Fazia gosto vê-lo atirar-se ao tanque a agarrar o pau, que João lhe lançava o mais longe que podia; pegava nele, metia-o na boca e trazia-o à margem, com grande alegria do pequerrucho e da sua irmã Joaninha.
Esta brincadeira recomeçava vinte vezes sem cansar nunca a paciência do Piloto. Depois eram corridas, festas, gargalhadas, saltos, até que o assobio do criado da quinta chamava o fiel animal às suas obrigações: partia então como um raio, para escoltar as vacas, que levavam aos pastos, e impedi-las de entrar no lameiro do vizinho.
Quando o hortelão ia vender os legumes ao mercado, era o Piloto o guarda da carroça; e muito atrevido seria quem saltasse à noite a parede da quinta.
Uma vez deu prova de uma extraordinária sagacidade; um jornaleiro, que se empregava muitas vezes em levar sacos de trigo da quinta para casa, tentou de noite roubar um saco.
Piloto, que o conhecia, não fez a menor demonstração de hostilidade enquanto o homem seguiu o caminho da quinta, mas, desde que se afastou tomando por outra estrada, o guarda vigilante agarrou-o pela blusa sem o largar.
Era como se dissesse: “Onde vais tu com o trigo de meu dono?”
O ladrão quis pôr então outra vez o saco de onde o tinha tirado; Piloto não consentiu, e teve-o em guarda, sem o morder nem o ferir, até de manhã; o quinteiro foi dar com ele nesta difícil posição, repreendeu-o vivamente, e despediu-o sem divulgar o caso para o não desonrar.
Mas o homem ficou com ódio ao cão, e muito tempo depois, aproveitando a ausência do quinteiro e de seus filhos, chamou o Piloto, que correu para ele sem desconfiança; atou-lhe uma corda ao pescoço e arrastou-o até à margem do ribeiro.
Atou uma grande pedra à outra extremidade da corda e levantando o animal atirou-o à água; mas arrastado ele próprio com o peso e com o esforço, caiu também.
Como não sabia nadar, teria sido despedaçado pela roda do moinho, se o corajoso Piloto, obedecendo ao seu instinto de salvador e desembaraçando-se da pedra mal atada, não tivesse mergulhado duas vezes e trazido para terra o seu mortal inimigo.
Este, que estava quase desmaiado, compreendeu quando voltou a si, que o cão que ele tinha querido afogar, lhe salvara a vida.
Teve vergonha de seu ato miserável; e desde esse dia, violentou-se a si mesmo e combateu as suas más inclinações.
O exemplo do cão corrigiu o homem.
Guerra Junqueiro: "Contos para a Infância", Publicado originalmente em 1877.
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