Boas tardes, meus caros. Como tendes passado? Espero que não vos falte ânimo nem saúde. Uma das recentes vezes que estive aqui convosco falei de nomes próprios e das suas cíclicas modas. Queria ter contado outra história sobre os nomes, mas depois desviou-se a conversa como as cerejas.
Também já vos falei de Alcañices, terra de boas relações e bons tratados com os portugueses e recordei-me de uma história que envolve esta terra alistana, nomes bascos, Cristiano Ronaldo, muitas pipas e um jogo de futebol na capital espanhola. Era uma noite nem tão fria de um domingo de Inverno daquelas destinadas a que nada se passe e eu estava em Avelanoso de férias quando alguém de entre um par de convivas sugeriu irmos a Alcañices para beber uma caña num sítio diferente.
Não me lembro do nome do bar, mas sei que estava a ler um jornal que se não estou em erro era o nosso vizinho “El Norte de Castilla” e que tinha um artigo de opinião de um senhor um bocado indignado com essa coisa dos nomes próprios. Que os emigrantes daquelas alistanas paragens a viver na Catalunha, mas sobretudo no País Basco, andavam a deixar cair as suas onomásticas origens em detrimento das do Nordeste espanhol: Iker, Julen, Markel ou Ane, Laia, June… Só me recordava do Iker por causa do jogador de futebol, mas fiz agora uma pesquisa para recolher os nomes bascos mais comuns nos últimos anos. Aliás, diz que o próprio Iker Casillas é disso exemplo, natural de Madrid, mas assim chamado porque os pais tinham vivido no País Basco durante uns tempos. E eram estes assuntos que deixavam o senhor do jornal um pouco alterado, aludindo à sensibilidade identitária de futuros progenitores na hora de chamar nomes aos filhos.
Os nomes como forma de integração no local onde se vive, gato e rato, noras e sogras, algumas das muitas inevitabilidades que nos precedem e assim continuarão a ser depois de nós. E continuava eu a ler a minha cerveja e a saborear o jornal num bar meio-escuro, uma barra comprida com gente sentada de olhos postos na televisão onde passava futebol, e o chão generosamente polvilhado de cascas de pipas. Eu já não sei como andam os tascos espanhóis, na verdade, nem sequer os portugueses. Acho que são já espaços em vias de extinção, agora que se quer tudo muito clean. Mas no meu imaginário um tasco espanhol tem daquelas máquinas cheias de botões quadrados com números, cerejas e melancias a roletar, uns pinchos de tortilha repassados já quase em ponto-salmonela no mostruário do balcão e poças de cascas de pipas semeadas pelo chão.
E estando eu na tranquilidade deste ambiente acolhedor a dedilhar as páginas do jornal, levantavam-se as vozes dos presentes na proporcional medida dos lances mais acesos que passavam na televisão. Atlético de Bilbau - Real Madrid. Só agora reparei nessa outra coincidência, nomes bascos no periódico, nomes bascos na televisão, até que após nova vozearia, alguém diz “o Cristiano Ronaldo foi expulso, vermelho direto”. Na altura não liguei muito, mas após uns segundos dei um salto. “O Cristiano Ronaldo foi expulso?!”. Não acredito. Precisamente na semana em que eu tinha comprado um bilhete para ver o próximo jogo do Real Madrid em casa.
Comprei um daqueles mais baratos lá para cima onde os jogadores parecem pouco maiores que formigas. O Ronaldo no seu auge desportivo, e eu ia a Roma sem ver o papa. Que pontaria! A única vez que fui ver um jogo ao estádio Santiago Bernabéu e uma das pouquíssimas vezes que Ronaldo foi expulso na sua carreira. Nessa semana ainda apresentou recurso, levantou algumas esperanças, afinal tinha sido apenas uma escaramuça, mas nada feito. Três jogos de suspensão, 2 de Fevereiro de 2014, diz o Google. E lá fui eu ver o jogo do Real Madrid no fim de semana seguinte, num daqueles jogos que não têm história absolutamente nenhuma. Mais uma noite fria em que nem os jogadores faziam grande questão de ali estar. Valeu por ver os três golos que o Villarreal nem se preocupou muito em responder.
Uma das coisas peculiares na forma de os espanhóis assistirem ao jogo, é que o estádio parece o último piso da restauração de um centro comercial. Nós portugueses às vezes bebemos umas cervejas antes dos jogos quando vamos com tempo, os ingleses bebem antes, durante e depois, mas os espanhóis levam todo o farnel para o estádio. O que nós comemos quando vemos o futebol em casa eles replicam também no estádio. Põem os sacos aos pés e de lá tiram batatas fritas, sandes, todo o tipo de snacks, e pipas, muitas pipas. Tantas que se ouve aquele roer das pipas como constante barulho de fundo e no final do jogo o chão das bancadas fica com a mesma decoração familiar dos tascos.
É interessante que os adeptos do Atlético de Madrid, provocativamente, chamam os madridistas de “piperos” precisamente por se dedicarem mais ao matraquear das sementes de girassol do que a apoiar a equipa. Isto foi-me contado aqui por uma colega bastante madrilena (e madridista) que de cada vez que vai a Espanha me traz invariavelmente uns pacotes de pipas. Por isso, eu como “pipero” me assumo, mais do que futebolisticamente, enquanto apreciador de pipas e de uma marca em particular, Facundo. Antigamente tinham o célebre slogan nas embalagens «El toro dijo al morir: Siento dejar este mundo sin probar pipas facundo», algo que foi mudado há uns anos para se adaptar aos tempos atuais «Pipas facundo, un placer de este mundo».
São gostos que se pegam por frequentar aldeias raianas desde sempre, ambulando de um lado e de outro.
Aliste, futebol e pipas, são três coisas pelas quais tenho apreço. E sobre as quais fui amontoando uma ou outra história para contar. Um saudoso abraço!
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