sábado, 27 de janeiro de 2024

Brincadeira & sociabilização

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

No meu tempo de menino havia uma rua mágica onde as crianças brincavam livremente e quasi sempre com a serenidade dos simples e a vigilância dos adultos.
Onde está hoje a escada eléctrica na velha Caleja do Forte havia um espaço em terra batida que era confrontado com a linha do Caminho-de-ferro que mais tarde foi suprimida e do lado oposto às casas que estavam no topo da Rua S. João de Deus, sendo que as que bordejavam o topo da Rua, eram as duas casas do tio Alberto e Cândida Mirandela. Seguia-se o nosso quintal e depois a Cortinha da Albininha Guerra.
Este espaço que servia de passagem pedonal cumpria com a função de Parque Infantil pois que se praticavam ali os mais variados jogos e entretenimento. Jogavam-se ali; futebol, esferas e bulharacos, pingue, bilharda, roda e todos os outros que sabíamos e era tempo de serem jogados porque tudo tinha uma estação que não estava descrita mas aparecia como que por encanto e se completava com a prática deste jogo no tempo certo para gáudio da garotada.
A determinado tempo a turma ia chegando já depois da Escola e lentamente comendo o Carolo de pão e qualquer guloseima extra que a sorte nos oferecesse nesta ocasião. Havia no terreiro um poste que transportava a corrente elétrica para a rua que tinha à ilharga uma barraca velha e com dois metros quadrados de superfície onde morou a Merência uma pedinte já velha que nós cruelmente incomodávamos com palavras de má fé como para exorcizar algo de Maléfico que a sua andrajosa roupa pudesse transportar (Merência, abre o (..) e tem paciência! Ela encrespava-se e respondia com um discurso de impropérios que  nos fazia repetir o incitamento.
Éramos um bando de galfarros cruéis que ajudámos a encurtar a vida desta criatura que por ter sido votado à mendicidade merecia mais respeito por parte destes garotos que cometeram este pecado que todos cometemos e do qual ainda hoje sinto remorsos.
Há fotos no Facebook que são a prova dos pontos de referência do sítio que eu descrevo e que era o lugar onde o grupo de garotos da Caleja e Bairro S. João de Deus se juntavam e esta actividade que menciono se concretizava e ciclicamente se repetia até à exaustão.
Mas como não há mal que sempre dure nem bem que se não acabe, um dia de primavera surgiu o que nos pareceu uma ocupação do lugar ao pé da Linha pelas máquinas ali instaladas, que seriam o desassossego das pessoas e o derrube das nossas casas para construírem o Hotel Torralta que deu no que deu e não se vê maneira de o porem a funcionar como Hotel ou outro ramo.
Quando construíram este Hotel fizeram-no no intuito de dotar a cidade com um equipamento que a servisse com uma Unidade Hoteleira que desse prestígio a Bragança. Como a sorte foi adversa não houve vontade ou capacidade para o reerguer e hoje está ali à sua sorte votado ao abandono como que expiando as culpas do que tirou aos adultos e crianças da Caleja do Forte.
Passei hoje nessa que foi a Escola de tantos homens e mulheres que dedicaram as suas vidas a apregoarem a lealdade ao lugar onde nasceram e do qual fazem prova de agradecimento aos que ainda hoje lastimam o destino que calhou à Rua dos meus amores.
Nem agora com estas últimas obras conseguiram dar um aspecto aceitável ao chão do largo renomeado Largo de S. João de Deus pois foi calcetado com uma inclinação demasiado evidente e que faz perigar quem se descuide quando desce.



Bragança, 24/01/2024
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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