quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Panorama do Santuário da Senhora do Castelo da Adeganha (Torre de Moncorvo)

Depois de termos descrito a espectacular igreja românica da Adeganha, dirigimo-nos ao Santuário da Senhora do Castelo. Percorremos a orla do Planalto da Adeganha em estradão que desengonça a nossa pobre viatura! Dos três “castelos” indicados pelo povo-Castelo dos Mouros, da Junqueira e este, vou ao mais cómodo; mesmo assim, repito, pobre viatura!

O ambiente granítico é agreste com carvalhas, zimbros e carrascos, por  vezes saltita à nossa frente uma perdiz. Local ideal para cobras, salteadores, anacoretas, pensadores e estetas.

A poente, descomunais, thors graníticos, a fragada, segundo as gentes locais, que por vezes permitem divisar, em abrupta quebrada o fértil Vale da Vilariça (**).

O santuário, de poderosa fama milagreira é constituído por uma capela principal, a da Senhora do Castelo e uma menor, a de São João, implantada no outeiro como um ninho de águias; o povo chama-lhe carinhosamente São Joãozinho. Era o padroeiro das maleitas. E não levava caro, bastava o seu chapéuzinho atestado de trigo…

Segundo se diz, a capela foi construída no século XVI e consta ainda que foi templo mourisco antes de ser cristão.

A capela da Nossa Senhora, a maior, fica mais em baixo num vasto terreiro.

É um espaço pejado de histórias (como a das açucenas que mais tarde contarei (se o leitor estiver disposto a ler artigos tão longos) e de vestígios arqueológicos. O local teve ocupação do Calcolítico até à Alta Idade Média, sendo os achados mais significativos da Idade do Ferro; aqui e além ainda se observam vestígios de troços de muralhas.

Em meados do século XVIII, dizia o Padre Luís Cardoso que “no sitio em  que se acha hoje a Senhora do Castelo, houve antigamente uma grande  cidade, da qual ainda se descobrem parte de muros” e ali perto” à  muita pedra que parece ruínas de antiga fortaleza e dizem ser um  castelo de mouros”.

Por aqui andou o Abade de Baçal achando restos arqueológicos, e segundo este “é  muito frequente ao longo da encosta do cabeço de S. João e após as  chuvas de Inverno encontrarem-se fragmentos de barro decorados, pedras  aparelhadas.”

A lenda da Senhora das Açucenas

Uma anciã passa com uma azémola, ligeiro crio diálogo, a princípio suspeitosa, depois  simpática pois não há quem resista à simpatia deste vosso viajante!

Conta-me a lenda (o milagre) associada à (re) construção do santuário.

“Há já muitos, muitos anos, vinha para aqui guardar o rebanho uma  pastorinha das redondezas. Logo que chegava, entrava na capela e  rezava à Senhora do Castelo. Dava dó, a capela! Já chovia no altar. E as raposas acoitavam-se ali de noite. Um dia Nossa Senhora sorriu-lhe.  Ficou a pastorinha muito assustada! Mas logo a Mãe de Deus a sossegou:  “não tenhas medo, minha filha. Gosto muito das tuas visitas. E quero  pedir-te um favor. Diz ás pessoas do Vale e da Fragada que venham  rezar aqui e que me componham a capela”. Perguntou a pastorinha como  acreditariam nela. Mas logo a Senhora a sossegou prometendo um sinal.

Foi-se logo ela dali. E aonde não foi, mandou. No domingo seguinte  muita gente veio cantar e rezar à Senhora do Castelo. Até o Sr. Padre, com a estola e água benta, não fosse o Demónio tecê-las. Lamentavam  todo o estado de abandono em que se encontrava a capela. E logo  fizeram o peditório para a compor quanto antes. De repente gritou a  pastorinha: “Olhem para o monte de São João”. Todos olharam. Até as  ovelhas! Foi tão grande o clamor, que ainda hoje, em certas alturas,  ela ecoa pela Fragada fora. O monte de São João estava todo cobertinho de açucenas! E desde então, até ao dia de hoje, sempre aqui  floresceram em Maio…”1

Poética lenda, com a senhora a porfiar que ali é que deveria ser a verdadeira peregrinação à “Nossa Senhora” e não à Cova da Iria; mas a  romagem, sem as multidões de Fátima, ainda hoje existe, em peregrinação às açucenas e à Senhora. A festa realiza-se no terceiro domingo de Maio.

Quase que esquecia de informar o leitor que a razão da nossa ida ao lugar começou por ser o panorama imponente do local, sobre o tectónico Vale da Vilariça (**), com as quintas da Terrincha, da Silveira a seus pés. Mas a imagem forte que retenho é outra.

Mau grado o meu lado agnóstico, comoveu-me profundamente a  espiritualidade (mais do que a religiosidade) da camponesa com o seu burrico, afastando-se, a descer o íngreme monte; peça bucólica na imensidão tempo e do espaço perdido, recolhe-mos à nossa pequenez  e mergulha nas profundidades do “meu” sagrado. É quase noite e apenas  um borrão de luto se desloca ao longe. Um novo aceno, estamos vivos, eu, a senhora Maria e o burrico. Partamos desprendidos!

Fonte de Informação – “Mensageiro de Bragança” de 25-05-2006, de um  texto retirado do Sr. Padre Joaquim Leite. Maria.

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