segunda-feira, 4 de março de 2024

Fui ao teatro…

 Por: Paula Freire
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)


As legislativas estão à porta. E eu que gosto tanto de não falar de política, de não escrever sobre política! Por isso, esqueci a política e resolvi ir ao teatro.
Afinal, sobre política já há tanto quem fale, quem escreva, quem opine, quem alvitre, quem comente, quem julgue, quem sugira, quem critique, quem entenda, se desentenda, quem minta e se desminta. 
E há a (in)paciência de quem a tudo assiste como espectador meio adormecido, na plateia de um espetáculo em jeito de artes circenses cujo objetivo demasiado ambicioso e a pretensiosa vaidade dos atores em palco, desencadeia o oposto do que por eles será supostamente pretendido e por nós desejado. É que, é fácil de se ver, até para uma leiga como eu nestas matérias artísticas que, apenas jocosas e constantes mordidelas e trincadelas venenosas em corpo e mente alheios, muito pouco acrescentam de útil às soluções necessárias para um teatro com os alicerces em via de ruir. 
Quando muito, apenas deixa ainda mais inflamado o ego de quem se julga Drs. Perspicácias quando, verdade seja dita, não passam de pequeninos Srs. Espertezazinha (muito saloia, diga-se de passagem…).  
Entretanto, o tempo urge. Mas da direita à esquerda do palco, apenas os atores a dar continuidade à acalorada encenação, de fraco sabor e sem vida, entre risos sarcásticos ou amarelos, cada vez mais convencidos da sua lucidez. E, ainda assim, em estado cada vez maior de devaneio e entusiasmada loucura. Apenas aplaudida por uma dúzia de empáticos corações que, corajosamente, decidiram fazer eco de concordância. Porque um verdadeiro fã aplaude sempre os seus ídolos, no que possam ter de melhor e no que possuem de pior. 
Por esta altura, entre o peso da sonolência que se abate sobre a grande maioria da audiência e meia pálpebra levantada de alguns resistentes politicamente corretos (que isto de ficar em público requer alguma etiqueta e saber estar), começo a desconfiar que os atores já há muito se esqueceram da razão de fazerem parte do elenco e, principalmente dos princípios orientadores da profissão que decidiram, um dia, abraçar. E assim, já não percebem exatamente se se ofendem, insultam e riem uns dos outros ou deles próprios.
Talvez depois da cortina fechar e saírem em fila para recolher os louros da sua atuação que, tão antecipada e afincadamente, foi alvo de cansativos ensaios e elaboradas estratégias, percebam que no final da peça já eles eram só esse fruto natural e espontâneo a que o corpo e a boca não conseguem fugir, quando se trata das verdadeiras intenções escondidas no fundo de cada um. E entendam, quiçá, que jamais ninguém será merecedor de respeito quando não tem capacidade para se dar ao respeito.
Contudo, acredito que eventual laivo de consciência não lhes cause mossa e depressa seja esquecido. Por fim o arraial fechou portas e eles, felizes ficam, pois mesmo sem noção dos palcos que pisaram, o certo é que irão receber o apetecível cachê prometido e tão desejado. 
E desta forma se cala o impropério dos que afirmam que a cultura anda pelas ruas da amargura neste país. Agora, para os que ainda não se aperceberam, caros amigos, novos dicionários ganham terreno e se quer cultivar-se, saiba que a palavra cultura, em certos contextos, começou a escrever-se com o prefixo ‘in’. Assim começa a falar-se em bom português. 
As legislativas estão à porta. E eu que gosto tanto de não falar de política, de não escrever sobre política! Preferi ir ao teatro. Tremenda desilusão! Parece-me que vou reclamar o valor que tenho andado a pagar há muito por este bilhete, se alguém fizer o favor de me dizer como podemos ser ressarcidos de tão engenhosos enganos.

Paula Freire
- Natural de Lourenço Marques, Moçambique, reside atualmente em Vila Nova de Gaia, Portugal.
Com formação académica em Psicologia e especialização em Psicoterapia, dedicou vários anos do seu percurso profissional à formação de adultos, nas áreas do Desenvolvimento Pessoal e do Autoconhecimento, bem como à prática de clínica privada.
Filha de gentes e terras alentejanas por parte materna e com o coração em Trás-os-Montes pelo elo matrimonial, desde muito cedo desenvolveu o gosto pela leitura e pela escrita, onde se descobre nas vivências sugeridas pelos olhares daqueles com quem se cruza nos caminhos da vida, e onde se arrisca a descobrir mistérios escondidos e silenciosas confissões. Um manancial de emoções e sentimentos tão humanos, que lhe foram permitindo colaborar em meios de comunicação da imprensa local com publicações de textos, crónicas e poesias.
O desenho foi sempre outra das suas paixões, sendo autora das imagens de capa de duas obras lançadas pela Editora Imagem e Publicações em 2021: Cultura sem Fronteiras (coletânea de literatura e artes) e Nunca é Tarde (poesia).
Prefaciadora do romance Amor Pecador, de Tchiza (Mar Morto Editora, Angola, 2021) e da obra poética Pedaços de Mim, de Reis Silva (Editora Imagem e Publicações, 2021).
Autora do livro de poesia Lírio: Flor-de-Lis (Editora Imagem e Publicações, 2022).
Em setembro de 2022, a convite da Casa da Beira Alta, realizou, na cidade do Porto, uma exposição de fotografia sob o título: "Um Outono no Feminino: de Amor e de Ser Mulher".
Atualmente, é colaboradora regular do blogue "Memórias... e outras coisas..."-Bragança e da Revista Vicejar (Brasil).
Há alguns anos, descobriu-se no seu amor pela arte da fotografia onde, de forma autodidata, aprecia retratar, em particular, a beleza feminina e a dimensão artística dos elementos da natureza, sendo administradora da página de poesia e fotografia, Flor De Lyz.

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