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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 4 de setembro de 2022

O que procurar no Verão: o lódão

 É nesta época do ano que os frutos do lódão (Celtis australis) começam a chamar a atenção. Se, quando se formam, assumem um tom verde que facilmente é camuflado pela folhagem, no final do verão  assumem um tom negro arroxeado, sinal de que estão maduros e prontos a comer.
Sim, os frutos do lódão, também conhecidos como ginjinhas-do-rei, por serem parecidos com a ginja, embora mais pequenos, são comestíveis e têm um sabor doce e agradável.

Cannabaceae

O lódão – também vulgarmente conhecido como lódão-bastardo, lódão-europeu, lodoeiro, agreira e ginjinha-do-rei – é uma espécie da família Cannabaceae a que pertencem pouco mais de uma centena de espécies arbóreas, arbustivas e herbáceas, distribuídas por nove géneros botânicos.

Lódão (Celtis australis). Foto: Gmihail/WikiCommons

Os membros desta família de plantas estão distribuídos um pouco por todo o mundo, estando maioritariamente presentes nas regiões tropicais e subtropicais, embora também ocorram nas regiões temperadas.

Apesar de pequena, esta família é de considerável importância económica, sendo os géneros Cannabis e Humulus os membros economicamente mais importantes.

O género Humulus, representado por sete espécies, destaca-se pelo lúpulo (Humulus lupulus), uma planta trepadeira amplamente cultivada para a indústria cervejeira e que dá sabor à cerveja.

O género Cannabis é representado por uma única espécie, o cânhamo (Cannabis sativa), cujas propriedades medicinais são reconhecidas em todo o mundo.

O género Celtis, a que pertence o lódão, é o maior género da família, formado por cerca de 65 espécies de árvores, algumas das quais cultivadas como ornamentais.

O segundo maior género desta família é o género Trema, intimamente relacionado com o género Celtis e compreende cerca de 20 espécies de pequenas árvores perenes.

Os restantes géneros Aphananthe, Chaetachme, Gironniera, Lozanella e Pterocletis são muito pequenos e compreendem espécies arbóreas e arbustivas, distribuídas maioritariamente pelas regiões tropicais e subtropicais.

Lódão

O lódão é uma árvore que pode atingir os 30 metros de altura. A sua copa é densa e globosa e tanto os seus ramos como o tronco são revestidos por uma casca fina de cor cinza clara e lisa.

As folhas são caducas – caem na estação do ano mais desfavorável – alternas, pecioladas, assimétricas e trinérveas na base. São lanceoladas ou ovado-lanceoladas, fortemente acuminadas e de margens serradas ou duplamente dentadas. São verde-escuras e ásperas na página superior e verde-acinzentada e pubescente na inferior.

A floração ocorre entre março e maio, simultaneamente com o aparecimento das folhas. É uma espécie polígama, ou seja, possui flores hermafroditas e flores unissexuais no mesmo indivíduo.

Foto: Krish Dulal/WikiCommons

As flores masculinas ou hermafroditas são pequenas, solitárias ou, raramente, em grupos de duas a três flores, e surgem sobre longos pedúnculos na axila das folhas. As femininas surgem nas extremidades dos raminhos.

As flores são pouco atrativas, amarelas a esverdeadas. Não têm pétalas e o cálice é composto por quatro a cinco sépalas alongadas e livres.

O fruto é uma drupa pequena, do tamanho de uma ervilha, solitária, esférica, lisa e glabra. Possui um pedúnculo longo e uma coroa de pêlos na base. Quando se forma é verde, depois amarelo ou avermelhado e, quando maduro, assume uma cor próxima do negro.

Cada fruto contém uma só semente arredondada, áspera e acastanhada.

A polpa, embora reduzida, em relação ao tamanho da semente, fica amarela quando madura e é comestível.

A maturação dos frutos ocorre entre setembro e outubro. No entanto, estes permanecem na árvore por muito mais tempo.

A árvore do sul

A raiz etimológica do nome binomial Celtis australis está intimamente relacionada com a sua origem.

O género Celtis deriva do grego antigo e está relacionado com o facto de esta árvore produzir frutos doces, e poderá ter surgido a partir do nome antigo de uma outra planta africana, provavelmente Ziziphus lotus.

Lódão. Foto: João Domingues Almeida/FloraOn

O restritivo específico australis deriva do latim australis-e que significa “do sul, austral, meridional” pois é uma espécie nativa do sul da Europa, no Mediterrâneo oriental.

O lódão também é uma espécie natural do norte de África e do sudoeste da Ásia.

Em Portugal, ocorre um pouco por todo o território continental, embora seja mais comum nas regiões do centro e sul.

Esta espécie encontra-se em estado selvagem em barrancos, vales encaixados ou leitos de cheia, sobre solos frescos e profundos, ou mesmo em solos pedregosos, graças ao seu sistema radicular robusto que facilmente penetra nas rochas.

Surge normalmente na companhia de outras espécies arbóreas como salgueiros, ulmeiros e freixos.

É uma espécie de plena luz, que aprecia o calor. É resistente à seca e ao vento, e é pouco exigente quanto ao tipo de solo. Pode desenvolver-se mesmo em solos pobres em húmus, secos ou húmidos e de pH ácido ou neutro. No entanto, desenvolve-se melhor em arenosos, soltos, ricos, húmidos e profundos.

O lódão é pouco resistente ao frio intenso e às geadas tardias e é muito resistente à poluição urbana.

Como acontece com todas as espécies do seu género, a polinização do Celtis australis é essencialmente anemófila, ou seja, ocorre pela ação do vento.

Ecologicamente importante

O lódão é vital para a conservação da fauna dos locais onde vive naturalmente.

Os frutos são uma importante fonte alimentar para muitas aves frugívoras como, por exemplo, o gaio-comum (Garrulus glandarius), a gralha-de-nuca-cinzenta (Coloeus monedula), o estorninho (Sturnus vulgaris) e o melro (Turdus merula), e também para raposas, texugos e martas, que são responsáveis pela disseminação das sementes.

Os lódãos mais velhos são um ótimo refúgio para muitas aves.

Lódão. Foto: Teresa Grau Dos/WikiCommons

É planta hospedeira e fonte de alimento de larvas e lagartas de borboletas, como é o caso da borboleta-do-lódão (Libythea celtis) e da tartaruga-grande (Nymphalis polychloros).

O lódão é uma árvore tipicamente ornamental, de grande valor paisagístico e arquitectónico que, além de ser muito resistente à poluição atmosférica, a pragas e doenças e pouco exigente em cuidados de manutenção, gera sombra densa durante o verão e protege o solo contra a erosão, devido ao seu denso sistema radicular.

É uma árvore comum em jardins, parques urbanos e em arruamentos, mas também pode ser plantada em jardins privados.

Esta árvore de crescimento relativamente lento, em condições ideais, pode viver cerca de 600 anos.

Ginjinha-do-rei

A sua madeira é muito elástica, flexível, de grão fino, dura, pesada, compacta, resistente à água e duradoura, boa para marcenaria e para tornear.

No passado foi usada na construção de carruagens, barcos, lintéis de portas ou janelas e para fazer ferramentas e cabos de ferramentas agrícolas.

Atualmente a sua utilização é essencialmente artesanal, sendo apreciada para produzir instrumentos musicais, como por exemplo, flautas, e tambores, brinquedos de madeira, bengalas, cajados ou maços, entre outros.

Também tem sido utilizada para fazer remos, canas de pesca e aros para os barris e barricas e, quando cortada em tiras finas, pode ser usada para cestaria.

É a madeira escolhida para o tradicional jogo do pau – arte marcial portuguesa de origem popular, que consiste numa forma de esgrima de características específicas, utilizando uma vara de preferência de madeira.

Além disso, esta madeira proporciona lenha e carvão de boa qualidade.

As folhas jovens e rebentos servem de forragem, durante o inverno, para os animais de pasto e, embora menos populares, em comparação com a amoreira (Morus spp.), há quem as use para alimentar os bichos-da-seda.

Da casca do caule e das raízes é extraída uma substância corante amarela, utilizada na indústria têxtil para tingir tecidos.

Lódão. Foto: João Domingues Almeida/FloraOn

Os frutos são doces e comestíveis, com um sabor muito próximo ao do tamarindo e à alfarroba. Podem ser consumidos frescos, diretamente da árvore, ou preparados em compostas e conservas e também servem para preparar licores e vinhos. Do tamanho de uma ervilha e embora com pouca polpa, quando maduros ficam negros, o que os torna muito semelhantes à ginja, daí o nome comum ginjinha-do-rei.

Das sementes pode ser extraído um óleo doce que substituiu o açúcar durante períodos de fome.

As folhas e os frutos têm sido usados em medicina popular, sendo-lhes atribuídas propriedades adstringentes, antidiarreica e anti-hemorrágica.

A infusão de frutos e folhas é popularmente utilizada no tratamento de amenorreia, diarreia, cólicas e como regular do fluxo menstrual em mulheres. Também há registo da sua utilização para reduzir a pressão arterial, o colesterol, para tratar problemas de fígado e como agente diurético.

Uma árvore de sensações

O lódão é, sem dúvida, uma árvore belíssima que se transforma ao longo do ano, despertando em cada época um “sentimento” diferente.

Se no inverno se despe, deixando o chão coberto de folhas, na primavera enche-se de rebentos, flores e folhas, que no verão apresentam um tom verde intenso. No outono as folhas e frutos mudam de cor, as folhas ficam amarelas e começam lentamente a cair e os frutos passam de amarelos para negros quando maduros, altura em que os podemos provar e saborear.

O lódão é uma árvore de sensações.

Para Eugénio de Andrade, o lódão teve um significado importante, como se pode ver pelos inúmeros poemas acerca desta espécie.

Com os lódãos 
Havia outras noites outras folhas
um percurso de água era o meu corpo
sobre as noites havia outras colinas
ou talvez não, talvez apenas dormisse
com os lódãos sobre o coração. 

Eugénio de Andrade in Véspera da Água (1972-73)

Mas houve uma árvore em particular que não pôde deixar de imortalizar nas suas poesias e nas inúmeras entrevistas que deu. Quando o município cortou as árvores da sua rua, Eugénio de Andrade disse:

«(…) derrubaram uma das que mais amei na vida, o velho lódão que me entrava pela varanda e dava notícia das estações.»,

«Aqui arrancam-se as árvores como se fossem ervas daninhas. Em frente da minha casa havia uma de ramagens vigorosas que me entravam pela varanda. Os pássaros, o que temos de mais próximo dos anjos, estavam ali de manhã cedo a lembrar-me que, na minha poesia, os melhores versos lhes pertenciam. Arrancaram-na, e arrancaram outra ao lado, e outras mais adiante.»

Eugénio de Andrade dedicou-lhe este poema:

A um lódão da minha rua 
Ninguém tem corpo mais fino,
nem braços tão delicados
como este lódão
crescendo com vigor à minha porta.
Tenho com ele desvelos de namorado,
limpo-o de ervas daninhas,
rego-lhe a terra ao calor de Agosto,
alegro-me a cada rebento novo,
cada folha recente. Cresce e cresce
em esplendor, certo de ser amado.

Eugénio de Andrade in Rente ao Dizer, Assírio & Alvim, fevereiro de 2018.

Dicionário informal do mundo vegetal:

Perene – planta que tem um ciclo de vida longo e que viver três ou mais anos.
Caduca – folha que cai espontaneamente na estação do ano mais desfavorável.
Alterna – folha que ao longo do caule se insere de forma alternada, uma em cada nó.
Peciolada – provida de pecíolo (pé da folha que liga o limbo ao caule). 
Trinérvea – folha cujas três nervuras se originam no mesmo ponto na base do limbo.
Limbo – parte larga de uma folha normal.
Lanceolada – folha com limbo que apresenta a forma de lança.
Ovado-lanceolada – folha com base atenuada e à medida que chega ao ápice vai ficando com forma oval.
Acuminada – folha cuja ponta é geralmente aguda e mais estreita que a restante parte e com os lados ligeiramente côncavos.
Serrada – margem com dentes marginais agudos, como os de uma serra.
Dentada – folha provida de dentes mais ou menos perpendiculares à linha da margem.
Pubescente – que tem pelos finos e densos.
Polígama – espécie vegetal que possui flores hermafroditas e unissexuais (masculinas e femininas) dispostas na mesma planta.
Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).
Unissexual – flor que possui apenas órgãos reprodutores femininos (carpelos) ou masculinos (estames).
Pedúnculo – “Pé” que sustenta a(s) flor(es).
Pétala – peça floral, geralmente colorida ou branca, que forma a corola.
Cálice – conjunto das peças florais de proteção externa da flor – sépalas, frequentemente verdes.
Drupa – Fruto carnudo que contém uma única semente, protegida por um caroço duro.
Glabra – sem pêlos.
Polinização anemófila – realizada pela ação do vento.
Frugívora – que se alimenta de frutos.

Carine Azevedo

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