quarta-feira, 21 de junho de 2023

CONVENTO DE SANTA CLARA

 
A 8 de Dezembro de 1569 benzeu o bispo de Miranda, D. António 
Pinheiro, solenemente o sítio para o convento de freiras de Santa Clara, debaixo do título de Nossa Senhora da Conceição, e não Assunção, como traz o padre Carvalho (464), no «campo da cidade chamado de traz das casas do Sprito Santo» e o pedreiro «Guaspar de Morim poz os marquos e começo da dita casa e abrio os alicerces» (465).
Por Provisão do mesmo bispo, dada em Bragança aos 3 de Novembro de 1571, declarou ele à câmara de Bragança e oficiais dela por padroeiros lídimos do dito mosteiro ex dotatione et fundatione, porquanto a dita destinara seis mil cruzados para ele se fazer, dando-lhe além disso o terreno e juntamente cerca, pomar e horta, como tudo consta do auto de obrigação feito aos 9 de Fevereiro de 1568 «na cidade de Braguança dentro no castello da dita cidade onde pousa o senhor Bispo D. Antonio Pinheiro»(466).
O título de padroeira, além do direito de apresentação, conferia à câmara o privilégio de se assentar em cadeiras nas festividades solenes celebradas na igreja do convento, o que nem sempre lhe foi respeitado, como se vê por um requerimento desta feito ao rei Filipe, para que, vistos os títulos que disso apresentava, declarasse por resolução régia tal direito em vigor, pois «houvera algumas pessoas que erradamente quizeram notar ouzarem elles supplicantes das taes cadeiras em dia de Santa Clara proximo passado» (467).

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(464) COSTA, António Carvalho da – Corografia Portuguesa, a quem seguiu João Maria Baptista, na sua Corografia Moderna do Reino de Portugal.
(465) Memórias Arqueológicas do Distrito de Bragança, documento n.º 100, tomo III, p. 221.
(466) Ibidem, documento n.º 99-B, p. 215.
(467) Memórias Arqueológicas ..., documento n.º 99-E, tomo III, p. 221.
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No verso deste requerimento vem o despacho régio de 24 de Janeiro de 1632, onde reconhece a subsistência do privilégio, que em 13 de Maio do mesmo ano declarou em régia provisão (468).
Em virtude do direito de padroado, pelos anos de 1721 a câmara nomeava cinquenta e um lugares, a saber: quarenta e cinco de véu preto, dois de branco e quatro de educandas.
A câmara de Bragança, além do padroado do mosteiro de Santa Clara, tinha mais o das capelas de Santiago, S. Sebastião, Nossa Senhora do Loreto e igreja de S. Jorge (matriz de Vila Nova), com obrigação de fazer nesta a festa pelas razões ditas no lugar próprio (469).
Deve ter relação com estas pretensões e contestações o facto relatado por Pinheiro Chagas (470) que diz que em 1663, em Santa Clara de Bragança, Diogo de Figueiredo Sarmento, nas Endoenças, estando o Sacramento Exposto, ensanguentou o templo crivando-o de tiros de espingarda.
A 15 de Outubro de 1585 comprometeu-se o bispo de Miranda D. Jerónimo de Meneses a «fazer byr a esta cidade (de Bragança) certas freyras para começar hum mosteiro de freyras em esta cidade que se ham de meter e prymeiramente na casa da misericordia dela entretanto que se acaba de fazer ho mosteiro nobo que para ellas esta começado», a câmara a dar às mesmas durante vinte anos em cada um 50$000 réis aos quartéis, a concluir-lhe o mosteiro no mesmo período de tempo, e as freiras seriam obrigadas a «tomar as filhas dos cidadãos desta cidade (de Bragança) por cento e quarenta mil rs cada huma e mais não se lho naom quiserem dar» e a darem despejada a casa da Misericórdia dentro em dez anos, para continuar com o seu destino próprio.
Também nessa ocasião, o mesmo bispo se obrigou a dar outros 50$000 réis cada ano às mesmas freiras enquanto o fosse da diocese, e em seu nome e no dos seus sucessores aceitou ser o ordinário delas.
Ainda há uma cláusula neste contrato onde declara que os 140$000 réis com que as freiras eram admitidas se entende não tendo elas mais de legítima, pois, neste caso, levariam tudo ao dito mosteiro(471).

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(468) Ibidem, documento n.º 99, p. 220.
(469) BORGES – Descrição Topográfica ..., «Regalias que tem a camara desta cidade».
(470) CHAGAS, Pinheiro – História de Portugal popular e ilustrada, vol. VII, p. 247.
(471) Memórias Arqueológicas ..., documento n.º 97, tomo III, p. 207.
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Lê-se neste documento esta cláusula: «houtro sy terem carta (os membros da câmara) e oyso da. Senhora. donna. catrynna. admenistradora do estado desta cidade» de Bragança. Portanto, D. Catharina não foi a fundadora do convento, como trazem Carvalho da Costa, João Maria Baptista em suas obras e outros, mas sim a câmara: apoiou simplesmente a sua construção.
Por outro documento feito em 1586 declara-se que a obra total do convento importaria em 15 000 ou 16 000 cruzados e que já então algumas freiras estavam em Bragança na casa da Misericórdia (472).
Ainda por outro documento, onde se encontra uma obrigação contraída pela câmara com as freiras feita a 23 de Novembro de 1585, vê-se: que os cem mil réis haviam de ser dados a estas durante vinte anos «se tanto durasse o não terem ellas outra cousa de que se posão muito bem sustentar»; que se o bispo não desse a parte que prometera (50$000 réis) seria dada pela câmara; e que o chão do Cabeço da Cidade (hoje chamado Cabeço das Freiras, de que também a dita havia feito doação às freiras) costumava então render cento e cinquenta medidas de pão cada ano; e que as freiras que então havia, isto é, as que vieram para estabelecer a fundação, eram quatro(473).
No mesmo livro que temos seguido intitulado Manuscritos Antigos, existente no arquivo da câmara de Bragança, pág. 97, vem a escritura feita entre a câmara e os pedreiros para a construção da igreja do mosteiro. É um documento que devia ter valor para a história da arte portuguesa: infelizmente, está a desfazer-se de podre, mais ainda que os antecedentes, e não se pode ler todo.
Ainda assim, vê-se que foi celebrada a 10 de Dezembro de 1596, sendo artistas construtores Afonso Gonçalves e António Gonçalves, irmãos, pedreiros, moradores em Bragança, que a justaram à razão de 1$750 réis por braça, de pedra, cal e argamassa e quatro palmos de largura, sendo a cantaria empregada paga à parte.
A obra de madeira do mosteiro foi arrematada aos 29 de Janeiro de 1590 pelos carpinteiros Tomás Pires, Jerónimo Gonçalves e Pero Gonçalves, naturais de Bragança(474). Uma das condições do contrato era que certos entablamentos haviam de ser como os do mosteiro de S. Francisco da cidade de Bragança.

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(472) Memórias Arqueológicas ..., documento n.º 98, tomo III, p. 209.
(473) Ibidem, documento n.º 99-A, p. 212.
(474) Ibidem, documento n.º 100, p. 221.
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Com a data de 26 de Novembro de 1586, há no já citado livro, um documento ou contrato celebrado entre as freiras e câmara sobre o enxoval das mesmas.
Segundo ele, as filhas dos cidadãos que entrassem no mosteiro, além dos 140$000 réis, deviam levar mais «duas camas de roupa. h~ua para tal freyra. e outra para enfermary / e a da enfermarya seram dous colchões e dous cobertores hum branco e outro azul e dous traveseiros e duas allmofadas com cada hum duas camisas e coatro lemçõis / e a cama para a dita freyra e duas arobas de cera – S – h~ua a entrada e outra no tempo do fazer da profisaom e asy mais darem do propinas a ela abbadesa dous cruzados e a madre vigaira seis centos rs has freyras profesas que no dito conbento houber quatro centos rs e as nobiças (475) duzentos rs / e a samxpãa h~ua peça qual quiserem os dotadores e ao capelão seis centos rs / e ao samxpão [sacristão] abendoo hum cruzado / e asy mais treze mill rs em dinheiro para o anno do nobiciado a cada freira / e pera o dito anno ho bestido e callçado que lhe for necesaryo / e semdo caso que no dito combento entrem moças piquenas que seja necesaryo andar no dito mosteiro mais que hum anno sem fazer profisaom por não ter ydade para yso lhe daraom. cada hum anno hathe que faça ha dita profisaom os ditos trese mill rs» (476).
As freiras estiveram na casa da Misericórdia desde 1586 até 1598, em que foram para o novo mosteiro(477).
«Em 1595, diz a Crónica Seráfica, por ordem do duque D. Theodosio de Bragança sahiram do convento de Villa Viçosa para o de Santa Clara de Bragança, com o titulo de reformadoras, como dizem as memorias do mosteiro de Villa Viçosa, ou com o de fundadores, como escreve o Chronista da Santa Provincia de Portugal, as madres sorôr Maria das Chagas, por abbadessa, sorôr Catherina do Espirito Santo, por socia ou porteira, e sorôr Antonia de Jesus, por vigaria da casa (478).
A opinião de que estas religiosas foram por preladas e não por reformadoras parece ter seu lugar, porque uma casa que ainda estava muito nos seus principios pouco teria que reformar, mas se attendermos ao que se tem n’outros mosteiros, não haverá tanta implicancia n’estes titulos.

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(475) A cópia de 1715 traz: «pella anoviciar duzentos reis».
(476) Manuscritos Antigos IV, p. 67. Memórias Arqueológicas..., documento n.º 99-A, tomo III.
(477) BORGES – Descrição...
(478) Era natural de Vila Viçosa, onde faleceu no Convento da Esperança em 1605, como diz O Portugal Antigo e Moderno, vol. XI, p. 1161.
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Nem a palavra reforma suppõe sempre relaxação, porque bem póde haver correcção de costumes sem o vicio de grande relaxação.
A madre sorôr Antonia de Jesus padeceu suas contrariedades, na pouca acceitação de seus conselhos, que, como era ovelha de outro rebanho sempre havia de encontrar repulsas das que presumiam estarem senhoras da sua casa. Foram ao principio mal acceitas, porque similhantes emprezas sempre causam novidades» (479).
A História Seráfica nega que soror Maria das Chagas viesse com o título de reformadora para Bragança (480), pois segundo ela dizia «apenas encontrara algumas ninharias que reprehender». Seria a humildade da madre, o não querer censurar ninguém, que a levava a dizer isto, ou floresceria realmente no convento a virtude? Porém, da carta do duque de Bragança, D. Teodósio, de 29 de Outubro de 1595, referente ao assunto, vê-se claramente que vieram por reformadoras (481).
Soror Maria das Chagas morreu a 11 de Maio de 1631 no Mosteiro de Vila Viçosa e não no de Bragança, como traz por engano o Ano Histórico(482). Foi dotada de extrema virtude, humildade, caridade e penitência; teve o dom profético e fez milagres, segundo dizem as crónicas.
A História Seráfica traz como freiras fundadoras do convento de Santa Clara de Bragança soror Filipa da Assunção, abadessa, soror Paula das Chagas, vigária, na companhia das quais, por serem de grandes virtudes, soror Isabel do Espírito Santo e soror Brites da Assunção, naturais do Porto, de cujo convento de Santa Clara procediam todas, e as duas primeiras naturais de Braga.
Tornaram depois todas para o Porto, onde todas faleceram, tendo ainda segunda vez a abadessa empunhado o báculo do mando em Bragança (483). Estas quatro foram as primeiras freiras claras que vieram para Bragança em 1586 ou pouco antes, como se vê do documento n.º 99-A do tomo III das Memórias Arqueológicas.

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(479) BELÉM, Jerónimo de, Frei – Crónica Seráfica, parte IV, livro XIX, cap. XX, p. 198.
(480) ESPERANÇA, Manuel da, Frei – História Seráfica…, parte IV, cap. II, n.º 11, tomo V, p. 5 e 8.
(481) BORGES – Descrição..., onde se encontra transcrita por inteiro.
(482) BELÉM, Jerónimo de, Frei – Crónica..., parte IV, livro XIX, caps. XXXV a XLLX. CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano, ao dia 11 de Maio.
(483) ESPERANÇA, Manuel da, Frei – História Seráfica da Ordem dos Frades Menores de S. Francisco na Província de Portugal, livro V, cap. XXXIV.
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seguinte carta régia de 29 de Abril de 1687 (484) mostra o estado interno do convento: «Eu el rei, como Administrador da pessoa, e bens da Infanta minha sobre todas muyto amada, e prezada filha Duqueza de Bragança. Faço saber aos que este virem que havendo respeito a me reprezentarem a Abbadessa e Religiozas do Convento de Santa Clara da cidade de Bragança que os Serenissimos duques do dito estado, meus antecessores mandarão fundar aquelle convento e o dotaram com cem mil reis de renda cada anno pagos pela Camara daquella Cidade com condição de entrarem sómente nelle quarenta e cinco freyras de veo preto filhas e netas dos cidadons della na forma da carta del Rei meu Senhor e Pay que santa gloria haja de vinte e nove de Agosto de mil seiscentos e quarenta e oito somente com o dote de cento e quarenta mil reis. que como era tão limitado não podião acudir ás ruinas com que se achava o dito Convento por se lhe tomar hum dormitorio e muyta parte da cerca para as muralhas e trincheyras no tempo da guerra com Castella, que não podem reedificar nem levantar o Coro que está cahido por não terem mais rendas que os ditos cem mil reis e mil alqueires de pão (a terça parte centeyo) que comprarão com os dotes das Religiozas que não basta para as sustentar, o que tudo me constou ser verdade... e que a de que necessitava o dito convento era alargar o dito Coro e fazer portaria e casa de Provizoria e tulha, reformar o dormitorio e fazer ao menos vinte cellas de novo o que tudo pela avaliação que fizeram os officiaes podera custar seis mil cruzados e se mostrar pelas contas que mandey fazer que nas rendas da Camara da dita cidade havia sobejos pagas as despezas ordinarias que se podiam applicar por alguns annos as ditas obras.Hey por bem e mando que dos ditos sobejos se paguem em cada hum anno por tempo de dez, cento e cinquenta mil reis» para serem aplicados nas ditas obras, dos quais nomeia superintendente Baltasar de Morais Sarmento, morador em Bragança.
Não devia correr, pois, desafogadamente a vida das nossas clarissas; e, sobretudo, o longo período de lutas que se seguiram à Aclamação de 1640 muito as prejudicou.
Também parece que a mansidão e obediência aos superiores não era a sua feição predominante, tomando até parte nas questões económicosociais como tudo se mostra do seguinte: «A 4 de Mayo de 1731 sahirão as freiras de ambos os conventos para que se não estancasse o sabam, e a vinte de Janeiro de 1750 tornarão a sahir pela mesma causa e dormirão nos balcoms do Colegio [convento dos jesuítas] todas e o dia 21 o passarão

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(484) Arquivo Distrital de Bragança, Livro do Registo da Câmara de Bragança, fol. 51, Lv. 1º. Albino Lopo, na Bragança e Bemquerença, p. 26, deu parte deste documento, que diz ser passado em 1685, no que padeceu engano.
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todo na caza da camera e d’ahi se recolherão já de noute.
E por causa de hua Pastoral de D. Frei João da Cruz porque lhe mandava ter hora e meya de oração e conferencias espirituaes sahirão em 13 de Março de 1752 direitas a S. Sebastiam as de Santa Clara com o intuito de hir a Miranda falar ao Bispo dahi retrocederão ao Loreto donde dormirão e dalli chegarão a Gimonde de donde os Menores [frades franciscanos] as fizerão retroceder dizendo que eles comporiam tudo. Continha a Pastoral a dita xpam e que serião aroladas em 3 partes pelo capelam estiverão 8 dias na Misericórdia e se recolherão compondo-se-lhe tudo a seu favor.
Em Março de 1755 em acto de bizitação o Dr.Miguel Luiz Peixoto da Cunha com o intuito que faria perguntas a hua noviça de Villa Real que o hera no dito convento de Santa Clara por 20 annos a deixou ficar na portaria e mandando o mesmo Senhor Bispo que a não recolhessem sobre que se alterarão as religiosas e quizerão sahir rompendo a roda da grade primeira por donde sahirão duas, e lá estiverão com a noviça até tarde e depois se recolherão todas 3 pela porta, para effeito do serenar a cumunidade que toda estava para sahir inquieta. E por Decreto del Rey sahio a noviça para fora para casa de João Ferreira Sarmento no dia 24 de abril, o qual lhe foi intimar o Dr. Juiz de Fora, e isto foy as freiras claras.
No dia 26 de Agosto de 1756 tornarão a sahir 27 freiras claras pelo Bispo D. Frei João da Cruz as querer obrigar a fazer termo assignado sobre o que lhe rezultava da vizita, e por ter alguas privadas da communhão por não quererem deixar tirar hua devassa e forão direitas a S. Francisco com animo de render obediencia ao Provincial M.e Sapateiro que ali se achava desterrado, e ele fugio por hua janella e se foy da terra, ellas dormirão na portaria dos frades das Eiras [jesuítas], ó outro dia forão caminho de Chaves athe Penas Juntas donde lhe mandou o general conde de Coculim 60 cavallos para as acompanhar e se recolherão por lhe certificar com El Rey o seu patrocinio forão absolvidas da censura por mandado do Illustrissimo Cabido por morrer o dito Bispo a 20 de Outubro de repente e se atribuio a sua morte a varias penas que tinha.
No dia 14 de Fevereiro de 1758 vierão a esta cidade acompanhadas de hua tropa de cavallaria duas freiras do convento do Salvador de Braga com o comitatu decente desterradas por decreto del Rey h~ua para Santa Clara que se chama Cristina Maria da Encarnação e a outra para S. Bento chamada D. Maria Joanna vinhão dous abbades acompanhando-as, e tambem veyo outra para Vinhaes» (485).
Entretanto, outras deixaram de si clara fama: pelos anos de 1665 sairam desta casa a reformar o convento de Santa Clara de Vinhais as madres Maria da Encarnação, Maria dos Serafins e Maria de S.Miguel, indo por abadessa a primeira. E em Fevereiro de 1716 também aqui se veio acolher a madre Vicência Maria da Trasladação para fundadora do mosteiro da Conceição de Chaves (486).
Com a extinção das ordens religiosas, passou o convento de Santa Clara a propriedade do governo e a sua igreja entregue ao culto público.
Por carta de lei de 22 de Março de 1877 obteve o bispo de Bragança e Miranda, D. José Maria da Silva Ferrão de Carvalho Martens, a concessão do convento para nele edificar a Sé Catedral. O projecto desta concessão fora apresentado ao parlamento pelo deputado conselheiro José Guilherme Pacheco. O efeito da concessão caducava ao fim de cinco anos, se durante esse período não começassem as obras, que seriam em estilo gótico, puro e simples, segundo o risco do arquitecto José Maria de Nepomuceno, cuja planta se conserva na Câmara Eclesiástica em Bragança.
Tal construção nunca se principiou e o convento tornou a passar para o governo, que mais tarde, por despacho ministerial de 26 de Junho de 1883, permitiu à Câmara Municipal fazer em parte da cerca, ao lado da rua Nova, modernamente chamada do Conselheiro Emídio Navarro, uma praça-mercado, devendo, sob pena de caducar a concessão, dar-se princípio às obras dentro de dois anos (487).
Este melhoramento foi iniciado pela vereação de 1885 presidida por Tomás de Sá, e eram empreiteiros da construção João José Pereira Charula e o bacharel Eugénio de Castro, em contrato celebrado a 26 de Março de 1886.
Mesquinhas rivalidades políticas fizeram suspender os trabalhos em virtude de um despacho interlocutório do Tribunal Administrativo do distrito de 4 de Dezembro de 1885, mas o Supremo Tribunal Administrativo decidiu em 4 de Setembro de 1891 o pleito a favor dos arrematantes, e em 1895 a Relação do Porto julgou válido o contrato da empreitada da

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(485) Encontrámos estas notícias na cota de um livro da povoação de Soeira, o qual hoje está em nosso poder. Já foram por nós publicadas na Gazeta de Bragança, de 28 de Dezembro de 1902. Pinheiro Chagas, na História de Portugal popular e ilustrada, vol. VI, p. 342, alude a factos idênticos passados noutros conventos.
(486) BORGES – Descrição ...
(487) Diário do Governo de 1 de Setembro de 1883.
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construção. Porém, em vista da atitude que o povo tomara, os empreiteiros, na sessão da câmara de 9 de Abril de 1896, requereram a esta que optasse pela conclusão da obra ou rescisão do contrato. Seguiu-se esta última via (488).
Em sinal de protesto contra a construção desta praça convocou a facção contrária um comício, que teve lugar a 18 de Abril de 1886. O povo, açulado pelas declamações dos tribunos, rompeu nos maiores excessos; tumultuário, na inconsciência da própria estupidez; exasperado, porque lhe fizeram crer que, para se efectuar a obra, seria arrasada a igreja de Santa Clara, invade a praça em construção despedaçando e inutilizando quantos materiais ali encontrou, o que devia montar a bons centos de mil réis. E não contente, rugindo ameaçadoramente, soltando gritos subversivos, tenta renovar sobre a cidade os horrores do saque. Foi um dia de muito susto. Felizmente não houve desgraças a lamentar, mas custou muito a conter o povo.
Os materiais para esta obra, principalmente alvenaria e cantarias, foram tirados do convento, que para isso se lançou por terra. No local da praça construíram-se, pelos anos de 1905, as escolas do sexo masculino e feminino, sendo o muro que tapa esse recinto quanto resta da projectada praça-mercado.
O convento de Santa Clara constava de duas partes unidas: a igreja, ainda hoje existente que marcha de oriente a poente e formando ângulo recto com esta em alinhamento à sua capela-mor, uma secção do mosteiro, cortado rectangularmente na altura da casa da Assembleia Brigantina por outro troço que caminhava paralelo à igreja. Era, pois, uma espécie de U de linhas rectas, em rectângulo a que faltava o lado poente. No espaço que ficava entre as paralelas havia uma fonte (489), cuja água se conduziu ao fazer as obras da praça-mercado para o tanque que fica em baixo à beira da estrada que vai para Gimonde e tem, numa lápide, esta inscrição:

C. M. B.
1891 (490)

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(488) Gazeta de Bragança de 12 de Abril de 1896, onde podem ver-se as condições apresentadas pelos arrematantes (3 de Maio, 7 e 14 de Junho de 1896).
(489) Ver Memórias Arqueológicas ..., tomo I, p. 345.
(490) «Câmara Municipal de Bragança» – 1891.
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No local onde se começou a construir a praça-mercado havia uma alameda de grandes negrilhos e nela duas capelas, uma de Santa Ana e outra de Nossa Senhora do Bom Sucesso, que tudo, profanado como estava, foi destruído nessa ocasião.
A cerca do convento era bastante extensa; o seu muro, partindo de junto à capela-mor da igreja, seguia marginando a dita estrada até pouco adiante da Escola de Habilitação ao Magistério Primário e, formando ângulo, dirigia-se à esquina do cemitério público da cidade. Esta parte é a única que existe, e por esta dava no largo do Picadouro, e, acompanhando a rua deste nome e a rua Nova, fechava na dita igreja.
As guerras da Aclamação de 1640, que duraram por espaço de vinte e oito anos, fizeram com que em parte desta cerca se construísse, como já vimos, uma muralha para defesa da cidade, cujas ruínas ainda se vêem em parte.
O mosteiro era muito espaçoso; em 1721 tinha cento e vinte religiosas de véu preto, duas de branco, oito noviças e seis educandas. Constava de dois andares, além do térreo, solidamente construídos, mas tanto este como igreja nada tinham de notável a não ser nesta última, de uma só nave e três altares a fachada da porta principal, que fica do lado, como templo de religiosos e não de frente. É em arco de círculo almofadada nas aduelas deste e silhares que formam as ombreiras e impostas de ornatos muito semelhantes e gotas e triglifos, ladeada por duas colunas de caneluras nos fustes e capitéis ricamente cinzelados com folhagens. Aos cantos da arquitrave, como que a sustentá-la junto aos capitéis, saem dois modilhões de carrancas. O friso é almofadado e com ornatos bem extravagantes ao parecer: uma figura semelhando à letra X alterna com outra comparável a uma escada de corda, talvez alusão picaresca ao instrumento próprio das empresas dos freiráticos de tenoriana memória. Serão adufas?
Bem sabemos que é ousada aquela opinião; chamamos, porém, para o caso a atenção dos entendidos. Sabe-se, no entanto, que a arquitectura foi por muito tempo a única via segura para exercer a livre crítica, e muitos dos seus ornatos representam a sátira, o epigrama, a crítica, o sarcasmo, a ironia, a alusão picante, ridicularizante e insultuosa.
Du Breul refere-se ao desforço do clero de Notre Dame contra o advogado de Filipe de Vallois, Pedro de Luignet, que em 1329 atentou contra a jurisdição temporal eclesiástica, sendo imediatamente excomungado e posto em figura horrenda ao canto da tribuna para apagar, sobre o seu rosto, as velas da igreja!
Na escultura das igrejas em pedra e madeira muitas vezes apresentam os frades e os pregadores com a cabeça de quadrúpedes, cabeças de mulheres com chifres de carneiros, raposas com o hábito franciscano pregando do púlpito às galinhas que, de cabeça erguida e bico aberto, as escutam; suínos organistas, lobos foleiros, etc.
É de sobra conhecida a descrição da escultura que, a um canto da nave de Estrasburgo, representava ou representa ainda um burro de casula a celebrar missa, servindo-lhe de diáconos um lobo e uma raposa. Em Braga temos, como exemplo precioso, a gárgula do lado esquerdo das costas da capela-mor da Sé, e em Guimarães a do lado direito da frente da torre da Colegiada(491).
A este propósito diz Hugo: «Não se póde formar uma ideia dos abusos, que os architectos então praticaram. São capiteis enredados e cheios de frades e freiras vergonhosamente enlaçados, como na sala das chaminés do palacio da justiça em Paris. É a aventura de Noé, esculpida por extenso, como no grande portal de Burges. É um frade bachicho com orelhas de burro e o cópo na mão rindo no rosto de uma communidade inteira, como na abbadia de Bocherville. É a sátyra manifestando-se na architectura já que lhe era vedada a manifestação pela imprensa» (492).
Possidónio da Silva, também refere que um capitel das colunas que sustentam a abóboda da sala antiga dos cavaleiros de Luís XI, na antiga prisão da Conciergerie, em Paris, é composto de duas figuras: uma de Heloísa e outra de Abelardo, o qual lhe mostra a mutilação que se lhe praticara (493).
Além disto, na diocese de Bragança, conhecemos factos que se aproximam destes: na igreja matriz de Cimo de Vila da Castanheira, concelho de Chaves, que fica em despovoado, um quilómetro acima da povoação, em sítio proeminente, onde ainda se encontram vestígios abundantes da civilização luso-romana, junto à cornija da dita igreja há uns vinte e quatro modilhões representando em alto relevo figuras geométricas: esferas, cubos, losangos, pirâmides cónicas, ornatos em ponta de diamante, etc., e também figuras humanas nas atitudes mais realistas que se pode imaginar.
Parece um santuário fálico.

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(491) BELLINO, Albano – Arqueologia Cristã, p. 164.
(492) HUGO, Victor – Notre Dame, edição portuguesa de 1853, livros IV, V e VI, n.º 8, p. 104.
(493) SILVA, Joaquim Possidónio Narciso da – Noções Elementares de Arqueologia. Lisboa, 1878, p. 142, em nota.
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Uma figura feminina escancara em posições de um erotismo desbragado as partes que Vénus cobria com delgado cendal (494).
Duas outras, uma masculina e outra feminina, entregam-se com lúbrico furor ao exercício de Onan (495). Uma outra, masculina, parece estar muito satisfeita, fazendo sobre o mundo o que Horácio queria que lhe fizessem os corvos na cabeça (496).
E na abóboda da igreja matriz de S. Bartolomeu de Rabal, concelho de Bragança, estão, em pintura, os quatro Evangelistas: S. Mateus tem um livro aberto onde quem olhar debaixo com alguma atenção facilmente pode ler o seguinte:

REMEDIO X
PARA OS DEN
TES
PRESUNTO
ASSADO

No de S. Lucas, lê-se:

OREMUS DEO
SABÃO OU PELLES

E no de S.Marcos:

O CORAÇÃO
DE MARIA
DOCE AMA
VEL
CORAÇÃO
TABACO

Não é pois, de estranhar a alusão satírica do friso da porta de Santa Clara.
A encimar tudo isto há um frontão triangular onde está escrito o número 1697, indicativo certamente do ano em que a obra se fez e um brasão das armas da cidade. O retábulo do altar-mor em talha dourada de alto relevo indica muito trabalho, sobretudo os fustes

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(494) CAMÕES – Lusíadas, cant. II, est. 37. Cendal é um véu de seda que cobre o rosto ou parte do corpo que se usava na antiguidade.
(495) Génesis, cap. XXXVIII. IX.
(496) HORÁCIO – Sátiras, livro I, sátira VIII. XXXVII.
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das colunas que são torcidas com parras enroscadas e cachos nos quais depenicam aves. A pousar nas colunas vêm dois arcos, que cobrem a tribuna, ornamentados pelo gosto daquelas. O tecto que cobre o corpo da igreja é em arco de círculo todo coberto de pinturas. Borges, que escreveu em 1721 (497), diz que, além do altar-mor, tem no arco cruzeiro mais dois altares dedicados a Nossa Senhora dos Remédios e a Santo António, e no corpo da igreja uma capela dedicada a S. Caetano com irmandade.
Conserva-se ainda hoje o altar de S. Caetano no corpo da igreja, singelo e pobre, sem capela, e modernamente acrescentaram mais um outro dedicado a Nossa Senhora das Graças.
No corpo da igreja de Santa Clara, numa sepultura em campa rasa, lê-se a seguinte inscrição com letras inclusas:

S.A D L.D T
OMEDEME
SQVITA
OVVIDOR
Q. FOINE
STA C.O

Junto a esta campa há uma outra rasa também com letras que, por gastas, não são legíveis.
Na capela-mor há uma campa rasa brasonada: escudo dividido em pala; na da esquerda três vieiras em roquete e na da direita a amoreira e o castelo dos Morais. Apesar de não ter legenda, sabe-se que é de José de Morais Madureira, fidalgo da casa real, que juntamente com seus irmãos Francisco de Morais Madureira, abade de Carrazedo, e Manuel de Morais Pimentel, comissário do Santo Ofício e sucessivamente abade de Bouçoães, Rebordelo e Meixedo, instituiu a 12 de Fevereiro de 1703 um morgadio nesta capela-mor com obrigação de oferta anual às freiras, oferta que já tivera princípio em 5 de Fevereiro de 1605 (498).

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(497) BORGES – Descrição Topográfica ..., notícia 4.ª.
(498) Ibidem, notícia 11.ª, § 5.º.
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Ainda referente ao realismo na arte, vimos em Miranda do Douro, na rua da Costanilha, famoso trecho arcaico muito curioso, a meio da parede de uma casa, um modilhão, ou melhor, mísula, ostentando por tal forma um requinte de perversão lúbrica que não temos palavras para o descrever. As ruínas fálicas da cidade ressuscitada de Pompeia, os mistérios de Guide ou Pafos, a Antiguidade devassa, em suma, não deixaram vislumbres de tão patusca e nojenta aberração.
Atrás da porta da sacristia da igreja do Santo Cristo de Outeiro, concelho de Bragança, há em pintura uma figura báquica fitando no copo de vinho que eleva à altura do rosto o risinho alvar do bom amador nos estonteamentos da embriaguez prelibada.
Na cornija da igreja matriz de Abambres, concelho de Mirandela, há um modilhão em figura de cabaça, clássico vaso do vinho nestas terras, e numa velha coluna de altar arrumada no coro da igreja matriz de Moncorvo, fomos encontrar um anjo em relevo angelicamente acachapado entre as espirais do fuste, enlevado no sumo da vide que uma cabaça empunhada lhe sugere antegostar.
A coroar os contrafortes da mesma igreja, há em granito estátuas de provocante lubricidade em variadas atitudes à laia de coruchéus.
Ai! distrito de Bragança, distrito de Bragança, meus amores! Quem fora assaz rico para ofertar-te a publicação de quanto encerras de interessante nos mais variados ramos do humano saber!

MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA

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