Por: Paula Freire
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)
Os poetas são perigosos.
Nascem de um intervalo entre sorrisos
e vivem nas margens dos espaços
onde a razão perde as forças
e o sonho é quem melhor abraça.
São perigosos
porque não possuem nada.
Só a ilusão e um punhado de palavras cruas.
E, ainda assim, com as mãos leves,
constroem universos inteiros, sem hesitar!
.
Sim, são perigosos os poetas…
Traidores da carne!
Com a vontade do estômago vazio
e a fome de quem devora o vento,
esquartejam silêncios,
arrancam dos ossos a verdade,
mastigam utopias com os seus dentes famintos
e bebem o sangue dos mitos já mortos.
Comem o impossível
e, por isso,
cospem luz onde só havia cinza.
E mordem o instante até o fazer explodir
em mil estilhaços de eternidade!
.
Os poetas, perigosos,
são cirurgiões
que remendam as entranhas do que somos,
com linhas roubadas
ao suspiro dos deuses exilados.
Esses outros, que nos sangram
em nome de horizontes que nunca chegam.
Esses outros, assassinos de vida
que nos arrancam a pele no delírio do êxtase.
E os poetas… hereges do sagrado!
Gritam ao peso de existir,
corrompem o tempo com metáforas
e, como feras mansas, rasgam o passado
e queimam a lógica em fogueiras de palavras,
para costurar o futuro
de um mundo inteiro que finge dormir.
.
Deslizam entre serpentes famintas
e não têm medo do abismo:
fazem dele um espelho convexo.
E, quando olham, não veem monstros,
a escorrer como veneno,
mas o reflexo de tudo o que negamos.
.
Ninguém os entende.
E, ainda assim, são perigosos, os poetas.
Conspiradores do inesperado,
não ferem…. Incendeiam!
Plantam uma pétala
nos medos mais fundos dos homens,
com um verso certeiro.
São átomos rasgados
que lavam as mãos com lava,
e, com os dedos queimados,
escrevem a geometria do caos.
Sabem que só o caos é sincero…
Pois todas as estrelas
são uma ferida aberta com demónios invisíveis,
vestidos de ouro sujo,
e olhos que roubam a intimidade da alma.
.
Enquanto os cobardes
escrevem para preencher vazios,
os poetas, insanos,
com a dúvida e o medo de não serem nada,
são pássaros e lâminas do ato da criação,
numa página em branco,
a empurrar uma faca contra o ventre das ideias
e letras macias devoradas pelo sol.
E, quando não resta mais nada,
dançam sobre as cicatrizes
que não param de arder
e respiram nos olhos
aquele sorriso de quem sabe
que o verbo foi o primeiro pecado.
Alfaiates do infinito
a carregar o peso de todos os céus
e ainda têm coragem de cantar
como se a beleza fosse eterna,
esses loucos de solidão!
.
Ah, os poetas!
Nascem da febre da terra
onde os vermes e as flores disputam a mesma cova.
Mas fazem das certezas a sua única fé.
E a isso… chamam liberdade!
.
É por isso que os poetas são perigosos…
Paula Freire - Natural de Lourenço Marques, Moçambique, reside atualmente em Vila Nova de Gaia, Portugal.
Com formação académica em Psicologia e especialização em Psicoterapia, dedicou vários anos do seu percurso profissional à formação de adultos, nas áreas do Desenvolvimento Pessoal e do Autoconhecimento, bem como à prática de clínica privada.
Filha de gentes e terras alentejanas por parte materna e com o coração em Trás-os-Montes pelo elo matrimonial, desde muito cedo desenvolveu o gosto pela leitura e pela escrita, onde se descobre nas vivências sugeridas pelos olhares daqueles com quem se cruza nos caminhos da vida, e onde se arrisca a descobrir mistérios escondidos e silenciosas confissões. Um manancial de emoções e sentimentos tão humanos, que lhe foram permitindo colaborar em meios de comunicação da imprensa local com publicações de textos, crónicas e poesias.
O desenho foi sempre outra das suas paixões, sendo autora das imagens de capa de duas obras lançadas pela Editora Imagem e Publicações em 2021, “Cultura Sem Fronteiras” (coletânea de literatura e artes) e “Nunca é Tarde” (poesia), e da obra solidária “Anima Verbi” (coletânea de prosa e poesia) editada pela Comendadoria Templária D. João IV de Vila Viçosa, em 2023. Prefaciadora dos romances “Amor Pecador”, de Tchiza (Mar Morto Editora, Angola, 2021), “As Lágrimas da Poesia”, de Tchiza (Katongonoxi HQ, Angola, 2023), “Amar Perdidamente”, de Mary Foles (Punto Rojo Libros, 2023) e das obras poéticas “Pedaços de Mim”, de Reis Silva (Editora Imagem e Publicações, 2021) e “Grito de Mulher”, de Maria Fernanda Moreira (Editora Imagem e Publicações, 2023). Autora dos livros de poesia:
Lírio: Flor-de-Lis (Editora Imagem e Publicações, 2022) e As Dúvidas da Existência - na heteronímia de nós (Farol Lusitano Editora, 2024, em coautoria com Rui Fonseca).
Em setembro de 2022, a convite da Casa da Beira Alta, realizou, na cidade do Porto, uma exposição de fotografia sob o título: "Um Outono no Feminino: de Amor e de Ser Mulher".
Atualmente, é colaboradora regular do blogue "Memórias... e outras coisas..."- Bragança e da Revista Vicejar (Brasil).
Há alguns anos, descobriu-se no seu amor pela arte da fotografia onde, de forma autodidata, aprecia retratar, em particular, a beleza feminina e a dimensão artística dos elementos da natureza.
Eu queria, bem queria, comentar, Dizer alguma coisa. Transmitir-te o que senti depois de ler e tentar absorver. E conseguir? Olha Paula, na escala de 0 a 20 vou-te dar o mesmo que me deste em Técnicas de Chefia e Liderança. Dou-te um 18 apesar de saber que merecias um 20.
ResponderEliminarFica registada a nota, Henrique. E aceite. :)
Eliminar18 é um número forte!