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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 18 de abril de 2023

Peripécia 5 : Urina em vez de aguardente

Por: Luís Abel Carvalho
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Peripécias de um Penalbilhas na Escola Industrial de Bragança
Não sei se já referi, mas se disse volto a dizer, o penalbilhas adorava aguardente. Era, de longe, a sua bebida preferida. Cerveja, só por um acto de amor, como vimos numa peripécia anterior. (Rima e é verdade!). E eu, tal lapa, comecei também a gostar daquela bebida multi-funções: lembremo-nos de que a medicina se socorria desse líquido de sabor único, como anestésico. Aliás, segundo informação credível, foram os Egípcios a utilizar os vapores de líquidos fermentados e aromatizados para a cura de diversos tipos de moléstias. No entanto, foram os Árabes a construir os primeiros alambiques, tal como os conhecemos hoje em dia, mas foi com a expansão do Império Romano que a aguardente (água que pega fogo), chega à Europa. Mais tarde – como quase sempre -, aparecem os oportunistas e alquimistas que lhe atribuem propriedades místico-medicinais. (Água de longevidade e elixir de longevidade!). Inclusive, foi considerada a 5ª essência, sendo as quatro primeiras a Terra, a Água, o Ar e o  Fogo. (A minha saudosa Avó materna, usava-a com frequência, em qualquer dor, esfregando com intensidade).
     Penso que foi o Augusto que um dia levou duas garrafas do vinícula e ofereceu-as ao penalbilhas.  Não sei se por indução ou bajulação, todos quiseram contribuir para o rápido esvaziamento das garrafas de vidro escuro. Era o carneiro moncoso que decidia quem poderia ou não beber. Uma delas foi para nós que, a bem dizer, foi para ele, porque eu pouco bebi! A outra foi distribuída por aqueles seleccionados por ele. Quando se esvaziaram, muitos lamentaram o facto e ficaram até, desconsolados e tristonhos, fazendo beiça como as crianças.
     Na manhã do dia seguinte, muitos perguntaram se não havia mais.  “À tarde trago eu uma, ainda melhor do que a de ontem“, disse o cara de cú à paisana, que já tinha pensado na marosca. Fomos todos almoçar, cada um em sua casa e, enquanto esperávamos no recreio pelo toque da campainha, disse o enxalmo, mostrando clandestinamente uma garrafa.  “Esta é que é boa. Muito melhor do que a d´ontem.  “ Dá-m´amim, dá m´amim “- pediam muitos em coro.
  -  Não senhor. O primeiro a beber é o Simão que ontem não bebeu – disse amigavelmente, passando-lhe a garrafa.
    Logo o Simão pôs aquele sorriso parvo, na cara cheia de espinhas e pegou na garrafa. Levou-a logo à boca e bebeu uns goles com sofreguidão para, logo de seguida, atirar a garrafa ao chão e cuspir com nojo, o terrível líquido. “Isto no é aguardente! Isto é mijo!” – Dizia desesperado, cuspindo forte e limpando a boca à mão. Foi um espectáculo humilhante e avassalador. Simão já sofria de “bulling”, como se diz agora. E naquelas idades, por vezes, eram brincadeiras e partidas selvagens, chegando até a ser desumanas. A juventude passa por esta fase parva e cruel, sem nenhuma necessidade.  Ou talvez não. Porventura, fará parte do “Genoma Humano“! Provavelmente, no ser humano também está inscrito o algoritmo idêntico ao das plantas, que determina quando deverão perder as folhas e quando deverão “produzir“ a flor e, consequentemente, dar o fruto. Talvez estejamos equivocados da superioridade do ser humano em relação ao ser vegetal. A “inteligência“ está em todos os seres vivos da Natureza: o Homem, enquanto não aceitar isso e enquanto continuar a insistir na ilusão estúpida de que é o único com inteligência, irá fazer figura de idiota, ad eternum. E quem sabe se para gáudio dos outros animais que povoam a Terra!
     Simão foi para a casa de banho vexado, lavar abundantemente a boca com água, debaixo de humilhantes, bárbaras e sonoras gargalhadas.
     Ao toque da campainha, fomos todos para a aula de Matemática, cujo professor – e vice-director da Escola – era o Dr. Genésio, por quem todos os alunos tinham o maior respeito e consideração.
     Claro que a maioria não esquecia o sucedido, apesar do apelo do penalbilhas para nada dizerem. Entrámos todos ainda com sorrisos irreprimíveis e infantis, situação que o Dr. Genésio notou de imediato.
    - Porquê essa boa disposição toda? Não querem partilhar? – Perguntou com curiosidade.
    -  Não é nada, Sr. Doutor – apressou-se o penalbilhas a esclarecer.
    - Hum...Qualquer coisa se passa. Contem, que também gosto de me divertir – insistiu perante os risinhos indisfarçáveis de todos nós.
    - Que conte o Simão – disse um deles não pegando no riso.
    - Então conte lá, Sr. Simão. Qual é o motivo de tanta graça?
    -  Oh...Foi o penalbilhas que m´enganou – disse corado que nem um tomate.
    - Enganou-o, como?
    - Deu-m´a buber duma garrafa que disse qu´era augardente e era mijo.
    - Urina? – Perguntou incrédulo.
    - Sim,  Senhor  Doutor. E óspois, eu bubi – disse com a maior das inocências.
    - Ah... Então o Simão óspois, bubeu...?! – Perguntou com ar brincalhão.
    - Bubi sim, Senhor Doutor.
    - Muito bem...Então bubeu!! – disse em tom sério, não querendo humilhar ainda mais o Simão, mas em gozo íntimo, disfarçado.
     Gargalhadas de toda a turma, até da serena e calada Natália.
     Aquilo morreu ali, com a satisfação de todos, inclusive do Dr. Genésio, com a nossa jura de que não contaríamos a ninguém, para o Director da Escola não saber.
    O Dr. Genésio era um ser humano que distinguia a vaidade do essencial! Foi ele que me ensinou a gostar ainda mais da Matemática.

Fontes de Carvalho

Fontes de Carvalho
, pseudónimo de Luís Abel Carvalho, nasceu no Larinho, uma aldeia transmontana do Concelho de Torre de Moncorvo, Distrito de Bragança. É o filho do meio de três irmãos.
Estudou em Moncorvo, Bragança e no Porto, onde se formou em Engenharia Geotécnia. É casado e Pai de três filhos.
Viveu no Brasil, onde passou por momentos dolorosos e de terror, a nível económico e psicológico. Chegou a viver das vendas de artesanato nas ruas e a dormir debaixo de Viadutos.
No ano de 1980 e 1981 foi Professor de Matemática em Angola, na Província de Kwanza Sul, em Wuaku-Kungo. Aí aprendeu a desmistificar certos mitos e viveu uma realidade muito diferente da propagandeada.
Em Portugal deu aulas de Matemática em diversas cidades, nomeadamente em São Pedro da Cova, Ponte de Lima, Cascais (na Escola de Alcabideche, onde deu aulas aos presos da cadeia do Linhó), Alcácer do Sal, Escola Francisco Arruda e Luís de Gusmão, em Lisboa. Frequentou durante quatro anos, como trabalhador-estudante, o curso de Engenharia Rural, no Instituto Superior de Agronomia.
Em 1995 fundou a empresa Bioprimática – Reciclagem de Consumíveis de Informática, onde trabalha até hoje como sócio-gerente.

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