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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Outono... um tempo simples

Por: Paula Freire
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)

Sentado num banco, entre as folhagens e as sombras despertas, pensa. Sim, ele ainda é capaz de pensar. Só os mortos deixam de o fazer. Enquanto for vivo, mesmo que as ideias lhe venham à cabeça, baralhadas ou dispersas, e mesmo que mais ninguém o compreenda, haverá espaço para o entendimento. Ainda que seja simplesmente o seu.

E o que pensa ele? Que há uma certa magia no encontro com as solidões do outono, quando o sol é ténue e morno. É um sol que ilumina sem aquecer e, por isso, quando o corpo lhe toca em tudo o que vive, reflete-se como num espelho onde ele se revela.
Experimenta a pulsação da estação como se bebesse instantes felizes do presente. Como se estivesse a saborear, com o prazer da lentidão, um cálice de um vinho amadurecido pela longa viagem e que degusta com agradável conforto.
Aprecia a memória de tudo aquilo que no passado o perturbou e hoje constata, com um riso de palhaço antigo que, afinal, lá onde foi e aconteceu, perdia-se demasiado em tolas ânsias de sofrer.
No outono, os olhos sobre as coisas são-lhe mais demorados. São como os olhos de um bicho atento.
Acarinha-se nas brevidades belas e descomplicadas e nelas descansa os sentidos.
As fervorosas certezas afloram-lhe na rugosidade das mãos onde o toque da ternura já só consegue ser naquilo que a pele esconde por dentro.
Fica calado. Contempla sem cismas. Para cá dos lábios consumidos pelas horas de muitos anos, não encontra dentes que saciem a fome, mas habita o sabor sábio de outros órgãos, como os da alma.
Tornou-se um poeta de si que se salva, todos os dias, pelo que ri dele próprio.
Não sabe quanto mede ou quanto pesa. Nem isso o preocupa, porque não lhe apetece chorar lágrimas secas sem sal.
E enquanto saboreia o vagar que se lhe oferece para contar as folhas que caem das árvores e no chão adormecem contentes, descobre que, por trás da luz caída do momento, vai espreitando um outro brilho. A claridade privilegiada do luar.
É um espanto que o inunda e, sem querer, tantas vezes, o leva a ser menino outra vez. Dispõe-se, por isso, a somar de novo as estrelas. São a essência que lhe alimenta um sonho.
E ri-se sozinho. Todos imaginam que os velhos não sonham. Mas ele sonha, sim. Ele acredita e ninguém disso queira fazer prova contrária, que ali, naquele fundo de céu negro a aparecer no horizonte, aguarda-o quem outrora o abraçou e amou como mais ninguém fez.
Um dia chamou-a de ‘minha andorinha’ porque lhe veio morar no coração numa tarde de primavera. Já não lhe sente o nome. Lá em cima, vê somente uma espécie de pássaro vestido de branco, com asas que respiram o ar que ele também acolhe. Confia que, mais cedo ou mais tarde, voltará a esse princípio.
É que os velhos descobriram que há um encanto nascido dos mistérios. Ciência que os novos ainda não alcançaram. Lembra-se de uma famosa e inteligente senhora, muito assertiva por sinal, que viveu lá para os lados da Áustria e que, certa vez, ditou uma sentença que ele leu e nunca esqueceu. Afirmou ela que é na juventude que aprendemos, mas é com a velhice que compreendemos. Ora aí está toda a verdade. É como a verdade dele. A sua crença é suficiente para o trazer feliz.
O outono é um tempo simples.
Agora, consciente de que amanhã não estará de partida para muitos lugares, espera a noite com tranquilidade. Quando ela chega, aninha-se sobre os pedaços que a vida construiu, sem lhe acrescentar diferentes paisagens porque ao fechar os olhos percebe, sereno, que lhe é permitido esquecer o futuro. Agora, por fim, pode sentir apenas a existência.


Paula Freire
- Psicologia de formação, fotografia e arte de coração. Com o pensamento no papel, segue as palavras de Alberto Caeiro, 'a espantosa realidade das coisas é a minha descoberta de todos os dias'.

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