segunda-feira, 26 de setembro de 2022

O Linguajar Transmontano (II)

Por: António Pires 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Porque se impõe, duas notas breves.

1 : Em virtude do pertinente comentário feito pelo nosso insigne amigo António Jornalo, segundo o qual, na sua terra, Mogadouro, também se usam muitas das expressões da minha “recolha”, não tendo eu mencionado tal facto, cumpre-me dar nota, por não o ter feito (lapso meu) na publicação do último texto, sobre o mesmo tema, do seguinte – servindo também para aqueles que viram as suas terras “discriminadas”: a “compilação” feita por mim  (com o precioso contributo do meu sobrinho Miguel Esteves) não resultou de qualquer trabalho de campo nem pesquisa documental, mas do contacto próximo e directo, com gentes que assim linguarejam, por motivos profissionais ou da “boleirice”, que armazenei,  ao longo dos anos, no disco rígido da minha memória. 

Assim, e dada a proximidade geográfica entre os vários concelhos do distrito, admito que a mesma expressão possa coincidir, por exemplo, em Macedo e Mirandela, em Mirandela e Valpaços, em Miranda e Mogadouro, em Macedo e Alfândega da Fé, em Moncorvo e Freixo de Espada à Cinta, etc… Mas, pela razão que me parece atendível, não consigo falar de coisas que não vejo ou desconheço.

 2: Na introdução do texto anterior realcei o facto da importância de atribuir a origem (geográfica) precisa das expressões que se destacam, porque, quando falamos de Trás – os -  Montes, temos que ter em conta que há registos da oralidade que são próprios de Vila Real, mas estranhos a Bragança, e vice - versa – como poderemos constatar.

Vamos então ao que nos traz aqui. 

Palavras e/ou expressões não coincidentes semanticamente nos distritos de Bragança e Vila Real:

1 – “Pito aos saltos”. Segundo o Dicionário das Expressões Transmontanas (refiro-me ao mais completo que está disponível na internet), esta expressão significa, no distrito de onde é natural Miguel Torga, “eufórica”. No nordeste transmontano, “andar com o pito aos saltos”, é quando uma mulher se insinua descaradamente perante os homens; expressão que, no gado vacum, corresponde ao “andar com o cio”. No “glossário” de piropos de andaime (com o qual não simpatizo) a mulher que anda “com o pito aos saltos” é aquela que “já o quer”.  

2 - “Tendeiro”. Entrada lexical que, segundo o referido Dicionário, significa “desarrumado”, no Planalto Mirandês quer dizer “falso”, “maldoso”. 

Ex.º “Não estejas assim tão confiante, porque o diabo é tendeiro!”. É um alertar para a possibilidade do diabo “fazer das suas”, de poder haver uma surpresa desagradável, porque “o diabo não é quem se pinta”.

3 – “Xudairo”, que na compilação referida significa “pessoa que não faz nada na vida”, no Planalto Mirandês, a mesma palavra tem a correspondência semântica de “pessoa sem valor”, “desprezível”, sendo que a pessoa adjectivada é mulher.

4 – “Correr o cão”, que no dito dicionário aparece com o significado de “passear”, em Vinhais, em Bragança e no Planalto Mirandês a expressão sugere alguém que “anda de um lado para o outro, a gastar o tempo, sem proveito. O correspondente ao “laurear a pevide”. 

5 – “Estadulho”, palavra que, no Dicionário em apreço, aparece como significado de “pénis”, em Vinhais, em Bragança e no Planalto Mirandês não tem conotação sexual. Nesta zona de Trás – os Montes, “estadulho” é um pau grande, usado de improviso, encaixado verticalmente nos taipais dos carros de vacas/ mulas ou tractor, para aumentar o volume/capacidade da carga; acomodando-se, assim, a maior quantidade de palha, feno, estrume ou lenha. Na linguagem “bélica”, o “estadulho” pode servir como arma: “Aquele individuo merecia umas boas estadulhadas”, o mesmo que “arrotchadas”. 

Palavras e/ou expressões associadas a Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês:

1 – “Apurar”. Palavra dicionarizada com os significados de “contar” (os votos foram contados), “selecionar” (o Grupo Desportivo de Bragança foi selecionado/ apurado para a 2.ª mão da taça de Portugal) e, na culinária, “dar consistência” (tens que deixar apurar bem o molho), em Vinhais, em Bragança e no Planalto Mirandês tem o sentido de “duração temporal”:

Ex.  Quando, na minha juventude, chegava a casa às tantas da manhã, vindo da discoteca, a minha mãe, no dia seguinte, dizia: “ontem/hoje apuraste!”.

2 – “Morreu-se” (significa “morreu”, 3.ª pessoa do indicativo singular), forma verbal com o pronome possessivo posposto ao verbo, decalcada do espanhol (se morió):

Ex.º Quem é que se morreu ontem em Vinhais?

3 – “Essa está-te linda!”, expressão muito comum no Planalto Mirandês (“Vimioso, Miranda e Mogadouro), que significa, como sinal de espanto/ incredulidade, “essa é boa!”

4 – “Cá m´arranjo”, expressão tipicamente de Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês:

Ex.º - Precisas de ajuda?

- Não, eu cá m´arranjo. Ou seja, não é preciso, que eu me desenrasco sozinho.

5 - “Amanho”, tem a mesma origem geográfica, e significa o mesmo da anterior: “Eu cá m´amanho”. 

6 – “Tardaste”, com o significado de “demoraste”, é uma expressão ouvida no planalto Mirandês, e verbalizada quando alguém demora mais tempo a chega/regressar do que era suposto acontecer.

7 – “Tiro de lapada” é ouvida no planalto Mirandês, tem o significado de “curta distância”, “pertinho”. “Lapada”, que é o mesmo que “pedrada”, provém do latim “lapis, lapis”, pedra.

Ex.º – É muito longe a casa do presidente da junta?

- Não, daqui lá é um tiro de lapada.

8 – “Tirico” (de tiro + ico), com o mesmo significado da anterior, ouve-se, além do Planalto Mirandês, na zona da Lombada, Bragança. 

9 – “Apanhar uma cardina”, expressão ouvida em Vinhais, Bragança e no Planalto Mirandês, significa “apanhar uma bebedeira”/ “borratcheira”.

10 – “Apanhar uma potada”, com significação do exemplo anterior, esta expressão, sem rigor científico, parece-me ter a sua origem na palavra latina “potio, potionis” (bebida), nunca a ouvi senão em Bragança.

11 – “ Num te fintas em mim”, significa “ não acreditas em mim”/ “não vais por aquilo qu´eu te digo”, é uma expressão associada a Vinhais, a Bragança e ao planalto Mirandês.

Ex.º : “Eu bem tu disse, mas tu não te fintas em mim!”

12 –“Arrefucir” significa “arremangar” , “arregaçar”, é uma palavra ouvida no Planalto Mirandês.

Ex.º “ Arrefuce lá as mangas, se não inda te sujas!”.

13 – “Não criar pedra no fígado”, expressão atribuída ao Planalto Mirandês, diz-se a alguém que faz as coisas irritantemente devagar, mesmo quando a situação em causa exige o contrário. 

Ex.º “ Esse, não há nobidade, não cria pedra no fígado!”.

14 – “Ir buscar a morte”, expressão com o mesmo significado da anterior, é costume ouvir-se em todo o distrito de Bragança.

Ex.º “ Despacha-te lá com isso! Tu és bô /o tal p´ra ir buscar a morte”. 

15 – “Forrar a pinha”. A palavra “pinha”, tendo caído em desuso há umas décadas, usada por todo o distrito de Bragança, é recalcada do termo piña, que, em espanhol, significa prenda de casamento. No Planalto Mirandês, a expressão “forrar a pinha” era usada quando alguém ia a um casamento e comia mais do que o valor da prenda que havia dado.

Ex.º “ Esse, não á nobidade, forrou bem a pinha!”

16 – “ Desabusado”.  Palavra usada no Planalto Mirandês, que designa alguém que é descarado, atrevido, sem vergonha alguma.

17 – “Morde-me um braço”. Expressão tipicamente do Planalto Mirandês (em actualidade), com o significado de “tenho comichão no braço”. Este é um estranho fenómeno anatómico que a comunidade científica nunca conseguiu explicar: partes do corpo com dentes. Eu sofro desta “malformação”.

18 – “És mesmo judeu!” ou “deixa-te de judearias!”. Expressão, com as duas variantes, do Planalto Mirandês, é dirigida a alguém (não de forma depreciativa, e até carinhosa) que está sempre a pregar partidas aos outros.

19 – “Dei conta duma perna”, expressão do planalto Mirandês, significa “magoei-me numa perna”, “aleijei-me…”

20 – “Tir-te-me diante”, expressão do Planalto Mirandês, que significa “não estorbes; sai-me da frente”.

21 – “Estrobilho” ou “Estorbilho”, no linguajar do Planalto Mirandês, é alguém que estorva.

22 – “Se aqui te ladra, além te morde”. Expressão ouvida no Nordeste Transmontano. É um alerta/aviso que se faz a alguém que foi maltratado num sítio, “aqui”, prevenindo-o para a eventualidade de “além”, noutro sítio, o poderem tratar pior.

Sendo este material uma fonte inesgotável, trarei aqui, nos “próximos episódios”, mais alguns pedaços da nossa identidade.

António Pires


António Pires
, natural de Vale de Frades/S. Joanico, Vimioso. 
Residente em Bragança.
Liceu Nacional de Bragança, FLUP, DRAPN.

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