quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Natal continua a ser uma festa familiar mas a tradição foi ajustada e não resistiu à globalização

 O Natal continua a ser um dos momentos do ano em que as famílias mais de se reencontram, deslocando-se os vários elementos de fora da região e do estrangeiro. A quadra nunca foi tão assinalada. Não há cidade, vila ou aldeia que não ostente elementos decorativos, desde luzes, árvores de Natal cada vez mais altas, pais-natais em toda a parte, nas maiores localidades há pistas de gelo, enfeites inspirados nas capitais estrangeiras, renas e trenós. Nunca tanto se falou e publicitou “a magia do Natal”. O presépio, representado há séculos, ainda resiste nas igrejas e em algumas casas, pontualmente nas ruas de algumas aldeias.


O espírito “não é o mesmo”, admitem os entrevistados pelo Mensageiro, pois as únicas preocupações “são a comida, os presentes, a decoração das casas”.

Há mudanças assinaláveis. A tal ponto, que nas famílias numerosas já se brinca ao amigo secreto. “Quando é muita gente, não dá para comprar presentes bons e caros para todos. É uma forma de economizar”, contou uma avó.

Não há altura do ano que se fale tanto de solidariedade. É solidariedade a caminhar, a correr, a oferecer cabazes. “E o resto do ano, as pessoas não são carenciadas?”, pergunta Ana Sofia, professora.

Nesta parafernália de tanta coisa, como anda a essência do Natal? O Mensageiro foi à procura do espírito natalício, para saber se o existe mesmo ou se apenas só resta o fantasma dos natais passados que perduram na memória de muitos. Falou com transmontanos entre os 9 e os 73 anos e confirmou-se “que o momento é especial”, mas nada do que já foi.

Há casos de stress intenso. “Trabalho todo o dia e não tenho tempo, nem imaginação para comprar prendas. No dia 24 vou estra a trabalhar e depois tenho de ir para casa a correr para preparar o jantar. Eu pulava esta semana entre o Natal e a passagem de ano”, contou uma cabeleireira.

Brincar na Praça Francisco Meireles deleita as primas Madalena e Penélope

As primas Penélope e Madalena, 9 e 10 anos, vivem com intensidade esta quadra no seio da família que reside em Torre de Moncorvo, mas também na escola, onde fazem trabalhos manuais alusivos, e ainda na comunidade, onde brincam.

Claro que ambas adoram os presentes e brincar na Vila Natal que será instalada na Praça Francisco Meireles, em Torre de Moncorvo. Apesar da tenra idade já têm outras preocupações que vão além dos jogos.

A Madalena preocupa-se com as crianças que não têm Natal. “Para mim o Natal é estar com a família, mas muitas crianças vivem em países onde há guerras e não têm Natal, nem festas, nem presentes”, explica a menina.

Penélope pode ser jovem, mas anda bem informada sobre o que se passa na sua terra e no mundo. “Aqui em Moncorvo costuma haver uma casa do Pai Natal, barraquinhas com várias coisas. O Natal é especial. Eu gosto mais do Natal do que de outras festas do ano”, deu conta.

Na voracidade de ter um Natal de aparência rica, com montões de prendas, luzes, pratos típicos ou importações, uma imensidão de doces e guloseimas, fitas e relampampejos, há quem se esqueça do que devia ser verdadeiramente esta época. Se os brinquedos não resistiram ao tempo, as memórias, as saudades e a nostalgia da infância, de um tempo em que havia menos de tudo o que é material, nunca se apagaram.

Lucinda Moreiras recorda o presépio na Igreja de S. Vicente

A atleta brigantina, Lucinda Moreiras, várias vezes medalhada, contou ao nosso jornal como vivia o Natal em criança, na cidade de Bragança. “Era uma época mágica. Não fazíamos árvore de Natal, mas fazíamos o presépio. Era a olhar para ele que sonhava, não com prendas, mas como seria viver naquela paisagem, com o rio, o moinho, as lavadeiras”, recordou Lucinda.

Nessa altura após o jantar de consoada, Lucinda ia com a família à missa do galo à Igreja de S. Vicente. “O meu pai e outras pessoas levavam oferendas para o presépio. Como não havia árvore de Natal eu acha que era o menino Jesus que metia os chocolatinhos no sapatinho. No dia 25 encontrávamos sininhos e peixinhos, que comíamos logo. Vestíamos roupa nova, que era sempre uma camisola e meias. Comíamos as filhós”, explicou a atleta sublinhando que nessa altura “era tudo mais simples, mas parecia que havia magia no ar”.

Missa do Galo em Freixo de Espada à Cinta era surreal

O antigo presidente da Câmara de Freixo de Espada à Cinta, Edgar Gata, tem memórias de um Natal especial. “A minha infância aconteceu na década de 60 do século anterior. Nesse tempo o consumismo estaria a dar os primeiros passos e no meio rural de Freixo nada disso acontecia. A vida assentava numa economia de subsistência e eram os tempos das idas a salto para França. Logo, as prendas de Natal nem eram muitas e especialmente não eram para todos”, recordou. Na sua família podia dar-se “um miminho de Natal” às crianças. “Eu esperava sempre essa altura com muita ansiedade. No fundo, como qualquer criança hoje”, referiu o ex-autarca que considera que atualmente “há excesso de prendas”, o que “acaba por retirar ao ato a força que tinha na minha infância, dado que se vulgariza”.

“Era na manhã de Natal que as botas que deixara na chaminé estavam cheias de pais natais de chocolate, rebuçados e, especialmente porque a minha mãe é que coordenava a coisa, peúgas e luvas de lã. Um carrinho de lata porque meu pai se impunha para eu poder mostrar o sorriso que ele sabia que o popó abriria bem mais que os lenços ou meias”, contou. Era “tudo muito simples”, mas ficou a memória o imaterial e os sentimentos. “Nunca esqueci a missa do galo. Ia com o meu pai, pois doutra forma tinha medo. Ele não gostava, mas ia mostrar-me a tradição. Era uma missa completamente marada. Com muitos homens que só iam à igreja nessa noite e na missa da festa do verão. Completamente bêbedos e em algazarra total no fim da missa quando o sacerdote dava o Menino a beijar. Muito barulho com as zorras-zorras como se chamava a uma lata que só servia para meter barulho. Tradição que nunca vi fosse onde fosse, mas era assim. Nunca esquecerei o “alegrem-se os céus e a terra…” cantado por um coro de borrachos em êxtase”, explicou.

Fernando Calado nunca esqueceu o sabor dos rebuçados que o menino Jesus trazia e que eram iguais aos do soto dos pais

O professor e escritor brigantino, Fernando Calado, também conserva boas memórias da quadra, mas gosta menos da evolução que tomou. “O Natal na cultura judaico-cristã pauta-se pela humildade dum casal que saiu de Nazaré a caminho de Belém e não encontrou guarida. Mas o primeiro Natal tinha por base ideológica a solidariedade, a pobreza e a humildade. O nosso Natal é a apologia dum consumismo desenfreado apoiado pela filosofia do capitalismo. Mas o Natal também é família, é encontro, é infância, é lareira, é o fumo da chaminé e dos medronhos vermelhos a enfeitavam o presépio da minha infância na ausência doutros ornamentos”, referiu.

“O meu Natal de ontem eram as pegadas na cinza, prenúncio da chegada do Menino Jesus que as minhas irmãs mais velhas encenavam tão bem.… meu pai, estes rebuçados do Menino Jesus são iguaizinhos aos do nosso Soto!”… não, esses são melhores, são dos do céu! Dizia o pai, numa seriedade tão grande que qualquer profano acreditaria nas virtudes dulcíferas do céu”, recorda.

Com tanta mudança consumista para o professor ainda existe o espírito. “Hoje o Natal, tal como ontem, continua a ser o encontro da família como convém em todos os natais… sentindo a magia das crianças com os olhos cheios de surpresas...”. Porém, “ em muito casos, uma figura sinistra vinda da Lapónia, se materialize num Pai Natal anafado que substitui penosamente um Menino rosado que para todo o sempre deveria descansar nas palhas do Presépio”, vinca.

O menino-Jesus, que se mantém central em todos os presépios, tem sido preterido face ao Pai-Natal. “Na minha infância o Menino Jesus trazia, pela noite dentro, rebuçados de meio tostão e figos secos, hoje um Pai Natal barrigudo traz ipads e iphones mas o espírito natalício permanece”, acredita Fernando Calado.

António Castro transportou pela vida fora o Natal da sua infância no Minho

O professor de História, António Castro, residente em Mogadouro, é mais crítico com o caminho que a quadra levou. “Não sei que magia tem este tempo de Natal que, se por um lado, nos leva a recordar os tempos que já vivemos, os nossos tempos de “meninos e moços”, de sonhos, de fantasias e os tempos que hoje vivemos, nesta desordem de uma sociedade consumista, em que o ter é mais importante que o ser. Nos tempos da minha juventude, a época natalícia era algo de maravilhoso e fascinante, de sonho e de fraternidade.

Acabadas as aulas, eis que regressávamos ao nosso meio rural, onde revíamos amigos  conversávamos com pessoas mais idosas que nos ensinavam, as nossas mães e suas ajudantes, acendiam o lume logo de manhã bem cedo, com grossos troncos de madeira, bem seca para fazer as delícias de Natal e aquecer o ambiente. Era vê-las, com os lenços na cabeça, mangas arregaçadas, de volta do lume, ou da maceira, a fazer os petiscos. Era preparar o polvo, o bacalhau, os “sonhos”, as rabanadas, a aletria, o arroz-doce, eu sei lá quantos petiscos”, contou.

Entretanto, iam chegando a família que ia passar o Natal. “Chegada a hora da “ceia de Natal”, antes de começar a comer, os meus pais (quais patriarcas), lembravam os nossos familiares que já tinham partido, os emigrantes que tinham partido para ganhar a vida, ou aqueles membros da família, que se encontravam a combater na chamada “guerra colonial. Depois era a ceia. Finda a ceia. Era tempo de entrar em casa junto da lareira “pôr a conversa em dia. Íamos à chamada missa do Galo e beijávamos o Menino Jesus, na Igreja”.

“De regresso a casa, nós os garotos, íamos para a cama, a “sonhar” com os presentes do Pai Natal…Logo de manhã, íamos numa correria, ver os nossos presentes, junto ao pinheirinho, que estava na sala e…eram uns chocolates, umas peças de roupa e um ou outro presentinho dado pelos familiares, que vieram de longe. Para o ano haverá mais. Depois comíamos geralmente o que tinha sobrado da Ceia, a “roupa velha” e outros petiscos”, acrescentou.

Entretanto, tudo mudou. “Que diferença do Natal de hoje…hoje a sociedade é muito consumista, basta ver os anúncios de alguns meios de comunicação social…são anúncios de perfumes, de roupas “da moda, de marcas caras”, de viagens, eu sei lá…na televisão só dá futebol (e eu até gosto de futebol…), de telenovelas…mas devia ser uma festa mais da Família, de lembrar os que já partiram, de cuidar dos mais idosos que nos criaram…dos que já perderam a família, os empregos, o carinho que merecem depois de uma vida de trabalho para criar os seus filhos (e muitas vezes os seus pais), do amor que têm aos seus netos…O Natal tem de ser mais Cristão e menos comercial”.

“A afetividade familiar, da alegria que imperava no nosso humilde lar” estão gravadas em Nuno Pires

Para Nuno Pires, diretor do Estabelecimento Prisional de Bragança, reteve “a simplicidade” do Natal da sua meninice. “Passado e vivido numa aldeia, onde, na altura, não havia ainda telefone, energia elétrica, rede de abastecimento de água potável, ou mesmo qualquer ligação rodoviária. Talvez, por isso, afetivamente, o Natal, naquele nosso mundo rural, fosse vivido e sentido de maneira diferente. Não me esqueço da preparação natalícia que a minha mãe fazia, sobretudo numa altura em que não se falava em Pai Natal, mas no Menino Jesus, que descia pela chaminé para nos trazer os presentes e os colocaria no sapatinho. Neste contexto, religiosamente, colocávamos os sapatos junto à lareira, a que chamávamos lume, debaixo da chaminé, no caso de ela existir, porque nem todas as casas tinham chaminé.

Na noite, de consoada quase não dormia. No dia de Natal, logo pela manhã, lá ia eu à cozinha ver o que o Menino Jesus me tinha deixado. Um simples brinquedo, barato, pois o dinheiro estava caro, uma tabuada, uma caixa de meia dúzia de lápis de cor Viarco”.

Era tudo à volta do básico, mas alguns nem isso tinham. Nuno Pires garante que “nunca” esquecerá “essas vivências, da afetividade familiar, da alegria que imperava no nosso humilde lar”.

“Mesmo com a azáfama da azeitona, a minha mãe não deixava de fazer os fritos tradicionais da consoada. A Ceia de Natal e sua envolvência eram potenciadoras de entusiasmo, de alegria e bem-estar familiar, dos sorrisos afetivos dos meus pais, da interatividade positiva dos meus irmãos. Ah!...o “vinho fino”, que o meu pai dizia ter vindo do Porto, também era presença habitual na mesa, embora, lá em casa, o consumo de etílicas fosse reduzido”.

Baile do dia de Natal era do que mais gostava Carla Afonso

Carla Afonso, professora, passava o Natal com a família nuclear (pai e mãe) em casa. “Ocasionalmente havia um senhor da aldeia que vivia sozinho, após o falecimento da sua esposa então, os meus pais faziam questão que ele passasse a consoada connosco. Assim sendo, ele consoava connosco todas a vésperas de Natal e em que não ia para a França estar com a família, ou quando eles não vinham ter com ele”, contou.

A véspera de Natal para além da típica ceia. “Pouco mais fazíamos, mas na verdade, fazíamos muito, pois estávamos em família!. Desde bem pequena que, apesar de não haver muitos recursos financeiros, havia sempre o Pai Natal de chocolate que aparecia todas as manhãs do dia de Natal na minha mesinha de cabeceira, que sempre me deliciou e do qual ainda hoje me recordo dele com muito carinho e nostalgia. Para além disso, também recebia a cada ano, nesse dia roupa. Essa roupa era sempre usada nesse dia e era com ela que eu ia de peito para a Missa de Natal, era aí que todas as crianças/adolescentes “desfilavam” as suas fatiotas para que todos vissem que o que tínhamos recebido do Pai Natal, mais tarde todos nós, a seu tempo, descobrimos a verdade (sem que a magia se tivesse desvanecido), sentindo-nos como verdadeiras princesas e verdadeiros príncipes”, explicou.

O culminar desse dia de Natal era o baile que era feito na Casa do Povo. “Esta a minha atividade de eleição”, admite Carla, acrescentando que a quadra perdeu magia com a morte precoce do pai. “Nunca mais foi o mesmo após a partida do meu pai, contudo o nascimento do meu filho, anos mais tarde, fez-me recuperar a vontade de celebrar o Natal.

Nesta nova fase recuperei a decoração da casa, da árvore e novas tradições se criaram para além da ceia que se manteve sempre, tais como jogos de tabuleiros, brincadeiras de crianças, a abertura de prendas e voltar para a mesa para nos deliciarmos com os doces típicos da época festiva”, referiu.

“O Natal era feito de preparativos simples, mas com o rigor de um protocolo meigo”

Lucinda Carpinteiro, engenheira florestal de Felgueiras, no concelho de Torre de Moncorvo, lembra-se bem dos dias de Natal. “Natal sempre foi para mim uma época de amor e de família.

Cresci numa aldeia, onde o tempo parecia que corria a um ritmo saudoso, onde as lareiras acesas aqueciam e davam cor às narrativas! O Avô Alfredo era um homem sábio, um ávio contador de histórias, das suas histórias! Era um homem de vivências profundas, e diversas. Contava sua estadia no Brasil, de onde veio, sem arrependimentos; repetia que lhe faltava a neve e geadas da aldeia onde nascera; por esse motivo, não se adaptou por terras de vera cruz. Estivera também 3 anos na tropa no Loreto, em Bragança. Desses tempos sentia saudades... “Oh, o quartel do Loreto! Bons tempos...” — dizia ele… Contava também as suas viagens, as que fazia durante a noite pela serra do Reboredo para a vila, onde trazia os alforges cheios de Pão e caixas de peixe para vender na taberna; o seu cavalo castanho, que mancava da pata esquerda, era seu amigo e companheiro de viagem. Da sua perspicácia, conhecia bem os fregueses que frequentavam a taberna do “Tio Alfredo”, as suas histórias de vida austera. “Era o vinho que lhes trazia alguma alegria”, dizia ele”, recordou ao Mensageiro.

Lucinda prossegue: “O meu olhar atento e curioso palpitava, escutava sem me distrair por um segundo que fosse as histórias que meu avô contava. Eram capítulos de livros imaginários, de várias cores; cheios de personagem misteriosas, cada uma mais bela que a anterior. A caneca de café em cima do borralho junto às brasas já ferve, sinto o seu aroma, suave e belo, a café, que até hoje ainda está entranhado na minha alma. Lembro-me bem dos dias de Natal. Sim, dias! A preparação começava uns dias antes, logo a festa também. O Natal era feito de preparativos simples, mas com o rigor de um protocolo meigo, onde minha mãe, Ester de seu nome, preparava, com a ajuda de todos, a ceia de Natal. Era a união da família em volta, dos afazeres”, indicou Lucinda.

Os presentes eram simples, mas existiam e agradavam às crianças. “Não havia compras extravagantes, nem embrulhos grandes de laços e fitas; havia, sim, a ternura e dedicação e partilha de alguns presentes simples e modestos, como a plasticina para brincar ou livro da Anita, lápis de cor, canetas cadernos para partilhar, música que ouvimos no gira disco do meu pai, e os sinos de chocolate entre outra coisas”, contou.

Em Felgueiras “as ruas eram frias e escorregadias”, lembra. “Eu, em pequena, conhecia cada pedra da rua que me levava a casa dos meus avós. Correr por essas ruas com a levezes de uma criança, era brincar para mim. Pelo simples facto de correr, contra o vento ou a seu favor, era feliz. O meu Avó Alfredo guardava uma caixa de madeira, religiosamente. Todos os anos, era nessa caixa que transportávamos o musgo, que apanhávamos no monte do Ervedal. Eu e os meus irmãos tínhamos a nobre tarefa de o apanhar. Recordo-me do seu cheiro; do veludo verde do musgo húmido, que cobria o solo como se fosse para o proteger do frio. Dizia o meu avô que o musgo mais bonito era para a cabana do menino Jesus. Eu bem me esforçava para o apanhar, mas confesso que me perdia a colher as bugalhas dos carvalhos. Lá estava eu, a correr e a brincar atrás das bugalhas que escorregavam monte abaixo… O presépio podia esperar, pensava eu... O menino Jesus ainda não nascera. Lá do fundo do monte ouvia a voz das minhas irmãs e do meu irmão, chamavam por mim: “onde estás?” O eco da voz deles entrava na clareira entre os carvalhos e pinheiros até chegar a mim, era algo mágico. Lá vinha o Tim, nosso cão, a correr até mim. “Estou aqui, estou aqui” dizia eu, como se o aqui estive-se tão perto dos meus sonhos. Era um Natal que não era feito de embrulhos, nem de muitos presentes, mas de momentos simples e profundamente mágicos”.

Na casa do Remadeiro, na casa dos seus meus pais, o ritual era fazer o presépio, passado alguns anos mais tarde, juntou-se o pinheiro, e com ele vieram as bolas de chocolate, os sinos de chocolate, o algodão branco a pintar o pinheiro de neve. “O presépio ocupava uma pequena parte da sala, junto da porta da varanda, tínhamos todas as peças do presépio, cada peça de barro pintado de várias cores, a estrela os pastores, ovelhas, os reis magos, o cão, as casinhas, a ponte do rio, a cabana, o carpinteiro, Nossa Senhora e São José e o Menino Jesus. A minha mãe colocava as peças cuidadosamente nos seus locais. Enquanto o meu pai ocupava-se da lareira. Colocava um troco de amendoeira que ardia lentamente, tudo era calmo e sem presa, o tempo corria devagar e o frio da noite era aquecido pelo calor da família reunida.

A comida era típica e de conforto. “A ceia de Natal, em casa de meus pais, era na sala, com tudo o que o menino Jesus merecia. Nunca faltavam as sopas de grão-de-bico. A minha avó, trouxera, de herança com ela, a receita de tradição de família “As sopas do grão-de-Bico, na nossa família sempre se fizeram” — dizia ela. Para a ceia da noite de Natal, ainda hoje a minha mãe as faz, e peço a Deus que eternamente as faça. A Missa era do Galo. Nessa noite, a fogueira aquecia a aldeia inteira; todas pessoas em seu redor se conheciam pelo olhar. eram comunidades unidas pela mesma fé na adoração o menino Jesus.“ Entrai pastores, Entrai”, cantava-se junto a fogueira”.

A quadra continua a ser celebrada em casa. “Hoje, o Natal ainda é em família, mas o tempo troca-nos as voltas e traz-nos alguns vazios; vão faltando algumas pessoas que amamos , como as peças do presépio que se foram quebrando… As raízes são nosso refujo, trazem-nos a memoria de tempos felizes. Natal é sempre em família e especial, mas os tempos mudam, e nós mudamos com eles…. Já no corro para casa do Avô Alfredo a deixar a bota na chaminé, nem dormia pensar no que bota me poderia trazer., corria que nem uma flecha, rua a baixo, pensava eu espero que o menino Jesus se poderia ter esquecido da minha bota, como se isso fosse possível! A bota era sempre a maior que eu tinha, do meu pé de criança .. Sou do tempo da inocência, e no presente que tento enganar, para que as memorias sejam intemporais. Hoje vivemos no tempo do Pai Natal, já me fui habituado à magia da sua barba branca como a neve, e com ele troce o consumismo, que anima os sonhos das crianças, os meus sobrinhos aprenderam que menino Jesus é que vem na noite de Natal, mas as escolas esperam pelo Pai Natal. Os tempos obriga-nos a receber bem o homem de babas barquinhas simpático, é verdade que os tempos “pulam e avançam”, mas o importante é não perdermos a vontade de sonha , de perceber que o essencial esta no coração cada uma de nós. O amor é a força que une a família. O Natal sempre foi e será para mim, em família, à espera do menino Jesus”.

Glória Lopes

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