quinta-feira, 6 de abril de 2023

Público do Teatro de Bragança desafiado a pôr-se na pele de surdos e invisuais

 Não se sabe quantas pessoas têm incapacidade visual e auditiva no distrito de Bragança. O problema foi levantado na sequência do espetáculo "Língua", da Companhia Estrutura, que subiu ao palco do teatro municipal desta cidade na noite desta quinta-feira, utilizando a Língua Gestual Portuguesa como veículo primordial de comunicação em que a maioria da assistência foi confrontada com o lugar do outro, ou seja dos que não veem, nem ouvem.


A iniciativa contou com a presença de um grupo de cerca de 20 pessoas invisuais e surdas, mas a organização acredita que podiam ter chegado a mais gente. "Não há uma recolha de dados em Bragança. Há pouco conhecimento também a nível nacional, mas em Bragança é ainda pior. Há pouca informação das autoridades daqui sobre onde estão estas pessoas e, quando se sabe onde estão, também é difícil trazê-las cá [TMB]", explicou Cláudia Martins, professora de Inglês e investigadora do Instituto Politécnico de Bragança, salientando que os surdos "não se isolam, foram obrigados a ficar isolados".

Joana Cottim, professora de LGP e atriz principal do espetáculo "Língua", é um dos três atores surdos a trabalhar em Portugal, e elencou uma série de constrangimentos que estas pessoas enfrentam no quotidiano. "Estou em palco para dar espaço à minha língua, para a mostrar e para lhe dar espaço. É importante estimular a acessibilidade no teatro, na arte e na cultura, mas é preciso que isso seja feito de uma forma boa porque não é só fazer Língua Gestual e já está. É preciso perceber como se faz a LGP e como é que chegamos às pessoas surdas", revelou Joana Cottim.

A atriz quer ainda chamar a atenção para a cultura e para a comunidade surda. "Também mostrar que existem vários movimentos de opressão sobre estas pessoas que, antigamente, eram obrigadas a oralizar, mesmo que não conseguissem e eram discriminadas. A surdez não é uma deficiência, é um direito cultural e linguístico", afirmou Joana Cottim, pela voz da tradutora, pedindo mais respeito pela comunidade surda. "É um direito. Devem ter acesso à educação, à cultura, ao teatro, à música e à arte. Isso é importante tal como perceber que não há nada sobre nós, sem nós. Esta peça é algo que nós construímos juntos", sublinhou.

O espetáculo foi dos mais inclusivos que subiu ao palco do Teatro Municipal de Bragança, porque contemplou Língua Gestual Portuguesa (LGP), projeção de legendas (para quem não domina a LGP), tradução e audiodescrição para invisuais.

José Nunes, um dos diretores da Companhia Estrutura, explicou que o espetáculo é bilíngue e que "a língua gestual passou para a primeira linha e não ficou remetida a um cantinho, passou para o centro de cena".

A peça foi antecedida de uma visita tátil e o público invisual "teve oportunidade de falar com os atores, de sentir as roupas e o próprio corpo dos participantes", descreveu Cláudia Martins que, desde 2018, vem trabalhando na acessibilidade para todos no mundo das artes em Bragança, no âmbito de um mestrado do IPB e que que atualmente já se estendeu a Mogadouro, Foz Côa, Mirandela e Penafiel.

O espetáculo "Língua" é o culminar do Projeto "Cultura para Todos", que o Município de Bragança tem em curso. "Já tivemos seis espetáculos de acessibilidade, com LGP audiodescrição e legendagem em português. Este tem a tónica no oposto, que é o de colocar o espetador ouvinte no lugar do outro, daquele que é surdo", descreveu o diretor do Teatro Municipal de Bragança, João Cunha.

Glória Lopes

Sem comentários:

Enviar um comentário