O linho
Sendo a indústria de tecidos de linho a mais próspera e a mais notável de toda a zona sul da província do Minho, e ocupando-se no serviço de inúmeras fabricas desse género industrial algumas dezenas de milhares de pessoas, nem por isso a antiquíssima cultura dos «linhos da terra» minhota – ainda fácil de propensão para mais este pitoresco cuidado agrícola – deixa de ser um uso seguido e, diremos, da exclusiva preferência doméstica dos camponeses.
O linho é semeado em Março
A semente do linho aldeão do povo do Minho lança-se às terras húmidas e baixas pelos meados do mê de Março.
Julho entra, depois. É já uma brasa, nas terras o sol canicular do verão.
Se os linhos tivessem de demorar-se sobre os seus efeitos ardentes, certamente que não resistiriam. Mas não.
Pelo S. Torquato, em geral, já o povo madruga e se encaminha para os campos embebedados de flor azul, a «arrincar», como ele diz, nas suas novas linhagens.
Levado aos molhos para as eiras, vemos agora que se vai «limpar» o linho – o que quer dizer que vai ser batido, sob os mangais, tanto ou quanto seja necessário para lhe tirar por completo a flor e semente que já secou.
Segue-se depois o «enterramento» em tanques ou poças ou rios, onde o linho mergulha e descansa oito dias, sob tábuas compridas ou pesadíssimas.
Voltando do rio, já lavado e escorreito de semente, vai ver o sol, de novo.
Mãos carinhosas o espalham pelos campos, que estão devoluto, e pelos montes cheios de mato arnal.
Demora ali um mês?
O tempo dessa etapa fabrico rústico é indeterminado.
É malhado na eira
Mas, passado em geral o prazo de um mês, o linho está limpo;
e o lavrador, figura social entregue grandemente às tradições, resfrega-o logo, como os antigos usavam, uma «malhada» violenta, de turba batendo desapiedadamente, para que enfim o engenho receba meio delido o linho piteiro que vaio engenhar.
Ali onde o «engenheiro» (sic) e o dono do linho introduzem constantemente molhos ásperos de linhagem, uma junta de bois puxa lenta e serenamente horas, horas consecutivas, naquela nora de grande roda em cabos;
e uma velhota ao lado, dessas que têm na alma o segredo destes rigorosos e carinhosos usos caseiros, vai ditando sentenças, gritando cuidado, acamando despojos.
E essa mesma velha se encarrega, depois, de escolher ou separar.
Um dia, enfim, desse linho de que homens e mulheres, até então, trataram, principia a mulher, exclusivamente e tratar.
Ela o toma do engenho e o leva, com certa familiaridade rude, ao alpendre do eido.
Em certa manhã, alegre e em canções pela estrada, a ranchada se aproxima.
Sobem a escada de pedra do alpendre.
Sugestão de leitura: Os trabalhos que o linho dá | Ciclo do linho
Depois, é espadado, assedado e escolhido
E ali, sentadas e cuspindo na palma da mão, as moças de lábios e lenços alegres desatam a «espadar», a «assedar», e, definitivamente, a «escolher», pois que do linho lançado em sementes por esse
manhã de inverno
e tarde de verão»
três qualidades de linhagem se obtém:
1º – o «linho», que é aplicado em camisas e toalhas;
2º – a «estopa», que serve para os lençóis;
3º – Os «tormentos», de que se fazem os panos de doença e mesmo as camisas dos criados da lavoura – os quais, ao envergá-los pela primeira vez, sentem a impressão de ter à roda do corpo uma «coroa de espinhos».
Fiado, dobado e tecido no tear manual
Mas depois de «espadar» e «assedar», e antes que se promova a obra de costureira a que agora nos vínhamos referindo, é preciso ver que este, como qualquer outro linho, precisa de ser «fiado», «dobado» e submetido a barrelas de cinza virgem, de onde depois sai linho facilmente adaptável, como urdidura, ao «órgão» do nosso belo e quási primitivo tear manual.
Desse linho tecido se talham, apespontam, bordam e marcam todas as camisas dos lavradores, nesta formosa região silvestre que é o Minho.
Fonte: “Ilustração Portuguesa”, nº398, 6 de Outubro de 1913 (texto editado e adaptado) | Imagem: “Uma bela espadelada dentro dum alpendre do eido“
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