“Eu, na minha ingenuidade de criança, gostava de desenhar nas fragas da minha aldeia. Quando começou o movimento da defesa das gravuras do Côa, fui das pessoas que [se associaram] à causa e aos grandes defensores desta forma de arte”, disse Graça Morais à Lusa, dias antes da inauguração da exposição, que acontece hoje.
A pintora explicou, ainda, o quão importante é para o ser humano deixar a sua marca numa fraga e depois mais tarde no papel e por aí fora: “Nasci numa terra, aqui perto do Côa, onde parte da aldeia só tinha fragas. Nos intervalos da escola primária e nas minhas brincadeiras de criança gostava muito de desenhar nas fragas e tinha um enorme prazer em pegar no pedaço de telha ou numa pedrinha aguçada e fazer desenhos. Isto faz parte da natureza humana”, disse a artista, natural de Vieiro, no concelho de Vila Flor, distrito de Bragança.
Na exposição, que fica patente até 25 de setembro, a sintonia com a arte do Paleolítico “sobressai sobretudo no seu virtuoso desenho, visível na sobreposição de linhas e formas, na interrupção abrupta do traço ou na aglomeração dos elementos, onde a relação com as gravuras do Côa não só salta à vista, como é transversal ao conjunto de trabalhos, alguns deles inéditos, criteriosamente reunidos para esta exposição”, pode ler-se na descrição da mostra.
“Esta minha exposição é um encontro com as gravuras paleolíticas do Côa e com esta manifestação dos primeiros artistas. Por este motivo, tentei reunir obras que, em 1983, tiveram como ponto de partida certas imagens das grutas de Altamira em Espanha, ou a enigmática figura, conhecida pelo ‘homem-bisonte’, encontrada na caverna de Les Trois-Frères, em França, ou a Vénus de Willendorf”, explicou, em entrevista à Lusa, Graça Morais.
“Eu nunca visitei estas grutas, mas sempre me tocaram, de uma forma muito especial, estas pinturas e temos a sorte de as termos connosco. Eu aprendi a olhar através de livros para a arte do Paleolítico, para a arte rupestre”, enfatizou a pintora transmontana.
Entre outros trabalhos, a exposição conta com uma criação feita, em 1993, para a peça “Os Biombos”, de Jean Genet, levada à cena pelo Teatro Experimental de Cascais e que agora está exposta numa das paredes do Museu do Côa.
Outros exemplos pictóricos abrangem sobretudo os trabalhos que realizou nas décadas de 1980 e 1990 do século passado, particularmente das séries "Mapas e o Espírito da Oliveira ou os Vieiros", que apresentou, em 1983, na XVII Bienal Internacional de Arte de São Paulo, no Brasil, e, posteriormente, nos Museus de Arte Moderna de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Graça Morais preferiu não destacar nenhuma das peças que fazem parte desta exposição, contudo disse à Lusa que “as peças devem estar muito contentes, porque há muitos anos que não se viam e agora estão todas juntas”.
“Estas obras estavam dispersas. Algumas estavam no Brasil, outras na Fundação Gulbenkian, Ministério das Finanças e por aí fora. E estas pinturas, hoje, estão todas reunidas. Desde a década de 80 do século passado que não estavam juntas. E sinto uma especial alegria pela forma como estas peças dialogam entre si”, vincou a artista plástica.
A exposição tem curadoria de Jorge Costa, responsável pelo Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, em Bragança.
Por seu lado, a presidente da Fundação Côa Parque, Aida Carvalho, classificou a exposição como “impactante”, justificando que a mostra “reúne um conjunto de obras que se destacam pela cor, pelos próprios desenhos, são de facto vibrantes para este museu”.
“Estes tipos de exposições são catalisadoras, sendo fundamentais para a afirmação destes projetos, para afirmação do Museu do Côa e da fundação, apostar em artistas de primeira linha. Tem sido ao longo dos últimos anos, tradição privilegiar autores de arte portuguesa para as nossas salas de exposições de arte contemporânea”, frisou Aida Carvalho.
Sem comentários:
Enviar um comentário