sábado, 1 de junho de 2024

Trovoada Pavorosa em Bragança no ano de 1804

 A 25 de Agosto de 1804 a Câmara Municipal de Bragança, em companhia do corregedor da comarca, procedeu a uma vistoria sobre os estragos causados pela medonha trovoada que ao amanhecer do dia anterior caíra sobre a cidade.


«Primeiramente acharão que a Ponte chamada do Loreto que está no principio da cidade e a mais frequentada, ficou totalmente aruinada, e demolida, restando somente no principio e fim della hua pequena parte que apenas pode ficar em pé quando haja de reedificar-se por ficar tremida e abalada.
Acharão outrosim que em hua cortinha contigua á mesma Ponte que hé do Bacharel Francisco José Martins, havia levado toda a tapage da banda da Ribeira, e varias parreiras e ortaliças, e hua grande parte da terra, deixando a outra cheia de pedras, e dos residuos da mesma Ponte.
Outra cortinha por baixo da dita Ponte que he pertença da Quinta de Santa Apolonia ficou bastantemente areada e destapada, e com alguns materiaes da referida Ponte, e excluida do fruto que tinha..........
Demolio inteiramente hua moenda de duas rodas com sua caza separada que hera de Domingos Fernandes moleiro, não ficando mais indicios della do que huma pequena parte do cubo e de hua parede da dita caza, aruinando-lhe tambem a agoeira, e ainda em parte a preza. ……………
lnnundou hua grande e estimavel propriedade de Antonio Venceslao Doutel em que havia meloaes e varias ortas de diversas pessoas, levando-lhe hua grande tapage e parte da terra, deixando-lhe a mais esbulhada de fruto, que era consideravel. ………………
Aruinou inteiramente e desipou hua grande e consideravel propriedade dos herdeiros de Francisco Ferz em que havia ortas e melões de muitas pessoas, levando tudo, e varias parreiras, e arvores de fruto que tinha em circumferencia, assim como o muro que a tapava, deixando o terreno que era muito rendoso todo cheio de pedras, e falto de muita terra, e em estado lastimoso e ate se intopirão duas fontes que sahião da dita propriedade, e de que se servia bem seguramente metade da cidade.
Lançou por terra hum grande pedaço do muro da cerca que foi dos ex-Jesuitas innundando-a fortemente, e desbaratou em partes hua grande calçada que ha entre ella e a Ribeira bastantemente frequentada.
Demolio hua preza, e agoeira pertencente a dous moinhos de Gabriel José Ribeiro, levou hum dos ditos moinhos, ficando o outro combatido, e sem poder ter uzo algum.
Extinguio hua Ponte de madeira, e levou de todo um estimavel moinho de duas rodas que hera de Manuel Bernd.º Sename deixando-o privado de todos os seus compostos, levando-lhe tambem hua boa orta que tinha da outra banda da ribeira para a qual se servia da dita Ponte que tinha feito por sua conta.
Rompeo outra preza que encaminhava a agoa a duas moendas de Francisco Antonio da Veiga, levando de todo hua dellas e deixando a outra sem exercicio. ……………………
Rompeo outra preza e desbaratou a agoeira que dava servidão a tres moinhos dos herdeiros do Reverendo Caetano José Saraiva, de Antonio Ferreira de Castro, e de André Manoel Pires e hua casa de Tintoraria de cores que mandou edificar de novo João da Silva. Levou esta caza, e muita quantidade de seda que se achava dentro, tengida e por tingir pertencente a vários fabricantes e a que deixou ficou entulhada e estragada e nos termos de não poder servir, e toda não baixava, sem duvida, de mil arrateis segundo o calcullo dos dous ultimos louvados que não forão os menos prejudicados.
Levou toda a moenda do dito André Manoel Pires com hua boa orta e parreiras, que tinha ao pé; levou hum palheiro que estava junto a outra moenda de Antonio Ferreira de Castro, e hua excelente orta com varias parreiras, e figueiras que estava contigua com toda a sua tapage, deixando a moenda tremida e em parte aruinada sem poder servir, e a orta toda cheia de pedras.
…………………………………………………………………………
Levou igualmente hua grande parte da parede das ortas chamadas do - Pona – que são de José da Silva carpinteiro……………………………
Demolio tres moradas de cazas por sima da Ponte……………… sem lhe deixar outra cousa mais que as fronteiras de sima bem aruinadas e em termos de não poderem servir.
Desbaratou, e levou a Ponte por baixo da cadea chamada das Tenarias, deixando-lhe somente os dous arcos esbulhados, e bem combatidos e estragados, e os patamares quasi por terra.
Fugio com duas moradas de cazas em que se achava emprazado João Allonso e o sargento Mor João Flores de Ordás, e com hua boa orta pertencente ás primeiras, sem deixar resíduo algum, nem signaes de que ali houvesse taes propriedades.
Abandonou duas excelentes ortas que herão de Sebastião Mendonça, e Thomaz Antonio de Leão em que havião gasto bom cabedal, e se achavão fronteiras de hua e outra banda da Ribeira, levando-lhe toda a tapage, terra, parreiras, e legumes e athe hua casa que de novo tinha feito o mesmo Thomaz Antonio, e parte de outra que havia reedificado o dito Sebastião Mendonça.
Extinguio hua moenda de Francisco Ferreira Sarmento Pimentel com a preza e agoeira que lhe dava servidão sem que ficasse nella materiaes alguns. … … … … … … …
Extinguio igualmente duas moendas pertencentes aos herdeiros de Thomaz Antonio Leitão com suas respectivas azudas e agoeiras deixando bem poucos sinaes dellas; e o mesmo aconteceo em outras duas das Religiosas de S. Bento e de Francisco Xavier da Veiga das quaes nem ao menos deixou vestigios, bem como nas suas prezas, e agoeiras.
Danneficou bastantemente a outra Ponte chamada do Jorge, roubandoa dos lados e ficando em pé o arco bem combatido.
Pasou a demolir outra moenda que ficou de Thereza Felizarda levando-a toda com sua preza, e agoeira e orta que tinha contigua sem deixar cousa algua dos seus materiaes.…………………………
Dali passou a consumir hua moenda dos herdeiros de Francisco Xavier Dinne e outra de D. Antonia de Moraes Antas com as suas assudes, agoeiras e excelentes olgas em que exestião boas arvores de fruto muita latada, e quantidade de ortaliça».
Continuou por ali abaixo arrasando e levando todas as hortas até ao pontão de Palhares. Iguais danos fez a enchente, antes de chegar à ponte do Loreto, nas propriedades dos povos de Nogueira, Castanheira, Gostei, Formil, Castro de Avelãs, Grandais e Fontes Barrosas, «em que se formou a trovoada, e em cujos continentes principia a Ribeira, levando hum pontão, e parte de outra ponte de pedra que estavão no termo do dito Povo de Castro de avelãs; e que os mesmos prejuizos acontecerão depois que as agoas da dita Ribeira sahirão do dito sitio de Palhares e entrarão nas quintas e mais propriedades que lhe ficão inferiores pertencentes tanto a esta cidade, como aos lugares de Alfaião e outros athe entrarem no Rio Sabor.
Constando igualmente com publicidade que na mesma noute havião os Rios Baceiro, e Tuella abandonado alguns moinhos, Pontes de madeira, e propriedades dos moradores de outros lugares desta jurisdição alem de diferentes estragos que tinhão cauzado as agoas e trovoadas. E que igualmente hera voz constante que com os moinhos e cazas atras declaradas que a enchente levou nesta cidade e seus suburbios, havião hido todos os trastes e alfaias de que ellas se compunhão e outros interesses de consideração, asim como hum grande numero de cargas de pão que se achavão nos ditos moinhos sem que a nada se podesse acudir ficando seus moradores em hua total decadencia».

Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança

Sem comentários:

Enviar um comentário