Por: Manuel Eduardo Pires
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
A relação do estado com os cidadãos assemelha-se à que existe entre pais e filhos. Tal como os miúdos sabem que o papá e a mamã estão sempre lá para ralhar ao menino que bateu, dar beijinhos e tratar o dói-dói, assim as pessoas costumam esperar apoio e proteção do estado nos seus apertos. Mas há grande uma diferença. Os pais desejam que os filhos vão correndo riscos, assumam os custos das decisões e dos atos, se tornem autónomos e livres do seu amparo. Já os estados gostam de contar com a infantilidade e a dependência dos cidadãos durante toda a vida. Se por um lado isso permite que a sociedade funcione no meio de uma certa ordem e paz, o que é bom, também costuma acarretar a crença de que as autoridades devem resolver todos os problemas das pessoas e satisfazer-lhes todas as necessidades, o que é mau.
Nas últimas décadas, com o individualismo a ganhar terreno, o excessivo papel da justiça na regulação dos conflitos, o alargamento do estado-providência, as esquerdas a cumularem-nos de direitos, a nossa infantilização e dependência têm vindo a aumentar. Exemplo típico é a maneira como estamos a gerir as preocupações com as mudanças climáticas. Nós aqui até dispensávamos que a ciência nos lembrasse essa realidade incómoda. Ainda não há muito que a castelhana serra da sanábria se cobria de neve durante pelo menos seis meses por ano. Era ela que impunha a esta terra fria geadas de rachar e ventos cortantes que casacos e mantas sustinham com dificuldade. Hoje continuam a cair lá grandes nevões de vez em quando, que no entanto derretem ao fim de dois dias. E não se trata apenas disso. Quando é que se viam temperaturas mínimas de oito graus em dezembro? E a primavera a querer chegar em fevereiro?
Há inquietantes factos assim por todo o lado. A natureza tem limites que a obsessão pelo desenvolvimento, pelo crescimento, pelo “progresso”, parece estar a esticar com violência e as respostas dela em forma de desastre estão já a acontecer. O que se prevê não anima ninguém. Vejam-se agora as reações: à volta do mundo milhões de manifestantes exibem cartazes onde se lê “salvem o planeta” (ou, lá fora, “act now”, o que vem a ser o mesmo), lembram aos delegados da cimeira COP 19 de madrid a sua “responsabilidade de agir para garantir a salvaguarda, a vida e o futuro do planeta”, falam da “urgência de lideranças corajosas”, vociferam contra “a inação dos políticos em questões ambientais”, exigem que se faça “pressão para uma ação climática ambiciosa antes que seja tarde de mais”.
Se nada disto deixa dúvidas quanto à necessidade de agir, os termos usados são claros na ideia de que a ação deverá vir de alguém que não os que protestam e exigem. Quer dizer, as pessoas esperam ser protegidas das calamidades, mas põem-se sempre com o rabo de fora no que toca a soluções. No entanto, se alertar é preciso, partir do princípio de que nesta tarefa alguém está de fora é do mais infantil que se pode imaginar. Poluir e destruir o meio tem sido desde há muito a lógica segundo a qual as nossas sociedades funcionam e, embora uns mais do que outros, todos temos parte nessa responsabilidade. É claro que agora passou a ser moda falar em produtos amigos do ambiente, consumo responsável, sustentabilidade, pegadas ecológicas, etc. Resta saber se quem protesta à espera que alguém faça alguma coisa entende verdadeiramente o significado destes termos.
Viciados em compras quase maquinais, acostumados a apetrechos que se contam às centenas e vomitam veneno para o ar quer durante o seu fabrico quer quando trabalham, resta saber se estaremos dispostos a consumir menos, a pagar mais, a ver o trabalho aumentado e o rendimento reduzido, a abdicar de regalias, a deixar de ter férias, a pôr de lado o último carro, smartphone ou artigo de luxo, a fazer sacrifícios, a andar a pé, em suma, a rever de alto a baixo os nossos estilos de vida.
Pode ser que a presente tragédia, deus o permitisse, nos abra os olhos para essa outra que se anuncia, mas nos faz ainda vacilar entre sermos infantis ou adultos: entre passar a batata quente a outros para que se mexam ou decidirmo-nos a mexer; entre adquirir coisas sem regra, mesmo que sob o rótulo de “ecológico”, ou optar por moderação; entre denunciar o papel destrutivo do capitalismo (que é real) ou compreender que ele produz apenas aquilo que gastamos, e na exata medida em que o gastamos.
Nas últimas décadas, com o individualismo a ganhar terreno, o excessivo papel da justiça na regulação dos conflitos, o alargamento do estado-providência, as esquerdas a cumularem-nos de direitos, a nossa infantilização e dependência têm vindo a aumentar. Exemplo típico é a maneira como estamos a gerir as preocupações com as mudanças climáticas. Nós aqui até dispensávamos que a ciência nos lembrasse essa realidade incómoda. Ainda não há muito que a castelhana serra da sanábria se cobria de neve durante pelo menos seis meses por ano. Era ela que impunha a esta terra fria geadas de rachar e ventos cortantes que casacos e mantas sustinham com dificuldade. Hoje continuam a cair lá grandes nevões de vez em quando, que no entanto derretem ao fim de dois dias. E não se trata apenas disso. Quando é que se viam temperaturas mínimas de oito graus em dezembro? E a primavera a querer chegar em fevereiro?
Há inquietantes factos assim por todo o lado. A natureza tem limites que a obsessão pelo desenvolvimento, pelo crescimento, pelo “progresso”, parece estar a esticar com violência e as respostas dela em forma de desastre estão já a acontecer. O que se prevê não anima ninguém. Vejam-se agora as reações: à volta do mundo milhões de manifestantes exibem cartazes onde se lê “salvem o planeta” (ou, lá fora, “act now”, o que vem a ser o mesmo), lembram aos delegados da cimeira COP 19 de madrid a sua “responsabilidade de agir para garantir a salvaguarda, a vida e o futuro do planeta”, falam da “urgência de lideranças corajosas”, vociferam contra “a inação dos políticos em questões ambientais”, exigem que se faça “pressão para uma ação climática ambiciosa antes que seja tarde de mais”.
Se nada disto deixa dúvidas quanto à necessidade de agir, os termos usados são claros na ideia de que a ação deverá vir de alguém que não os que protestam e exigem. Quer dizer, as pessoas esperam ser protegidas das calamidades, mas põem-se sempre com o rabo de fora no que toca a soluções. No entanto, se alertar é preciso, partir do princípio de que nesta tarefa alguém está de fora é do mais infantil que se pode imaginar. Poluir e destruir o meio tem sido desde há muito a lógica segundo a qual as nossas sociedades funcionam e, embora uns mais do que outros, todos temos parte nessa responsabilidade. É claro que agora passou a ser moda falar em produtos amigos do ambiente, consumo responsável, sustentabilidade, pegadas ecológicas, etc. Resta saber se quem protesta à espera que alguém faça alguma coisa entende verdadeiramente o significado destes termos.
Viciados em compras quase maquinais, acostumados a apetrechos que se contam às centenas e vomitam veneno para o ar quer durante o seu fabrico quer quando trabalham, resta saber se estaremos dispostos a consumir menos, a pagar mais, a ver o trabalho aumentado e o rendimento reduzido, a abdicar de regalias, a deixar de ter férias, a pôr de lado o último carro, smartphone ou artigo de luxo, a fazer sacrifícios, a andar a pé, em suma, a rever de alto a baixo os nossos estilos de vida.
Pode ser que a presente tragédia, deus o permitisse, nos abra os olhos para essa outra que se anuncia, mas nos faz ainda vacilar entre sermos infantis ou adultos: entre passar a batata quente a outros para que se mexam ou decidirmo-nos a mexer; entre adquirir coisas sem regra, mesmo que sob o rótulo de “ecológico”, ou optar por moderação; entre denunciar o papel destrutivo do capitalismo (que é real) ou compreender que ele produz apenas aquilo que gastamos, e na exata medida em que o gastamos.
Nordeste - mai. 2020
Manuel Eduardo Pires. Estes montes e esta cultura sempre foram o meu alimento espiritual, por onde quer que andasse. Os primeiros para já estão menos mal, enquanto a onda avassaladora do chamado progresso não decidir arrasá-los para construir sabe-se lá o quê, mas que nunca será tão bom. A cultura, essa está moribunda, e eu com ela. Daí talvez a nostalgia e o azedume naquilo que às vezes digo. De modo que peço paciência a quem tiver a paciência de me ir lendo.
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