Tenho começado vezes sem conta esta minha croniqueta, e volto sempre à estaca “0”! A realidade ultrapassa todas as ficções possíveis! Parece que chegámos ao pleno exercício do mais completo non sense, do mais completo absurdo mas, infelizmente, parece que se pode ir sempre mais longe! Todas as argoladas, todas as boutades, todas as mentiras, todas as verdades têm cabimento!
O exercício do poder e do contrapoder parece um jogo de espelhos ou, mais modernamente, um jogo de consola em que, quando se perde o jogo, se carrega num botão e tudo se reinicia milagrosamente como se não houvesse passado. Numa frase, o disparate é livre e sem responsabilidade! Sem entrar em detalhes, lembro tudo o que os partidos com assento na assembleia já disseram sobre o governo e os governantes, e tudo o que o governo e o partido do governo já disseram sobre os outros partidos e os seus dirigentes. E fiquemo-nos por aqui!
Há dias ou/vi um comentador político (uma tribo cada vez mais extensa e sábia…) sentenciar que “faltam pesos pesados no Governo”. Acho que ele tem razão, mas peca por defeito: faltam pesos pesados em toda a parte do universo político português, e até fora dele! Pode ser de mim, mas este mundo é-me estranho, desagradável, deselegante e muito pouco credível. Tenho a desconfortável convicção que uma parte da minha geração, na ânsia de intensamente viver a paz e a liberdade a tragos descuidados, deficientemente transmitiu aos vindouros que essa liberdade pressupunha, entre outras coisas, responsabilidade e respeito cívico. Outra parte da minha geração, porque limitada durante toda uma vida por preconceitos e tratamentos pessoais da maior rudeza pelos empregadores e pelo próprio Estado, confundiu essa nova liberdade com permissividade e transformou a raiva que legitimamente sentia em direito de injuriar e maltratar tudo e todos. Numa frase, foi como se o país tivesse descoberto que deixava de poder insultar e chamar nomes só aos árbitros de futebol (o grande escape de expressão de raiva durante o fascismo), para passar a poder fazê-lo indiscriminadamente a toda a gente, independentemente da sua posição social.
Nós, jovens ou menos jovens adultos à época do 25 de Abril, tínhamos noção que a política era uma parte da vida. Enquanto uns desafiavam o poder e arriscavam a própria liberdade, outros atemorizadamente se refugiavam numa frase então muito comum: “A minha política é o trabalho…”
Com o 25 de Abril, tudo isto mudou: a política estava na ordem do dia, toda a gente tinha opinião e podia (e devia) exercê-la, e os partidos políticos nasceram (ou cresceram) como cogumelos. E porque todos tinham direito à política, havia em todos os partidos secções chamadas genericamente “Juventudes” para os mais novos, a quem chamávamos “Jotas”. Estamos hoje confrontados, pela primeira, com uma casta de políticos formados nessas juventudes partidárias desde a mais tenra idade e que por isso, do mundo real, têm apenas uma ligeira noção.
Quem tinha vinte aninhos no 25 de Abril, tem agora 70 e portanto, está a sair da vida activa, partidária ou política. São os hoje chamados “pesos pesados”! Os que agora estão a chegar ou já chegaram, são maioritariamente produto dessas máquinas políticas em que a visão do Mundo é filtrada pela lógica partidária dos partidos a que pertencem e juntamente com eles enfermam, sem disso tomarem grande consciência, de inúmeras insuficiências políticas e ideológicas. Ao contrário de quem se formou politicamente por si e na vida de todos os dias, através de leituras, de discussões e da própria vida, todos estes antigos jotinhas vêm a vida e todas as suas manifestações políticas filtradas pela visão do partido a que pertenceram desde cedo e dificilmente chegarão a “pesos pesados”. São esses políticos que agora encontramos nos diferentes níveis da governação, da vida partidária, dos sindicatos ou das associações profissionais. São normalmente exímios no uso das palavras e das meias palavras, no abuso de dúbios sentidos e de sentidos duplos, na arte de prestidigitar o que disseram ou que deveriam ter dito. Têm, não obstante, uma grande dificuldade em assumir responsabilidades e, ainda mais, de assumir falhanços ou erros. Na ânsia de serem populares, colocam-se frequentemente em posições de grande fragilidade, abrindo assim caminho ao populismo sob todas as suas formas, mas sem sequer disso tomarem consciência. Frequentemente, vemo-los alijar responsabilidades políticas próprias sobre outros de menor ranking ou importância partidária, num frenesi bacoco de sobrevivência política, custe o que custar e a quem custar!
Acho, por isso que vivo/vivemos num universo muito perigoso! Embora sem grande esperança, espero que se tolham estes procedimentos e se recue nestes perigosos caminhos, antes que seja demasiado tarde.
O perigo espreita na forma de populismos vários, teoricamente aliciantes mas muito traiçoeiros. E os “velhos” jotinhas, graças à sua vivência sempre em círculo fechado, não parecem estar preparados para lhes resistir! A ver vamos!
"O exercício do poder e do contrapoder parece um jogo de espelhos ou, mais modernamente, um jogo de consola em que, quando se perde o jogo, se carrega num botão e tudo se reinicia milagrosamente como se não houvesse passado." Excelente texto...
ResponderEliminar(...) -Senhor autor deste texto, estou de acordo consigo. Nas últimas décadas os jovens destas máquinas partidárias, "são MUITO FORMATADOS mas, QUASE NADA formados", (...) destinam-se a servir sem "tugir nem mugir", quem os alimenta, chegam ao poder sem terem sentido as responsabilidades, não fizeram ou criaram nada, nas empresas; como tal (muitos deles!), são ineptos. Assim, os melhores emigram, são os que sentem que podem e sabem fazer e criar lá fora. A nossa economia é defraudada, e como tal; todo nós o Povo de Portugal.
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