Em Serapicos, no concelho de Vimioso, distrito de Bragança, foi identificada a maior variedade de espécies de borboletas do país. Há cinco anos que Ângela e Isabel são voluntárias nos censos nacionais de borboletas. Uma ferramenta essencial para se perceber o estado do ambiente a partir dos insetos.
Rui Duarte Silva |
“Apanhei!!!”, grita Lucas. “É uma Carnaval!”. Está de joelhos no chão segurando a rede onde tem momentaneamente cativa uma borboleta. Espera que a bióloga Ângela se aproxime, para recolher cuidadosamente o exemplar para um frasco de plástico transparente, com uma lupa na tampa. A borboleta, um exuberante exemplar de cor preta, creme e pintas laranja, para finalmente de esvoaçar no cativeiro e deixa-se analisar. Confirmado: é uma borboleta-carnaval, nome científico zerynthia rumina. Poucos minutos depois, voltaria a voar.
É assim a cada dez dias. Entre março e setembro, Ângela Cordeiro, bióloga e especialista em borboletas, e Isabel Sá, engenheira do ambiente, percorrem o trilho junto às margens do Rio Angueira, em Serapicos, concelho de Vimioso, a contar borboletas. Hoje, tiveram dois entusiásticos ajudantes: Lucas, de sete anos, e Violeta, de onze. Estão em férias escolares e participam numa das atividades de sensibilização ambiental da associação Aldeia (de que Isabel é presidente) em parceria com o PINTA - Parque Ibérico Natureza e Aventura (em que Ângela é técnica).
“É uma iniciativa de ciência cidadã, onde marcamos os percursos como este de Serapicos. Fazemos saídas de campo para observação e contagem de espécies, que inserimos numa plataforma europeia que nos dá dados muito interessantes. Em fevereiro, estivemos em Avis, num encontro de contadores nacionais de borboletas diurnas, e este foi o percurso onde foram contadas mais borboletas em número de espécies”, explica Isabel Sá. “Nas diurnas temos à volta de 137 espécies em Portugal. Nós aqui temos 60”, precisa Ângela Cordeiro.
Lucas com a borboleta da espécie Carnaval no seu cativeiro momentâneo. RUI DUARTE SILVA |
Os censos de borboletas de Portugal são feitos por voluntários a nível nacional e coordenados pela associação Tagis. Qualquer pessoa o pode fazer e a bióloga garante que não é difícil. Basta descarregar a aplicação ButterflyCount e anotar as observações seguindo a metodologia indicada. Há um guia, disponível na página da Tagis, que ajuda a identificar as espécies, e que em Serapicos esteve permanentemente a ser folheado. Além disso, naquele lugar existe uma estação da biodiversidade, com informação sobre a relação dos insetos com as plantas, para dar apoio aos visitantes. O percurso segue a beira do rio, numa zona de piquenique que, não tardou, a servir de pasto a um rebanho de ovelha churra galega mirandesa.
Violeta traz um boné preto com uma borboleta cor-de-rosa. Quer ser ser professora de ioga e “dobradora de filmes”, porque tem o sonho de ouvir a sua voz numa animação da Disney, mas sempre que pode anda nas atividades no campo. Também vai desfraldando a sua rede ao vento até que apanha uma borboleta, que pousara num tronco, na tentativa de passar despercebida: uma Policlorus. “É castanha, porque pousa muito nos troncos para se camuflar. Mas é muito colorida por cima”, vai dizendo Ângela, rodando o frasquinho.
Violeta e Lucas perseguem as borboletas com as redes. Depois de capturadas, são analisadas e voltam a ser libertadas. RUI DUARTE SILVA |
O que nos dizem as borboletas?
Ângela regista numa folha a temperatura, velocidade do vento, data, hora, e o número de indivíduos e de espécies identificados. Os entusiastas apanhadores de borboletas continuam a sua correria saltitante. Isabel explica que esta é uma atividade que pode ser feita por famílias, e toda a gente adora: “Os adultos, quando se apanham com uma rede na mão, dá-lhes um gozo que a seguir querem ser eles”.
Mas mais do que uma atividade lúdica, contar borboletas é, também, contribuir para avaliar o estado do ambiente. “A presença ou ausência de borboletas é um indicador do comportamento dos insetos. Se não houver insetos, os animais que se alimentam de insetos também vão falhar, e esse tipo de interações pode estar em declínio. Estamos a dar conta a nível ambiental do declínio dos insetos, especialmente os polinizadores de que as borboletas fazem parte”, explica a bióloga. É uma tendência mundial que em Portugal se vai aferir com rigor a partir destes censos.
Desde que começaram os censos de borboletas diurnas, em 2019, já se contaram mais de 43 mil borboletas a nível nacional. Em Serapicos, foram contabilizadas 634 indivíduos em 2020, 721 em 2021 e 655 em 2022. A contagem prossegue este ano. Ainda é cedo para conclusões, explica a bióloga. Só com dados de uma década será possível fazer uma análise rigorosa.
Um guia ajuda a identificar as espécies de borboletas. Rui Duarte Silva |
“Apanhei!” exclama novamente Lucas. Todos se dirigem para sua rede onde está cativa uma borboleta azul. Esta demorou um pouco a identificar porque há muitos tons de azul. Ângela deu o veredicto final: “é a celastrina argiolus azul-celeste”. Confirmado no livrinho, anotado no papel, abre-se o frasco e a celastrina voa outra vez.
Na aldeia do concelho de Vimioso já se habituaram àquela rotina e ninguém estranha as redes brancas a esvoaçar e as pequenas rodas de gente debruçadas sobre uma borboleta. Qualquer pessoa pode participar nestas atividades, bastando inscrever-se no PINTA (cujo centro de acolhimento promove várias atividades e dá uma visão geral do concelho).
“É uma Pandora!”, ouve-se mais à frente.
“Uma borboleta da couve!”
“Uma ponta laranja!”
Está um dia perfeito para contar borboletas: Calor (cerca de 20 graus Celsius) e pouco vento. “Em Trás-os-Montes, em abril, não temos ainda muitas borboletas a circular. No Sul do país já há mais. Temos 15 dias a um mês de diferença. As borboletas que estão a aparecer aqui agora ocorreram 15 dias a um mês antes no Sul, por causa do clima. Aqui a Primavera demora um bocadinho mais a surgir”, explica a bióloga.
No regresso do percurso, fazem-se as contas: em meia hora observaram-se sete espécies diferentes e foram contabilizados 19 indivíduos. A atravessar a ponte sobre o Rio Angueira, o grupo depara-se com duas ovelhas acabadas de nascer no rebanho que ali pastava. A Primavera tarda, mas não falha.
Isabel Sá, da associação Aldeia. RUI DUARTE SILVA |
Sem comentários:
Enviar um comentário