sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Agricultores de Bragança desistem da produção cerealífera porque dá cada vez mais gastos que lucros

 Nos últimos 20 anos, a área total de cereais decresceu, em Portugal, cerca de 350 mil hectares. Este decréscimo corresponde a 56% da área total. Só no último ano a redução é de 4%


A Confederação Nacional dos Agricultores está alarmada e quer medidas urgentes por parte do Governo. Os agricultores de Bragança já são poucos e não têm vontade de continuar porque o trabalho não dá para os gastos.

Manuel Malhão é um dos produtores de cereais da região. Cultiva trigo e centeio, em Bragança, mas diz que o preço a que pagam o cereal é ridículo. “Isso não é nada. É uma ninharia. Um saco de plástico custa o mesmo que um quilo de cereal. Isso é alguma coisa?”.

Os apoios por parte do Governo também não são nada apelativos para que haja vontade de continuar. “A agricultura não dá nada. Eles não olham para isto. Era melhor que dissessem ‘vocês não trabalhem que não vale a pena’”.

Perante o desagrado, continua a produção porque… “Oh… por vício”.

António Machado, de 75 anos, ainda é do tempo em que as Quintas da Seara, em Bragança, faziam jus ao nome: o que não faltavam eram campos e mais campos de cereal. Agora já não os há. Noutros tempos, cultivar era uma riqueza mas também uma animação. “Às vezes juntávamo-nos 10 ou 12 agricultores a lavrar, era bonito, todos a sementar. Depois, na altura da ceifa, andávamos todos a ceifar. Nós, nessa altura, tínhamos que ter sempre 12 homens a ceifa, mais nós, no total eramos mais de 20. Cantávamos e trabalhávamos. Era uma festa”.

Luís Afonso é o proprietário da Moagem do Loreto, em Bragança. A queda de produção de cereal na região é notória olhando para os campos abandonados mas também ali. “A actividade que esta moagem tinha em adquirir cereais na zona era muito maior antigamente, porque havia produção local, quer de centeio, que ainda há alguma coisa, quer de trigos. Hoje, para trabalharmos, temos de ir buscar o trigo aos portos de mar, Lisboa e Leixões, e o centeio à vizinha Espanha”.

Na região já não há gente que se queira dedicar à produção de cereais, os custos de produção são maiores que os lucros mas há outro problema. “Foram quase três décadas de abandono sistemático e permanente pela falta de rentabilidade agrícola cerealífera. Muitas terras foram evoluindo para ocupação de vegetação espontânea e são incapazes de ser trabalhadas porque o custo para as preparar para o cultivo é extremamente elevado para a rentabilidade baixa que existe na produção cerealífera”. 

O vice-presidente da CAP, Pedro Pimenta, lamenta que, perante o decréscimo, Portugal esteja tão dependente de outros países. Se nada mudar, um dia muitos bens vão faltar os subir bastante de preço. “Há uma estratégia, na questão militar, que é termos algum grau bélico para podermos dizer que temos soberania e na alimentação deveria começar a ser escrutinado esse assunto porque estarmos completamente dependentes do exterior e de geografias em conflito é preocupante”.

A CAP apela ao Governo para que fomente uma “diversificação cultural” que permita “implementar um mosaico variado de produções agrícolas, florestais e agroindustriais”, invertendo a tendência e garantindo o “rendimento e a sustentabilidade económica dos agricultores”; a revisão do actual Plano Estratégico da Política Agrícola Comum; que crie uma medida que permita “fomentar” a Agricultura de Precisão; bem como quer que o Governo melhore o processo de controlo de densidades de certas espécies cinegéticas, como é o caso do javali, que, ao destruir inúmeras culturas, “inviabilizam a agricultura”, nomeadamente de cereais.

Em Portugal, no que toca ao trigo panificável, por exemplo, só se produz a quantidade suficiente para se fazer pão durante 15 dias.

Escrito por Brigantia
Jornalista: Carina Alves

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