quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Avenida João da Cruz e zonas adjacentes

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Das minhas incursões à cidade no meu período de infância e juventude, relembro com um sentimento que é de saudade mesclada com júbilo. É uma mistura de um estado de alma melancólico com momentos de autêntico júbilo, justificado, pois as obras de melhoramento resultaram tão perfeitas que não dão margem para desilusão, como se eu o previsse dado ter prevalecido o bom senso em vez do camartelo.
A melancolia provém das minhas andanças por esse local desde que para tal me foi dada liberdade para poder indagar das coisas que a natureza e os homens haviam já realizado antes e eram pontos de referência incontornáveis para eu me sentir parte do já realizado.
A praceta que no seu centro exibe a estátua do carteiro não estava, nem sequer pensada mas o edifício dos CTT estava já a funcionar com o pessoal mais eficiente que eu admirava pois sendo pessoal feminino o "Staff" do balcão era verdadeiramente competente.
O pessoal masculino era também muito zeloso e simpático e tinham a característica peculiar de usarem sempre uma farda cinzenta, camisa e gravata, sapato preto e a encimar o personagem um boné tipo militar com o emblema dos CTT que ainda sobrevive e que continua a ser o símbolo da Posta com o seu cavalo em galope e o cavaleiro soprando no bucal da corneta fazendo-se anunciar ao público como arauto das boas novas, é ainda hoje algo que me agrada.
Estava também concluído o Palácio da Justiça obra maior no conjunto dos imóveis Públicos que o Estado Novo mandou construir e que terminou com a construção do edifício das Corporações e Previdência e as casas dos Magistrados. Com a construção finalizada e o Palácio inaugurado, começa a montagem do Estaleiro para que o trabalho especializado que foi necessário para esculpir a Taça que seria o elemento mais emblemático da Praça Prof. Dr. Cavaleiro de Ferreira. O estaleiro já uma vez o comparei ao descrito por Saramago no seu livro, O Memorial do Convento.
De pé hoje está, embora um tanto voltada ao relaxo a Moagem Mariano que laborou ainda algum tempo após eu ir para a Escola e que tinha também uma boa equipa de trabalhadores e funcionários de escritório. De entre eles recordo o Snr. Ferreira que morava em frente ao Museu, o Snr. Orlando Lopes, o Snr. Cardoso e o Fernando Gonçalves que é da minha idade.
Havia seguidamente a casa do Juiz Corregedor e a Passagem de nível que era elemento maior para a garotada que passava o tempo a ver as manobras dos comboios que após a chegada caiam na alçada do pessoal ferroviário em que o Tio Correia tomava conta das operações e acendia e apagava as luminárias que tinham luzes verdes e vermelhas. A Estação dos Caminhos de Ferro era um sítio onde a vida fervilhava e os brigantinos se encontravam nas mais diversas tarefas que iam do acto de viajar até enviar ou receber Parcelas a que chamavam Tarifas e onde trabalhava gente que ajudou a fazer a história dos Caminhos de Ferro e de Bragança.
A Avenida foi construída para dignificar a cidade e em boa hora se realizou tal tarefa que começou com a Estação e foi provida de elementos de decoração urbana que muito embelezaram a cidade. Havia começado esta tarefa de construir uma Avenida nova há alguns anos e só terminou com a construção do edifício da Caixa Geral de Depósitos, onde era a casa do Chico dos Machos.
O lado direito no sentido Sé - Estação foi reservado à habitação e ao Comércio havendo em tempos alguma Indústria. Pertenceu à firma José Maria Gomes & Filhos uma fábrica de chocolates e laranjadas. A razão do seu encerramento desconheço-a mas apenas como nota à margem, produzia bom chocolate e a laranjada Brigantina. 
No largo da Estação, encostado ao muro, havia um kiosk que pertencia ao Snr. Fernando 14 e que lidava com o despacho de mercadorias. Era gente boa e moravam no Bairro S. João de Deus. Era o pai do meu amigo Marcelo que creio vive há uns anos em Mirandela. Era muito famoso este Senhor, pois para além de tudo era um cavalheiro, sempre de óculos e elegante. Faz parte da Galeria do Meu Tipo Inesquecível, 
A implantação do prédio do Snr. Estevinho veio alongar um pouco a Avenida já que conjuntamente com a Taverna do Humberto preencheram um espaço que confronta com o muro e retira a vista da fachada da estação. 
Começava a Avenida com a Taverna do António Júlio e seguidamente havia um espaço de edifícios de boa fábrica que hoje pertencem aos herdeiros do Snr. Humberto que não consigo agregar a conhecido meu, estando depois a fachada longa e bela da firma José Maria Gomes & Filhos. 
Estamos no começo da Avenida João da Cruz e voltados para o Castelo depara-se-nos uma via larga, bem implantado no terreno e que possui edifícios de bom desenho e fábrica e uma parte central bem lançada larga e calcetada até à guia do passeio com paralelepípedos e da guia aos canteiros centrais com calçada portuguesa que hoje se encontra reparada ou feita de novo e que devolve o "charme " que a pedra branca e preta dão ao pavimento. A Avenida está hoje em fase de finalização das melhorias introduzidas e é visível o melhoramento feito restando para concluir apenas o Jardim Central que incorpora alguns postes de iluminação elevados e de bom desenho, achando eu que o Jardim merece a mão de jardineiro competente e de Arquiteto com ideias. O arvoredo é frondoso e creio necessita apenas de cuidados regulares. As ameixeiras do meu tempo de rapaz desapareceram e foram substituídas por árvores menos atrativas ao tiroteio a que o garotio as submetia. Os pássaros continuam lá e eu que gosto imenso deles apenas reconheço os pintassilgos e os pardais.
Do quarteirão onde se incluem os Cafés Avenida e Lisboa fundados ambos pela Dona Maximina e o Senhor Coelho falarei na próxima Crónica que escreva para vós.

Bom dia a todos



Bragança 19/08/2021
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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