terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

SECA DEIXA AGRICULTURA E PECUÁRIA EM SITUAÇÃO CRÍTICA

Seca preocupa o país e os agricultores da região já começam a ficar ansiosos por que chova


Apesar de o povo dizer que a chuva em Janeiro não é boa para o pão mas é bastante agradável para o gado, a verdade é que o mês que acaba de terminar é mais de geeiro do que de água. Portanto, não seria assim tão expectável que ele fosse de chuva farta e, assim, não é exclusivamente Janeiro o culpado pela seca que estamos a atravessar. Ainda assim a situação está a agravar-se.

Seca deve piorar neste mês de Fevereiro

Está mais do que na ordem do dia a seca que já assola todo o país. Segundo aponta o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), este é um dos meses três meses de Janeiro mais secos dos últimos 20 anos e, pelas previsões, a seca meteorológica deverá ainda piorar em Portugal continental. “A seca meteorológica que se iniciou em todo o território em Novembro de 2021, mantém-se e agravou-se à data de 25 de Janeiro de 2022 no território continental”, lê-se no site do IPMA. 

Conforme o boletim divulgado pelo instituto, há perto de duas semanas, “verificou-se, em relação a Dezembro, um aumento significativo da área e da intensidade da situação de seca”, estando todo o território em seca, com 1% em seca fraca, 54% em seca moderada, 34% em seca severa e 11% em seca extrema. O IPMA confirma ainda que desde o início deste ano hidrológico, Outubro de 2021, se regista no território valores de precipitação inferiores ao normal, sendo de salientar que os meses de Novembro e Janeiro como muito secos. “Os valores totais de precipitação entre 1 e 25 de Janeiro de 2022, são muito inferiores ao normal, com percentagens inferiores a 25% do valor médio”, adianta ainda o instituto. Considerando o ano hidrológico, desde 1 de Outubro até 25 de Janeiro, o valor acumulado de precipitação apresenta um défice de -255 mm (45% em relação ao valor normal). Numa antevisão da si- tuação meteorológica, o IPMA não prevê a ocorrência de precipitação significativa até, pelo menos, esta quinta-feira. Ao que aponta ainda a entidade, mesmo assim, a seca está ligeiramente inferior ao que se registou no fim de Janeiro de 2005, aquele que foi o ano de pior seca das últimas duas décadas. O cenário e evolução, para o IPMA, é fácil de prever: “será muito provável o agravamento da situação de seca meteorológica no final de Fevereiro, em todo o território do continente”.

Carências de água começam a sentir-se na região

Neste momento, segundo avançou ao Jornal Nordeste o presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Trás-os-Montes já está a sentir o fenómeno. “Já há carên- cias de água na região, as barragens estão vazias, mesmo nas regiões onde habitualmente não há estes problemas, nomeadamente as barragens do Minho e de Trás-os-Montes. 

O gado já tem muito pouco para comer, as ervas estão agarradas ao chão, como costumamos dizer, já estão os agricultores a ter que distribuir os alimentos à mão para os animais comerem e as florestas e os soutos também estão a começar a sofrer as consequências”, explicou Eduardo Oliveira e Sousa, que acrescentou algumas antevisões preocupantes, nomeadamente o facto de “as próprias fruteiras, que deveriam estar com água no sub solo, não vão ter água quando começarem a brotar”. Se não vierem chuvas com alguma expressão, o presidente da CAP lança um cenário pior, que não se fica só pela questão das árvores de fruto. “Vamos ter muita actividade agrícola condicionada, muitos animais a passar mal e muitos agricultores a entrar em largo prejuízo porque terão que comprar alimentos para lhes dar”, referiu ainda Eduardo Oliveira e Sousa, que diz que tudo isto potenciará aquilo que todos nós gostaríamos que não acontecesse, “mais fogos florestais ou mais graves”, já que se via entrar num período estival porque “as florestas não têm humidade no solo”. 

Questionado sobre a região, acrescentou que não sabe, ao pormenor, os níveis das barragens no distrito mas vincou que “já todos os agricultores aqui estão com problemas na questão da alimentação animal, falando dos que andam em pastagens”. Francisco Pavão, vogal da CAP e presidente da Associação Dos Produtores Em Protecção Integrada se Trás-os-montes e Alto Douro (APPITAD), entidade que integra a confederação, não relata melhor cenário que Eduardo Oliveira e Sousa. Dizendo que “a situação é bastante grave”, prevê assim que “não vamos ter reservas de água suficientes para poder colmatar as necessidades que as culturas têm, neste caso, agora, os cereais e pastagens”. “O futuro, se não chover brevemente, será muito complicado para esta região, sobretudo nesta fase, para a actividade pecuária e, daqui a uns tempos, para as restantes culturas”, destacou ainda. 

O presidente da APPITAD lamenta também que, mesmo que os agricultores não tenham que comprar comida para dar aos animais, “os factores de produção, os fertilizantes e o gasóleo, estão a um preço bastante alto”, o que “dificulta muito a prática agrícola”. “Isto poderá, obviamente, fazer aumentar os preços dos produtos” e “os agricultores podem então deixar de comprar o que compravam de acordo com as suas necessidades”, esclareceu.

Forragens condenadas?

A barragem de Castanheira, situada na aldeia com o mesmo nome, no concelho de Bragança, “mete pena”, como dizem alguns moradores dali e da aldeia vizinha, Gostei. Está praticamente seca. Água, quase que, nem vê-la. Judite da Silva, do alto dos seus quase 88 anos, é de Castanheira e toda a vida ali viveu. “Isto não é costume, a barragem tem sempre água. Como este ano... nunca. É uma miséria”, começou por contar, lamentando que, “se não chove, não há nada a fazer”. Como “o tempo está todo trocado”, Judite Silva diz não ter memória de in- vernos assim tão quentes. Antigamente não era nada disto, não se apanhava o sol que agora apanha enquanto vai percorrendo a aldeia, agarrada a um pau, porque as pernas já não ajudam. 

Natural de Castanheira, mas a viver em Gostei, José Correia, de 68 anos, tem uma pequena exploração de cabras. Tem tido sempre cerca de 20 animais, desde que saiu do matadouro, após lá trabalhar 33 anos. Com alguma agricultura para trabalhar e responsável por gado, a seca, está claro, já lhe começa a causar algumas dores de cabeça. “As minhas cabras não vão para o campo, comem no estábulo, feno e aveia, mas, se assim vai, aveia este ano não tenho”, relatou. Para já, a falta de água para semear “não faz diferença nenhuma”, mas, depois, “as forragens, se as- sim se mantêm as coisas, não dão”, explicou ainda o agricultor, que, lá para Setembro, como manda a regra, semeia milho, sorgo, aveia e trigo. O problema é que, depois, para isto crescer, é um ver se te avias, como diz o povo. José Correia diz que não se lembra de muitos anos assim tão secos como este. Lembra-se deles é “bem mais molhados”, mas não sabe porque é que isto acontece. 

Também de Gostei, Alexandre Borges, com alguma agricultura, diz que “isto normal não é”, mas “já vieram outros anos assim”. Lameiros e cereais sofrerão, aliás, já sofrem as consequências de um inverno em que a barragem “está bastante em baixo”. E continuando ainda nos provérbios, até porque não há sabedoria como a popular, “quando não chove em Fevereiro, nem bom prado nem bom celeiro”. Portanto, para bem de to- dos, que venha então a chuva.

Jornalista: Carina Alves

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