correntes. A todos atendia com estima e consideração.

“Que bom homem, o Senhor Cândido.” – dizia o povo.

O pior era em casa. Ninguém podia pôr o pé em ramo verde que era brutamente castigado. E se minha avó fosse socorrer um filho, também sobrava para ela. Que génio estuporado tinha o homem!

Minha avó Alcina - filha mais velha de quatro irmãos, nascidos em terras de Vinhais, mais concretamente em Gestosa de Lomba -, era uma doçura em pessoa.

Seguia-se a tia-avó Helena. Dei com ela, quando fui para a Faculdade em Lisboa. Vivia na Lapa, num terceiro andar de escadas bem difíceis. Era viúva e tinha apenas um filho, o Joaquim. Não o cheguei a conhecer.

Mais tarde, também em Lisboa, acabei por conhecer o tio-avô, seguinte, Manuel, igualmente um doce coração. Solteiro se manteve toda a vida.

A mais nova era a tia-avó Inês, que conheci, por volta dos meus 15 anos, numa ida com minha mãe e seus irmãos, Carolina e Chico, a Gestosa de Lomba. Casara com um senhor do qual não tinha filhos, embora ele tivesse um ou dois, não estou certa, de um casamento anterior. Recebeu-nos em grande felicidade quando nos viu à entrada do portão da propriedade.

Fiquei presa nas nuvens em Gestosa de Lomba. Ali, era a raiz dos meus antepassados; das idas de minha mãe para casa dos avós; das imensas histórias que há por contar. Quanto gostaria que me contassem essas venturas passadas, e outras histórias, tudo num fervor para me reencontrar, saber de onde vim, quem era toda esta gente.

Voltando atrás, a 1 de Setembro de 1939, o mundo entrava na Segunda Guerra Mundial, e Portugal tinha sido arrastado para a fome e para a miséria. Nesta data, minha mãe contava doze anos de idade.

Muito estava para acontecer...

Texto e imagem:
Ⓒ Teresa do Amparo Ferreira, 04-06-2021

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