terça-feira, 18 de outubro de 2022

O Linguajar Transmontano (IV)

Por: António Pires 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

1 – “Catantcho p´ró garoto”, expressão com o significado de “possas” ou “raio no…”, usada em Bragança e no Planalto Mirandês, quando nos referimos a um miúdo irrequieto, atraganado.

2 – “Tropeço”, expressão usada em Bragança e no Planalto Mirandês, quando referida a alguém que cai com frequência, que anda sempre aos tombos.

3 – “Fandango”, expressão atribuída a Bragança e Planalto Mirandês, e diz-se de alguém que gosta de andar no fado, na boa vida.

Ex.º.Como é que ele pode ter boas notas, se só sabe andar no fandango! 

4 – “Jurdir”, expressão ouvida no Planalto Mirandês, com o significado de fazer, e usada em frases interrogativas/exclamativas e/ou perguntas retóricas.

Ex.º Tu, por estas bandas?! O q´andarás tu p´rá qui a jurdir?!

5 – “Gaitar”, com o mesmo significado e origem geográfica da anterior.

6 – “Pedir meças”, expressão característica de Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, tem duplo significado: de “desafiar alguém” e de “medir/verificar, tirar dúvidas”

Ex.º 1: Quando se fala de alguém, por exemplo, que é muito bom num dado desporto, mas que pode ter um concorrente à altura: “ olha que o meu vizinho pede-lhe meças”. Ou seja, o meu vizinho está à altura/nível competitivo daquele que todos dizem ser o melhor.

Ex.º 2: Num jogo do fito ou de relha, como, regra geral, não se usa fita métrica para, em caso de dúvida, se saber qual a pedra/relha que está mais perto do “binte” ou do risco, o jogador que se sente prejudicado pela medição a olho,”pede meças”, ou seja, exige uma medição mais convincente e fiável.

7 – “Pintchar”, expressão usada em Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, significa tombar, derrubar, fazer cair, e é frequente ouvir-se, entre outros contextos, no jogo do fito: “ele pintchou o binte à primeira”.

8 – “A tratos”, expressão usada em Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, significa “ tratar de”,” executar uma tarefa”, “fazer qualquer coisa”.

Às vezes pergunto à minha mãe:

- Mãe, o que está a fazer?

Ela responde:

- Num bês, estou a tratos ao almoço.

9 - “Arremedar”, expressão ouvida no Planalto Mirandês, e significa “fazer macacadas”, “pantominices”

10 – “Arrear”, expressão ouvida em Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, com três significados distintos, a saber:

“Arrear em”, dar porrada, bater em alguém;

“Arrear”, ceder, vergar com o peso da carga;

“Arrear o calhau”, expressão ouvida em Vinhais, Bragança e no Planalto Mirandês, significa defecar (no tempo em que não havia papel higiénico).

11 – “Dar de corpo”, expressão do Planalto Mirandês, com o significado de “defecar”

12 – “Berter águas”, expressão muito comum em Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, significa “urinar”.

13 – “Dar conta de/do”, expressão típica de Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, com duas acepções:

“Dar conta do lombo”, com o significado de “arrear”, “bater em alguém”;

“Dar conta do corpo”, com a significação de “trabalhar arduamente”, “como um escravo”.

14 – “De quem és?”, é uma construção elíptica (interrogativa) muito comum no Planalto Mirandês, naquele contexto em que o interlocutor mais velho pergunta ao mais novo de quem é filho.

Ex.º - Tu, de quem és (filho)?

- Sou do Zacarias.

Nota: quer na pergunta, quer na resposta, “filho” está subentendido.

15 – “Bô/mau de dar ao pêlo”, expressão usada frequentemente em todo o Nordeste Transmontano, para adjectivar alguém que “tem maus fígados”, que “é mau c´má fome”.

16 – “Danado/ levado da breca”, Expressão usada no Nordeste Transmontano, que serve para qualificar (de forma simpática) alguém engraçado, com piada, a quem se diz “tu não existes!”

17 – “ E dá-le”, Expressão usada em Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, (pronome pessoal oblíquo, com a síncope do “h”), dirigida a alguém que, pela insistência na mesma tecla, por teimosia, se torna fastidioso:  “ E lá está ele com a mesma combersa!”/ “ E dá-le com …”

18 – “Eslombeirar”, expressão ouvida em Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, significa cair desamparadamente/ assentar o lombo no chão.

19 – “ Ter bô corpo/lombo/ caparro”, expressões usadsa em Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, e diz-se de alguém que é fisicamente avantajado, corpulento, mas que é dado à ociosidade: 

-  Já biste aquele, que anda a polir as esquinas?!

- Pois, que bá trabalhar, que tem bô corpo/lombo/caparro”.

20 – “Desgrenhado”, expressão associada ao Planalto Mirandês, significa despenteado.

21 – “Guedelha”/”guedelhudo”, expressões da mesma família, ouvidas em Vinhais, Bragança e no Planalto Mirandês, significam, respectivamente, cabelo comprido e cabeludo.

22 – “Melena” e “Repas”, com o mesmo significado e origem geográfica da anterior.

23 –  “Lampeiro”, expressão usada em Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, diz-se daquele que é irritantemente atrevido, que tem a mania que é guitcho.

24 – “ Encartar”, expressão reclamada por Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, com o significado de dobrar, no contexto de “dobrar a roupa”, depois de passada a ferro.

25 – “Lançar”, expressão ouvida em Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, com o significado de “servir”: “ ide para a mesa, que já bou lançar a sopa”. Ou seja, servir a sopa.

26 – “Tomara-me”, é uma expressão ouvida em Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, com o significado de “quem me dera…”

Há coisa duns 50 anos, uma certa figura típica de Bragança foi, de comboio, a uma consulta médica ao Porto, acompanhada da mulher. Como, tal como eu, sofria de saudades por antecipação, e porque, neste meio de transporte, até à Invicta, se demorava uma eternidade (ida e volta, 16/17 horas) mal tinha chegado ao apeadeiro de Rebordãos, não vendo, pois, o castelo, diz para a companheira: “Maria, tomara-me eu em Bragança!”

27 – “Deslusir”, com significado de “dar sumiço”, expressão de Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, utilizada para caracterizar alguém que, não sendo ilusionista, tem propensão para fazer desaparecer coisas ou objectos, quando se anda a saber deles: “ tu desluses tudo; estava agora aqui a machada e já desapareceu!” 

28 – “Desinço”, expressão semanticamente próxima da anterior, ouvida no Planalto Mirandês, utilizada para adjectivar alguém que é o “desinço da louça”, que dá cabo de tudo, que não se lhe pode passar nada para as mãos. 

29 – “Escucir”, expressão associada ao Planalto Mirandês, e diz-se de alguém que, por exemplo, numa reunião, estando a apanhar seca, se retira estrategicamente, de mansinho, sem ninguém dar por ela.

30 – “ Refunfunhegar”, expessão do Planalto Mirandês. Quem refunfulhega é alguém que, considerado morto/moribundo, sem se estar à espera, reage, dá sinal de vida.

Ainda que de forma pouco académica, penso ter dado o meu singelo contributo para afirmar este pedaço de nós; aquilo que, como transmontanos, nos identifica e distingue dos demais.  

António Pires


António Pires
, natural de Vale de Frades/S. Joanico, Vimioso. 
Residente em Bragança.
Liceu Nacional de Bragança, FLUP, DRAPN.

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