quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Pequenas histórias do tempo passado

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Corria o mês de agosto e o ano era o de 1972. Era tempo de servir a pátria e eu era já cabo Para-quedista.
Um sábado por volta das 15:00 eu estava no Bar de Praças a apanhar o fresco, pois cá fora o tempo estava de calor com a particularidade de ser o dia da Abertura dos Jogos Olímpicos de Munique, na Alemanha. Como fizesse um calor que convidava à sonolência e o fim-de-semana estava a ser usado como tempo de repouso e por isso, a tropa tinha ido de fim-de-semana, ficando apenas os homens de serviço que ali continuavam com as obrigações inerentes ao regular serviço de um Regimento de Para-quedistas que se prezava dum nível elevado em todos os sectores da disciplina e capacidade de acção em todas as vertentes. Por isso mesmo fui uma vez mais escalado para um dia de trabalho ao sábado e aproveitei o tempo livre que tive após o almoço para relaxar no Bar de Praças que era fresco e bastante franco pois tinha sido construído a pensar num número de três mil militares em preparação e treino diário.
Estava eu sossegado no cavaco com alguns camaradas, quando o telefone toca e o Barman, assim lhe chamávamos em inglês chamou por mim e fez sinal com a mão para eu atender. Quando peguei no fone para responder, oiço a voz do meu cunhado informando-me do nascimento da minha filha mais velha. Fiquei petrificado, pois a minha experiência nesses assuntos era apenas de ouvir falar e parecia-me algo que eu não teria capacidade de resolver a bom gosto e com isenção.
Passou a preocupar-me como faria com a viajem para Bragança, pois em junho havia gozado as férias regulamentares e não sabia se me concederiam mais licença num tão curto espaço de tempo. Bom, mas isso só o saberia quando falasse com o Primeiro-sargento da Companhia, 1º Sargento Pára Rosa que apresentaria o caso ao Comandante de Companhia Capitão Pára Augusto Martins.
Estando eu de Serviço e sendo ainda tão cedo, resolvi caminhar até ao Bar de Sargentos onde estava destacado como responsável pela manutenção, o meu amigo Narciso Fernandes que sendo um pouco mais velho do que eu se movimentava facilmente quando era questão de desenrascanço, ou caso mais complicado. Fui assim ao Bar de Sargentos e estando tudo colado à televisão viu o meu sinal e veio falar-me. Como eu estava literalmente noutra dimensão logo ele me acalmou e após tomar conhecimento do facto, de chofre me fez uma proposta: a de eu quando às 20:00, fosse render os primeiros postos da noite e regressasse teria tempo de jantarmos juntos no Bar de Sargentos para comemorarmos, o nascimento da minha primeira filha e brindarmos pela sua vinda. Concordei e quando regressei da rendição fui ter com ele e qual foi o meu espanto, vejo uma mesa recheada de pitéus que o Narciso e o Coelho prepararam não sei como e qual bandeira hasteada ao vento uma garrafa de "Champanhe, fresquinho que foi uma delicia. Pode hoje passados que foram tantos anos parecer um acto banal, mas dadas as circunstâncias de ter sido feito no Bar de Sargentos e haver sempre um Sargento responsável e sempre presente é a prova que foi com o seu conhecimento e isso significa que era porque eles trabalhavam bem e os sargentos achavam que podiam confiar neles, pois nunca houvera abuso e devo reconhecer que o Narciso era (e é) um amigo daqueles que não se encontram por aí ao acaso. Antes foi o indicador absoluto de que era camarada de armas, daqueles que às vezes correm riscos que a parte beneficiada não consegue alcançar a dimensão.
O Coelho secundou o colega de trabalho e no fim do dia havíamos celebrado o nascimento da Bela duma forma menos clássica, mas com muita camaradagem à mistura.
Ao fazer esta revelação pública não pretendo outra coisa senão dizer a Narciso que há em mim uma gratidão que é pura e que eu sei que a minha filha Isabel também de certo modo está agradecida ao Narciso e ao Coelho e que pode como eu pensar que o Natal é quando o homem quiser.
No Natal de 72 vim a casa e foi o primeiro Natal com responsabilidades que ultrapassavam de longe as dos Natais anteriores e que foi um marco presente em todas as caminhadas da minha vida que todos os Natais rememoro.
Para mim tenho que somos todos iguais e todos diferentes, pois creio que haverá pouca gente que haja sentido o sentimento de um Natal em Agosto e mais, comemorado no Regimento de Caçadores Para-quedistas.



Bragança 20/12/2022
A. O. dos Santos
(bombadas)

Sem comentários:

Enviar um comentário