segunda-feira, 21 de novembro de 2022

TRUQUES ( NÃO RECOMENDÁVEIS) PARA UM ENGATE

Por: Luís Abel Carvalho
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Ricardo era um autêntico pinga-amor: ou estava apaixonado ou em vias de se apaixonar. Tal como uma abelha, esvoaçava de flor em flor, de pétala em pétala, de gâmeta em gâmeta em busca do néctar dos Deuses que lhe satisfizesse o espírito intranquilo. Era incansável - uma autêntica obreira - nunca desistindo da procura, mesmo quando algumas lhe fechavam os estames. Ricardo perseguia as suas presas por montes e vales, encurralando-as. Quase todos os dias eram dias de caça. Mas acontecia muitas vezes que o que mais o fascinava era a caçada e não a presa. ( O jogo da sedução, a investida, a resistência, a entrega...!) Quantas vezes  Ricardo se desinteressou da caça  depois desta lhe ter dado luta feroz!! As artimanhas e os truques que usava para as manietar e as condicionar à sua teia de fios ardilosamente imbricados eram inesgotáveis e bizarros – e até condenáveis! Vejamos apenas  dois casos:
        Em determinada altura começou a gostar de uma bela rapariga de Braga, que estudava Economia. Ricardo ia quase sempre  jantar à cantina do ISCAP, onde ela também jantava diariamente. De vez em quando ia almoçar a Economia só para a ver, mas era uma cantina grande, com muita gente e barulhenta. A cantina do ISCAP ficava na rua Entreparedes, muito perto da praça da Batalha. Essa linda moça, como era filha de um graduado do exército, vivia numa residência própria para filhos de oficiais do exército, que ficava precisamente na praça da Batalha.
        Conseguiu saber que o nome dela era Beatriz. Ricardo fazia de tudo para fazer notar a sua presença, mas parece que Beatriz não dava por ele ou fingia não dar. ( Isto de artimanhas são recíprocas!).  Como não encontrava um meio de chegar à fala, engendrou o seguinte plano:
        Uma noite, após o jantar, Ricardo foi a uma cabina telefónica e pediu que chamassem a Beatriz.
- Estou? quem fala?
- Olá,  Beatriz. Peço-te desculpa por  estar a telefonar, mas foi a única maneira de conseguir falar contigo...
 - Quem é que está a falar? - perguntou com impaciência.
- Nós ainda nunca falámos. Eu chamo-me Ricardo e vou muitas vezes jantar ao ISCAP.  Ainda hoje estava lá com um colega meu, quase à tua frente, com uma camisola verde.
- Não estou a ver quem sejas. De qualquer modo se queres falar comigo, não entendo este telefonema!
- Não acredito que nunca reparaste em mim! Ainda há dois dias estava na bicha mesmo à tua frente. Ando sempre com uma sacola a tira-colo.
- Penso que já sei quem és. Só tenho a dizer-te que não gostei nada do que fizeste. Boa noite.
        Desligou o telefone e Ricardo ficou sem palavras.  “  Esta é das duras! Queres luta? Então vais ter luta “.
        No dia seguinte, depois do jantar,  Ricardo esperou-a cá fora, à saída da cantina.
      - Olá. Podemos conversar um pouquinho?
      - Se é sobre o telefonema de ontem, volto a dizer-te que não gostei nada.
      - Quer dizer... é sobre isso – disse meio a gaguejar - , mas é só para te dizer que não fui eu quem fez o telefonema.
       - Não foste tu?! Então quem foi?!
       - Eu explico-te. Bom... vou ser sincero contigo...
       - Espero bem que sim.
       - ... na verdade, eu gosto de ti e disse-o àquele rapaz que anda sempre comigo. Desde aí tem passado a vida  a incentivar-me para te vir falar, mas tem-me faltado a coragem. Então, por iniciativa dele - e exclusivamente dele - e sem eu saber, (juro),  ontem telefonou-te em meu nome.
      - Então foi ele que telefonou?! Que grande amigo ali tens!
      - Coitado! Ele não fez aquilo por mal, nem para brincar contigo; fê-lo só para me ajudar, por que via que nunca me decidia a falar-te. Eu até já me chateei com ele.
    - Bom...  - disse respirando fundo. - Afinal tu não tens nenhum motivo para te chateares com ele. Eu é que tenho - disse com um pequeno sorriso nos lábios.
    - Por isso eu queria pedir-te desculpas por ele e por mim.
    - Tudo bem. Por ti, não tens que me pedir desculpas e por ele...se foi por isso,  já passou.
    - Então não estás chateada comigo?
    - Só um pouquinho - disse num sorriso aberto. Também vais às vezes almoçar a Economia, não vais?
 “ Afinal sempre reparas em mim! “. - pensou Ricardo todo satisfeito.
     Ricardo sentiu umas determinadas vibrações e arrojou-se:
     - E agora, que já sabes que gosto de ti, posso convidar-te para um café?
    - Hoje não posso. Amanhã tenho um exame e tenho que estudar. Se calhar até vou fazer uma direta. Mas falamos amanhã. Vens jantar ao ISCAP?
     - Venho, sim.
  E assim começaram um namoro que não durou sequer dois meses.
  Beatriz ia passar todos os fins-de-semana a Braga, de camioneta. Ia sábado de manhã cedo e voltava domingo já de noite. E durante a semana mal se viam.
( O amigo nunca soube de tal estratagema!).

***********

        Houve uma outra situação em que Ricardo usou toda a sua matreirice para (tentar) conquistar uma outra rapariga difícil.
      Ricardo frequentava o café Bissau, que ficava na rua de Cedofeita, um dos muitos cafés do Porto, onde os calaceiros fingiam que estudavam. Entre muitas outras, frequentava-o uma rapariga que estudava medicina e, diziam, era filha de um importante e rico industrial. A moça era atraente, generosa de carnes,  mas de nariz empinado.  Vivia numa moradia nas Antas. A fortuna subira-lhe à cabeça e não se dava com qualquer gato pingado. ( Também, na situação dela, que conduzia um lindo BMW 202 tii, azul clarinho, quando a maioria dos colegas não tinham dinheiro para um galão e uma tosta mista!!).  Ricardo começou a interessar-se por ela, mesmo antes de saber desses adereços. Mas ela não lhe ligava nenhuma, nem o favor de um olhar. Quando confessou o seu interesse, os amigos mais próximos avisaram-no logo de que não teria a mínima hipótese.  “  Quero lá saber do dinheiro dela! “ – quando o informaram da sua condição material.
      Por coincidência, uma das  amigas dela  e colega de medicina, era também amiga de dois amigos do Ricardo! Um dia em que ela estava acompanhada por essa amiga , Ricardo pediu ao Daniel e ao Melo que metessem conversa com a amiga e se sentassem na mesa delas. E deu-lhes todas as instruções: tudo o que eles deveriam dizer sobre ele e a família dele. ( Fizeram até um ensaio prévio!).
      Mais tarde Ricardo entrou no café e fingiu que não os viu.
     - Ó Ricardo! Que andas a fazer? - perguntou-lhe o Daniel.
      - Ou...! Estais aí?! Ando à procura do Zé Alberto. Não o vistens? – perguntou de olhar distraído.
     - Esteve aqui há pouco tempo, mas saiu - disse o Melo. -  Não queres tomar café?
     - Quero. Posso?- pediu licença dirigindo-se às moças.
      - Esta é a Júlia e esta é a Leonor.
     - Muito prazer - disse dando dois beijinhos a cada uma. – Ó Almeida! Traz-me um cimbalino se fazes favor.
     Ricardo aparentava um ar lunático,  de olhar esgrouviado, distante de tudo. Acabou de tomar o café à pressa e levantou-se, mostrando sempre um ar atarefado, como se carregasse o mundo nas  costas e fosse salvar a humanidade.
    - Bom...foi um prazer conhecer-vos - disse às raparigas com olhar sempre meio  esgrouviado. -  Paga o meu cimbalino, se fazes favor -pediu ao Daniel, saindo para a rua.
       Ricardo sabia que as raparigas e, em geral as mulheres, não gosta(v)am de “queques “.   Preferiam os estroinas, os desatinados e...algum mistério.
  - Este vosso colega é meio esquisito! - disse a Luísa que era amiga dos dois.
  -   Põe “ esquisito “ nisso! Realmente...parece que anda sempre na Lua! - reforçou a Leonor.- Já o tenho visto por aqui e na verdade...acho que não seria pessoa com quem me desse – disse franzindo o sobrolho e premindo os lábios em sinal de desaprovação.
 - Só parece, mas é um gajo porreiro - defendeu-o o Daniel.
 - Tem mais inteligência do que juízo - apoiou o Melo. - É casmurro e orgulhoso como um burro. Prefere andar sempre sem dinheiro do que fazer a vontade ao Pai .
   - E qual é a vontade do Pai ? - perguntou curiosa a Leonor.
   - Quer que vá estudar para Inglaterra, mas ele prefere estudar cá e ficar sem mesada. Se não fosse a Mãe mandar-lhe algum dinheiro às escondidas, mal tinha dinheiro para comer.
    Daniel e Melo tinham sido bem instruídos para exagerarem na condição económica da família.
 - Não sei se sabeis, mas a Mãe dele é de origem inglesa e pertence aos Taylors, do vinho do Porto - mentiu o Daniel.
 - Não me digas... - comentou a Luísa, que não sabia nada dele.
 - É. Os pais têm uma grande quinta perto do Pinhão e outra em Amarante. Vivem num palacete na Foz - acrescentou o Melo.
- E ele estuda onde? - perguntou a Leonor, mostrando-se interessada.
 - Estuda Engenharia connosco.
- Há uma personagem no livro  “ Uma família inglesa “ que é prima, ou qualquer coisa assim da Mãe.
   - E o melhor de tudo é que é filho único - sentenciou o Daniel.
    - Pois é... dá Deus nozes a quem não tem dentes - lamentou a Luísa.
    - Se bem calhar, no fundo, no fundo, até poderá ser boa pessoa - confessou a Leonor, que só via dinheiro. – Talvez precise de algum apoio para estabilizar.
   - É capaz de gastar tudo num dia com os amigos e depois andar o resto do mês a penar - disse o Melo, ajudando a compor o ramalhete.
     Depois de mais umas aldrabices a favor de Ricardo, disse a Leonor:
        - Bom...não sei se sabem, mas no sábado vou dar uma festa em minha casa e vocês estão convidados. E convidai também o vosso colega.  Dizei-lhe que , pessoalmente, teria todo o gosto em que ele fosse. Peçam-lhe para ir.
       O Melo deu um toque no Daniel por baixo da mesa e foi com dificuldade que contiveram o riso. O Melo e o Daniel foram à festa, mas Ricardo não quis ir.
   ( No fundo, no fundo,  Ricardo era um rapaz honesto e sem maldade. A sua instabilidade sentimental  levava-o para o epicentro do turbilhão das ideias tontas. E era nessa ânsia da conquista que se sentia bem).

Fontes de Carvalho

Fontes de Carvalho
, pseudónimo de Luís Abel Carvalho, nasceu no Larinho, uma aldeia transmontana do Concelho de Torre de Moncorvo, Distrito de Bragança. É o filho do meio de três irmãos.
Estudou em Moncorvo, Bragança e no Porto, onde se formou em Engenharia Geotécnia. É casado e Pai de três filhos.
Viveu no Brasil, onde passou por momentos dolorosos e de terror, a nível económico e psicológico. Chegou a viver das vendas de artesanato nas ruas e a dormir debaixo de Viadutos.
No ano de 1980 e 1981 foi Professor de Matemática em Angola, na Província de Kwanza Sul, em Wuaku-Kungo. Aí aprendeu a desmistificar certos mitos e viveu uma realidade muito diferente da propagandeada.
Em Portugal deu aulas de Matemática em diversas cidades, nomeadamente em São Pedro da Cova, Ponte de Lima, Cascais (na Escola de Alcabideche, onde deu aulas aos presos da cadeia do Linhó), Alcácer do Sal, Escola Francisco Arruda e Luís de Gusmão, em Lisboa. Frequentou durante quatro anos, como trabalhador-estudante, o curso de Engenharia Rural, no Instituto Superior de Agronomia.
Em 1995 fundou a empresa Bioprimática – Reciclagem de Consumíveis de Informática, onde trabalha até hoje como sócio-gerente.

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