terça-feira, 26 de setembro de 2023

A LHÉNGUA E A IA

 Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Já não resta qualquer dúvida. A Inteligência Artificial (IA) vai invadir a nossa vida e condicionar todas as atividades que, de alguma forma dependam ou estejam ligadas à informática que, como é notório, está presente no dia a dia de cada um restando apenas saber quando e como. E o que é que isso tem a ver, com o segunda língua oficial portuguesa, o mirandês? É o que tentarei demonstrar. 
O Conselho Europeu, na sua Resolução de 21 de novembro de 2008 afirmou que: “a diversidade linguística e cultural é um elemento constitutivo da identidade europeia; essa diversidade é simultaneamente uma herança partilhada, uma riqueza, um desafio e um trunfo para a Europa.” Num documento datado de março de 2013 o Parlamento Europeu, através da sua Direção Geral das Políticas Internas disse a propósito dos riscos enfrentados pelas línguas minoritárias: “Os falantes de muitas destas línguas ameaçadas de extinção não consideram que as suas línguas tenham estatuto ou valor económico e por isso, não as transmitem às gerações seguintes”.
Alfredo Cameirão já tinha alertado para a necessidade de associar a economia à importância da língua nativa das Terras de Miranda. A preservação do mirandês, mais do que uma questão cultural e de identidade como, magistralmente Amadeu Ferreira evidenciou no seu manifesto é, igualmente, uma trave mestra, indissociável e indispensável de qualquer estratégia de desenvolvimento regional do progresso económico das suas instituições, da melhoria de vida dos seus habitantes. É, sem qualquer margem para dúvida, a maior e mais poderosa ferramenta para combater a crescente desertificação. Protegê-la, potenciá-la, promove-la, tem de ser, um dos principais deveres (quiçá o primeiro e mais importante) de todas as autoridades locais a começar, obviamente, pelo poder autárquico! Nada se pode sobrepor à preservação do património milenar, sob risco de lesão séria dos direitos dos locais e dos deveres de quem os dirige e representa.
Este desígnio tem dois utensílios essenciais e interligados: a escrita e a tradução. Vários estudos têm demonstrado a importância da tradução para a manutenção, neste mundo globalizado, de todas as línguas, muito especialmente as minoritárias como alertam e defendem Sérgio Ferreira e Cláudia Martins do Instituto Politécnico de Bragança, num artigo científico dedicado à língua do Planalto. Aí se refere que, neste campo, as línguas menos disseminadas estão em desvantagem. Esta situação agrava-se com a chegada da IA.
É certo que a intervenção humana é, (sê-lo-á sempre) essencial para a produção de textos traduzidos, com qualidade. Porém, os próprios tradutores já sabem que, de futuro, terão de contar com a IA, não como um substituto da sua atividade, mas como uma ferramenta de trabalho. Quem conheça os mecanismos que estão por trás desta ferramenta de “machine learning” facilmente percebe que se não houver, a montante, produção suficiente, os resultados do uso deste mecanismo serão desastrosos, acelerando a potencial decadência já alertada pela Universidade de Vigo. É difícil entender a relativa indiferença com que este grave problema está a ser encarado pelas autoridades locais apesar do louvável e determinado esforço da Associaçon de Lhéngua i Cultura Mirandesa.

José Mário Leite
, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia) e A Morte de Germano Trancoso (Romance), Canto d'Encantos (Contos) tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.

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