terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Natal volta a ser animado para o comércio e para a restauração mas a quadra é de aumento de pedidos de apoio de pessoas carenciadas

 Apesar da conjuntura, os brigantinos não se estão a privar de comprar as prendas de Natal e os restaurantes também estão a registar uma boa mexida com os típicos jantares. Ainda assim, há mais gente a passar mal e a pedir ajuda às instituições locais


Os restaurantes e as lojas de roupa, em Bragança, estão a passar dias felizes com o aproximar do Natal. Depois do período conturbado e incerto que a pandemia trouxe, privando as pessoas de sair de casa e fazendo com que gastassem e consumissem menos, agora está tudo a voltar ao dito normal. A parte do alojamento tem menos motivos para festejar e quem também tem pouco ou nada que celebrar são as pessoas, cada vez mais, que estão a passar necessidades.

Compras de Natal animam comerciantes

Fernando Afonso, proprietário de uma loja de desporto, na Avenida Sá Carneiro, em Bragança, admite que "as compras estão, mais ou menos, como no ano passado". Segundo frisou, apesar da inflação, "as pessoas estão a comprar até mais".

O proprietário da Brigsport diz que não nota que as pessoas estejam com falta de dinheiro e que, "se estão, não se vê". Sublinhou ainda que, "além de se estar a comprar mais este ano que no passado, também há um aumento face a 2020".

Naquela loja as pessoas estão a comprar "sem olhar a preços". "Quem compra não se está a importar muito com o que gasta. Compram para elas mesmas e para a família", disse Fernando Afonso, que frisou que "esperava que a época fosse de menos compras" e, por isso, está surpreendido.

Praticamente ao lado, numa loja de roupa, a funcionária Carina Gomes, diz que se passa basicamente o mesmo. "As pessoas estão a comprar. A Levis é uma marca boa e o cliente que usa a marca continua a comprar e não se importa muito com o que gasta", esclareceu, dizendo que "a afluência à loja, por estes dias, tem sido boa, melhor que no ano passado".

O que se percebe, segundo Carina Gomes, é que, por causa de ter havido uma grande quebra de produção de castanhas, as pessoas "têm menos dinheiro" e quem compra para oferecer e não para uso próprio tende a levar "lembranças", ou seja, "artigos mais baratos", como gorros, meias e cachecóis.

Já Marcelo Alves, proprietário da Loucura Jovem, uma loja de roupa, que vende várias marcas de vestuário, diz que, para já, se está a notar que há, no geral, "menos pessoas a visitar o comércio", fruto da quebra de produção de castanhas, sendo que a cultura rendia algum dinheiro que se gastava por estes dias.

O empresário, que diz que "a avaliação final ainda não se pode fazer", só mesmo depois do Natal, assume que, para já, "não está muito agradável", porque, em termos de compras, está tudo muito "similar" ao que se verificou no ano passado. Ainda assim, Marcelo Alves diz que estes dias que antecedem o Natal, 21, 22 e 23, são sempre melhores para o negócio porque "há muita gente que recebe o subsídio de Natal ou o ordenado e animam-se e compram". Portanto a esperança reside mesmo na recta final.

O que é facto é que, perante o cenário que vivemos,o negócio não está pior, muito pelo contrário. Mostrando-se surpreendidos, os comerciantes dizem que se vende igual e até mais, em alguns casos.

Restaurantes voltam a encaixar com jantares de Natal

Com o Natal aproximar-se, os restaurantes em Bragança começam a ser contactados para os jantares de celebração, quer entre amigos, quer mesmo empresariais.

O restaurante Emiclau já tem feito “bastantes” jantares de Natal, mas, ainda assim, não é “aquela euforia”. Segundo o proprietário, Vítor Cordeiro, tem recebido reservas de grupos de 10, 15 e 20 pessoas, principalmente de amigos e admite que este mês de Dezembro tem sido “óptimo”. “Com a pista de gelo ajudou bastante. Atrai principalmente espanhóis. No fim-de-semana passado tivemos muita gente. Muitos espanhóis vieram à pista de gelo com os miúdos”, contou.

No entanto, em relação a 2019, nota que o bolso dos clientes “não é igual”, embora a vontade seja “idêntica”. “As pessoas estão a ficar com receio do que pode vir pela frente. Estão mais ponderadas”, disse.

Quanto à passagem de ano, ainda está a ponderar se vai abrir o restaurante, uma vez que não sabe se vai “compensar”, porque em termos de animação musical o preço é “elevado” e o espaço do restaurante também é “pequeno”.

No restaurante Restaurador a procura também tem sido “muita”. Em “todas as noites” tem grupos, em média com “30 pessoas” cada, de empresas e de amigos que querem comemorar o Natal. Um número “um bocadinho acima do esperado”, confessou a proprietária.

Andreia Sendas considera que as pessoas estão mais “libertas” para “festejar” com os amigos, tendo em conta os últimos anos de pandemia, e as empresas também estão a “proporcionar um momento de convívio” para os funcionários. “Todas as datas comemorativas são boas, Natal e Passagem de Ano, claro que sim. A empresa vive dos clientes e amigos durante o ano todo, mas claro que estas alturas são sempre muito boas e tendo mais gente também colocamos mais gente a trabalhar”, frisou.

Mas em relação ao Réveillon ainda estão a “ultimar alguns preparativos”. Ainda não foi anunciada a ementa, mas já há pessoas a querer reservar lugar, embora admita que só depois do Natal é que começa a “grande procura”.

Já no restaurante Rosina o cenário é diferente. Não tem tido muita procura para jantares de Natal. “Tenho tido pequenos jantares de empresas. Também já tive jantares maiores, mas que eu não pude fazer o serviço, porque não tenho capacidade de logística”, referiu Rosa Pires.

Ainda assim, prevê que a passagem de ano seja melhor e idêntica a 2019, com “casa cheia”, até porque os clientes já começaram a mostrar interesse. Vai criar um menu próprio, mas que só vai ser lançado esta semana, com fritos típicos, bolo-rei, champanhe, passas, e não faltará música ao vivo.

“Acredito que as pessoas aproveitam para passar a passagem de ano mais fora de casa, até porque o Natal sendo uma festa de família, as pessoas acabam por trabalhar a preparar as comidas, então na passagem de ano decidem comer fora para relaxar um pouco e descansar do stress que foi o Natal”, concluiu Rosa Pires.

Festividades com pouco impacto no alojamento

O Natal e Passagem de Ano poderia ser sinónimo de alojamentos turísticos esgotados na região, mas não é. Contrariamente ao que se podia esperar, as festividades não têm tanto impacto no negócio.

No Hotel Muchacho, em Macedo de Cavaleiros, a ocupação ronda apenas os 30% e não é só este ano. Habitualmente, a época natalícia não interfere no negócio. “Não temos uma taxa de ocupação significativa nesta altura, ou seja, não vemos aqui nenhum aumento de taxa de ocupação só por causa de ter esta data”, disse o gerente, Duarte Pinto.

As reservas são de pessoas que vêm de fora visitar os familiares, pois em termos turísticos “não tem a mesma projecção”. “A cidade teria que estar envolvida nalguma actividade ou que ter alguma atracção para que as pessoas viessem”, frisou.

Na Casa da Soeima, no concelho de Alfândega da Fé, o cenário não é muito diferente. Neste alojamento rural com sete quartos, este é o primeiro Natal e passagem de ano com reservas, visto que o negócio ainda não tem um ano.

Segundo o proprietário neste período festivo a ocupação estará nos 40%, sendo que as pessoas ficam apenas uma noite. “Estamos no período de arranque, espero que com o tempo melhore”, afirmou Hélder Moreno.

Para o Ribeira House, em Mirandela, as coisas parecem estar melhores. Com 11 quartos, um deles suite familiar, e ainda um T1, já têm 60% de ocupação para o Natal e passagem de ano. Uma lotação que Cristina Gomes entende ser “considerável”, no entanto, atendendo à época, disse que deveria estar com uma ocupação “superior”. Mas ainda tem esperança que as coisas se componham e que cheguem a estar “lotados”.

A abertura da pista de gelo e das várias actividades associadas em Mirandela ajudou a trazer clientes ao Ribeira House. “No fim-de-semana passado a lotação aumentou, porque era abertura da cidade Natal e, se calhar, por isso, tivemos mais pessoas que nos vieram visitar”, sublinhou.

Muitos dos hóspedes que ficam neste alojamento vêm de Lisboa, mas também há espanhóis, que inclusive não reservam estadia apenas nas épocas festivas.

Já no Casal de Palácios, um alojamento rural no concelho de Bragança, a situação é outra. Embora Novembro e Dezembro tenham sido “muito fracos” em termos de reservas, os 10 quartos que tem estão todos reservados para a passagem de ano. São mais de 25 pessoas de Bragança, Mirandela, Minho e Porto.

“Este ano, tal como aconteceu o ano passado, estamos completamente cheios. Acaba por ser o mesmo grupo que nos reserva de um ano para o outro. Conseguem-me reservar a casa toda, todos os anos”, explicou o proprietário Rui Ferreira.

Ainda teve procura de muitos espanhóis, mas como já tinha os quartos todos reservados, não pode aceitá-los. Este estilo de alojamento caracteriza-se pela proximidade que se cria entre os proprietários e os clientes. Por isso, como já é habitual, no primeiro dia do ano fazem uma caminhada pelo Parque Natural de Montesinho para digerir todo o que comeram na noite anterior. Desta vez, o percurso será feito por Vilarinho.

Festas da região atraem mais clientes

Para o próximo ano, os alojamentos já começam a ter algumas reservas. O Carnaval e as feiras típicas da região são eventos que atraem mais clientes.

Se o Hotel Muchacho no Natal tem pouca ocupação, o mesmo não se pode dizer para Janeiro e Fevereiro. “Já tenho datas preenchidas, como o Carnaval, a Feira da Caça, essas são duas datas que temos logo de um ano para o outro. Estamos com ocupações já na ordem quase dos 100%”, afirmou Duarte Pinto.

No alojamento Casal de Palácios, o Carnaval e a Páscoa também são sinónimo de casa cheia. Rui Ferreira admite que o turismo da região é “muito inconstante” e “sazonal” e, por isso, algumas épocas são melhores que outras.

No que toca aos alojamentos rurais, acredita-se que as tradições típicas da região são mesmo a maior atracção de visitantes. “Para este modelo de alojamento, talvez as festividades não sejam importantes. Eu apostaria mais em festas locais, feiras”, referiu Hélder Moreno, da Casa da Soeima.

Pedidos disparam mas não há comida para todos

A conjuntura que se atravessa está a complicar um pouco a vida de toda a gente e há cada vez mais pessoas a passar dificuldades. Esta quadra, que se espera sempre de paz e de harmonia, mas também associada a alguma fartura na mesa, para algumas pessoas será triste.

Segundo Emília Oliveira, coordenadora da delegação de Bragança da Cruz Vermelha Portuguesa, a quadra festiva está a trazer muita mais gente à instituição e há, neste momento, um "aumento" de pedidos de ajuda, no que toca a bens alimentares. "Olhando para os últimos dois anos, este Natal está a ser aquele em que mais pedidos de apoio estamos a receber", disse a coordenadora, que considerou que a "situação" de crise que todos estamos a atravessar está na origem deste aumento de solicitações.

A crise económica, que "veio trazer estes novos desafios", obriga a que mais pessoas procurem a delegação de Bragança. Quem pede... pede o mais essencial. "Massa, arroz, enfim, produtos do quotidiano. Também há muita procura pelos produtos de higiene", explicou Emília Oliveira, que assinalou que há muita gente que estava numa "situação minimamente estável", até há pouco tempo, e agora está a necessitar de ajuda. "Temos os nossos beneficiários regulares mas ultimamente têm surgido novas caras", rematou a coordenadora.

O "aumento substancial" de pedidos de ajuda tem vindo a fazer-se sentir "há cerca de quatro ou cinco meses", sendo certo que "esta altura é de muitas solicitações" e este ano "ainda mais que o normal".

Os pedidos de apoio não param assim de chegar à delegação de Bragança da Cruz Vermelha Portuguesa mas este ano muita gente terá que ficar sem o típico cabaz de Natal que a instituição dá a quem mais precisa. Por causa dos dias mais conturbados que vivemos, há já algum tempo que as solicitações têm disparado, tanto a nível particular como de instituições, e, por isso, neste momento, o banco de emergência alimentar, que serve para ajudar ao longo do ano, "está a entrar em ruptura".

Segundo vincou Emília Oliveira, a instituição tem já um corpo de voluntários que "está a focar as energias na angariação de bens alimentares" num hipermercado da cidade. Quem queira ajudar, além de o fazer no Pingo Doce de Bragança, pode também deixar o contributo na própria delegação brigantina, de segunda a sexta-feira. "Não estamos numa situação de exigência. Aceitamos o que nos possam e queiram dar e apelo à boa vontade das pessoas para que nos ajudem", sublinhou Emília Oliveira.

Conforme esclareceu a coordenadora de Bragança, todos os dias há telefonemas de pessoas que perguntam se este ano há ou não ajuda, através dos cabazes de Natal mas, dada a escassez de alimentos, "terá que fazer uma triagem" e, por isso, certo é que as solicitações não poderão ser todas atendidas.

Assumindo que nem toda a gente que precisa de ajuda a pede, Emília Oliveira esclareceu ainda que, "infelizmente, ainda existe pobreza e vergonha escondida". Contudo, dado o meio pequeno em que vivemos, "há sempre um presidente de junta ou um vizinho que está alerta e referencia essas pessoas".

Natal é de aumento de pedidos mas Janeiro deverá ser mais complicado

À Cáritas Diocesana de Bragança-Miranda também têm chegado, por esta altura de Natal, mais pedidos de ajuda para resolver vários problemas, quer alimentares, quer de vestuário, quer até mesmo no que toca à compra de medicamentos e ao pagamento de despesas, como rendas, facturas de luz, água e gás.

Ainda assim, mesmo que este mês se note um aumento das solicitações de apoio, a directora técnica considera que o cenário se vai agravar, ou seja, que em Janeiro ainda mais pedidos surjam, devido ao aumento do custo de vida, que, segundo se prevê, no arranque do ano, complique mais a vida aos portugueses. "Daquilo que é a nossa experiência, em Janeiro temos um acréscimo de pedidos para pagamento de facturas domésticas. Está previsto que, no próximo mês, a energia aumente e eu acredito que os pedidos de ajuda vão assim aumentar nessa área", esclareceu Cristina Figueiredo.

Esta instituição, que "tem como fins a promoção da caridade cristã, da cultura, educação e a integração comunitária e social de todos os habitantes da comunidade onde está inserida", ajuda ao longo de todo o ano quem mais precisa. Não é só no Natal, nas festas e celebrações que a entidade está disposta a estender a mão a quem pede apoio mas, ainda assim, não acompanha por muito tempo pessoas ou famílias. Ou seja, a cáritas faz atendimentos pontuais de emergência e "o forte, neste momento, nesta quadra, é a ajuda alimentar", sendo que, "com a subida dos preços", têm surgido mais pedidos de ajuda para vestuário, roupa de cama, pagamento de despesas e medicamentos. "Temos tido muitos pedidos de apoio para compra de medicamentos. Tem havido um aumento, relativamente aos dois últimos anos. Os pedidos surgem muito pela parte de pessoas idosas", explicou Cristina Figueiredo.

Em termos de alimentos, a cáritas não recebeu ajuda do Banco Alimentar Contra a Fome entre os meses de Junho e Novembro, ainda que, durante esse tempo, tenham surgido várias solicitações, muitas delas de famílias de classe média, que começaram a ficar com as contas um pouco viradas do avesso. Neste momento, a entidade já volta a conseguir ajudar os mais necessitados nesse campo, uma vez que está novamente a receber alimentos por parte do banco.

E sim, além de quem já estava numa situação de carência económica, as famílias de classe média estão a sofrer bastante com a conjuntura que vivemos. "Essas pessoas não nos procuravam e agora procuram-nos, referiu a directora técnica da Cáritas Diocesana de Bragança-Miranda, que assumiu que "há muita pobreza escondida", muitas pessoas "envergonhadas".

Quanto a esta vergonha em procurar ajuda, Cristina Figueiredo esclareceu que considera que isto se deve ao facto de as pessoas não imaginarem chegar a situações que, por vezes, se chega. "Há pessoas que viviam bem, numa situação estável, conseguindo cumprir responsabilidades, mas, por infelicidade da vida ou fruto da conjuntura, deixaram de conseguir suportar as despesas que têm e começam a pôr tudo em causa. Muita gente chega a nós dizendo que nunca se imaginou num cenário assim", vincou ainda a directora técnica da entidade.

Ao contrário da delegação de Bragança da Cruz Vermelha Portuguesa, que assume que não conseguirá, este Natal, atender a todos os pedidos de apoio, a Cáritas Diocesana de Bragança-Miranda tem outra perspectiva. "Nós já fazemos uma seriação, ao longo do ano, conforme o grau de emergência da pessoa que nos procura, mas tentamos sempre dar resposta. Se não tivermos o banco alimentar, em situações de emergência, que envolvam agregados familiares com crianças, idosos ou pessoas em risco, temos verba, que tiramos das nossas receitas, para atender essas pessoas", terminou Cristina Figueiredo.

Jornalista: 
Carina Alves e Ângela Pais

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