Ranchos Folclóricos
Num tempo em que os conceitos “aldeia global” e “globalização” assumem contornos algo preocupantes no que concerne à preservação das características essenciais e etnográficas da cultura popular do nosso povo, tornou-se necessário, cada vez mais, pôr em prática o que o etnólogo Jorge Dias defendia há décadas atrás:
“Temos obrigação de salvar tudo aquilo que ainda é suscetível de ser salvo, para que os nossos netos, embora vivendo num Portugal diferente do nosso, se conservem tão Portugueses como nós e capazes de manter as suas raízes culturais mergulhadas na herança social que o passado nos legou.”
Também José Leite de Vasconcelos, anos antes, chamava a atenção para o facto de que muitos usos e costumes, muitas tradições se estavam a perder, dizendo:
“Acudamos a tudo, enquanto é tempo! De ano para ano extinguem-se ou transformam-se muitas cousas e surgem outras de novo em vez delas. Com a implantação da República em Portugal acabou o beija-mão no Paço, o trajo da corte, o fardamento dos archeiros.
Não é preciso ser muito velho para notar grandes mudanças etnográficas sucedidas numa terra: quem vivendo hoje houvesse nascido nos meados do século XIX, lidou com cruzados, patacos e peças, viu a liteira, ouviu a sanfona – e nada disto existe hoje!
Os romances ou xácaras, como é sabido, vão a desaparecer na tradição… Empenhemo-nos por isso na investigação das tradições populares…”
Nos tempos de hoje, o chamado progresso ou desenvolvimento (conceitos que expressam realidades bem diferentes), através dos mass media, particularmente da televisão e, nos últimos anos, da internet, tem continuado a promover uma uniformização cultural à escala planetária, sem tomar consciência que assim está a destruir as especificidades culturais que caracterizam cada comunidade.
A intervenção dos etnógrafos, etnólogos, folcloristas e outros
Os etnógrafos, os etnólogos e os folcloristas têm tentado lutar contra a ação erosiva do tempo na memória das pessoas, bem como da ação nefasta do progresso científico e técnico que não respeita a pessoa enquanto ser único, portador de uma cultura própria, que o identifica com determinada comunidade e não o deixa confundir com um ser de uma comunidade cultural.
É neste sentido, que os Ranchos Folclóricos ou Grupos Etnográficos têm desempenhado uma ação meritória, e quantas vezes pouco reconhecida publicamente, na pesquisa, estudo, preservação e divulgação do património etnográfico-cultural das respetivas regiões.
Num labor constante, responsável e desinteressado, estes Grupos Folclóricos percorrem as aldeias, conversando com as pessoas mais idosas, numa tentativa de lhes fazer recordar vivências de tempos passados que urge preservar, e que constituem ou caracterizam muito do ser do nosso povo.
É por isso que o saudoso Dr. António Cabral não teve dúvidas em escrever que:
“Um grupo folclórico (ou rancho folclórico, etnográfico) é por inerência da sua constituição uma força ao serviço da investigação, defesa e promoção dos valores patrimoniais da comunidade em que se insere, no campo específico das tradições orais.
Orais e não só, na medida em que estas se articulam com registos escritos e materiais.
E é a pensar nisso que muitos ranchos folclóricos têm preferido a designação de etnográficos, ampliando assim os objetivos até à descrição atenta das manifestações culturais das populações, a nível regional, sub-regional e local.”
A autenticidade dos Ranchos Folclóricos
No entanto, nem todos os Grupos ou Ranchos Folclóricos (muitas vezes auto denominados de Etnográficos), apresentam com autenticidade os aspetos essenciais da cultura popular da região ou localidade que dizem representar.
Infelizmente, em primeiro lugar, para os seus antepassados, que devem andar às “voltas na cova” ao verem o ridículo da pseudo representação divulgada pelos seus descendentes.
Em segundo lugar, para as gerações vindouras, que não têm possibilidade de conhecer verdadeiramente as respetivas raízes culturais.
Finalmente, também, para quem, sendo de fora, vê e pensa que as manifestações culturais que está a ver são típicas e autênticas, mas, afinal, estão a comer “gato por lebre”.
A propósito, o Padre Luís Morais Coutinho escreveu no seu livro «Subsídios Históricos e Etnográficos do Alto Douro» o seguinte:
“Ao falar da dança etnográfica alto-duriense devo dizer que ela não escapa à destruição que por aí campeia como praga ou epidemia.
Grupos que se atribuem de Ranchos Folclóricos e nós não vemos de onde é o Folclore. O traje, a música, o ritmo e o gesto não dizem de onde são ou até dizem que não são. (…)
Dentro de alguns anos, os etnólogos vão ter tremendas dificuldades em separar o que é bom do que cheira mal…
Haja muito Folclore, mas do verdadeiro! Que possamos ver no traje, na música, no ritmo e no gesto a história do nosso povo! Que possamos ver as nossas raízes, afinal!”
Mais palavras, para quê?
Sem comentários:
Enviar um comentário