domingo, 2 de fevereiro de 2025

O Teatro Municipal de Bragança será palco de um novo festival: o 𝐅𝐞𝐬𝐭𝐢𝐯𝐚𝐥 𝐈𝐧𝐭𝐞𝐫𝐢𝐨𝐫 𝐜𝐨𝐦 𝐕𝐨𝐳 🎤🎵

 Entre 22 de fevereiro e 30 de abril, o festival trará a Bragança um ciclo de concertos para uma celebração única da música portuguesa, reunindo tanto nomes consagrados e como novos talentos emergentes em espetáculos imperdíveis
O 𝐅𝐞𝐬𝐭𝐢𝐯𝐚𝐥 𝐈𝐧𝐭𝐞𝐫𝐢𝐨𝐫 𝐜𝐨𝐦 𝐕𝐨𝐳 não é apenas uma sequência de concertos, mas um convite para experienciar a riqueza cultural da música portuguesa em todas as suas formas.

Bilhetes AQUI.

O Lodo e as Estrelas

Por: Ernesto Rodrigues
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

 
O meu Verão de 1975, após um semestre em França, foi dedicado a O Lodo e as Estrelas, do Padre Telmo Ferraz, agora justamente celebrado pelos conterrâneos de Bruçó. Ocupou-me a tal ponto, que só há duas entradas no diário da época:
«31 de Julho. O grupo amador A Máscara estreia O Lodo e as Estrelas, que adaptei da obra homónima [1960] do padre Telmo Ferraz: as condições sub-humanas em que vivem os construtores da barragem de Picote, nos finais de 50.
Vai ser a travessia do distrito, à boleia, dormindo, comendo e representando onde bem calhar. Cai-me o cabelo de um ano pelas costas e a barba não se fica atrás.
Não há outra saída nesta cidade para um verão tórrido e cheio de maus sinais. Extremam-se os sentimentos dos portugueses, enquanto me pergunto se vou estar um segundo ano parado, à espera de entrar na Universidade.
10 de Setembro. Terminámos a digressão, sete mânfios de boa vai ela. Houve de tudo: desde problemas internos a apodos de «comunistas». Servimo-nos de atrelados de tractores, dormimos sobre fardos de palha, lavámo-nos em chafarizes.
Foram 22 sessões, com a peça e respectiva discussão pública precedidas de versos mais ou menos violentos (de poetas argelinos, por mim traduzidos, ao “Cântico Negro” regiano) que eu debitava. Tudo, bom Deus, entre o louvável e o péssimo. Agora, descansando, e cortando sempre, revejo as minhas três peças na gaveta.»
Retrato do Grupo de Teatro A Máscara, com nome impresso nas t’shirts, e uma cena com o capitalista lendo jornal, indiferente ao proletário no lodo, podem ser vistos no blogue de Henrique Martins: são imagens de um tempo em que a juventude intervinha, no ano em que esquerdas queriam alfabetizar à força o Nordeste e direitas incendiavam sedes e automóveis.
 O nosso teatro de guerrilha, por terras onde nunca se vira um palco, talvez deixasse alguma impressão saudável – no título, ao menos, que certos jornais gralhavam como O Iobo e as Estrelas…
Eram textos curtos e fortes, e, como os trabalhadores que para o Douro vinham, prosas deslocadas, o que sobressaltou censores do espírito, sem a flagrante empatia dessas páginas.
A edição tornou-se raridade.
Enquanto isso, noutro palco de guerra, angolano, o padre Telmo Ferraz fazia infinitamente mais do que nós: salvava corpos e almas. Homem de barragens ao medo e à miséria, eu ia sabendo de seu cá e lá, sem a oportunidade de uma longa conversa em que agradecesse livro, entretanto reeditado (1975), convidando a olhar as estrelas. Agradecendo, também, haver uma criatura de Deus tão importante nas nossas vidas.


Ernesto Rodrigues
(Torre de Dona Chama, 1956) é escritor e professor universitário.

Os Restos Mortais de Eça, pertencem ao Estado ou à Família?

 Por: Humberto Pinho da Silva 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Um grupo de admiradores do genial escritor, Eça de Queiroz, quis homenageá-lo – transladando os restos mortais, do escritor, para o Panteão.
Esqueceram-se, porém, que a obra do maior estilista da língua portuguesa, pertence à nação, mas os restos mortais – já que não indicou local onde queria ser sepultado, – não são do Estado nem da Povoa do Varzim, onde nasceu, mas à família.
Criou-se, então, acesa polémica, entre os descendentes de Eça, e o grupo de admiradores, que nas melhores intenções – penso eu, – quiseram homenagear o escritor, que há quatro décadas repousa, o sono eterno, em Santa Cruz do Douro. Polémica, que a imprensa nacional parece não lhe dar o devido valor, já que raras são as referencias, ao assunto.
Não comento quem tem ou não razão, mas limito-me a levar a matéria, ao conhecimento do atento leitor:
António Eça de Queiroz foi o primeiro a opor-se à trasladação, por considerar:"Ser uma farsa politica negociada entre " amigos" pois o ridículo "“processo" de trasladação dos restos mortais de Eça para o Panteão Nacional é, além duma parolada de pretensiosos, um insulto à memória das pessoas que há mais de três décadas tudo fizeram para que Eça descanse em paz junto da sua filha mais velha no cemitério de Santa Cruz do Douro. Com o acordo das netas, ainda vivas." - Texto publicado no: Jornal de Baião", de 7/7/2021.
Mais adiante, escrito com o entusiasmo e energia, característica peculiar do antepassado, António Eça de Queiroz, continua:
" Definitivamente o termo " Descansa em Paz" parece hoje apenas um pró-forma semi-piedoso, mas sem qualquer valor real: basta o Estado querer que já não descansa. (...) A Fundação Eça de Queiroz, que não é proprietária do cadáver nem pode ser, avançou com este processo através das suas canalizações políticas, sem dar explicação a ninguém.
" A mim e aos restantes familiares, que somos contra este espectáculo macabro, só nos resta apoiar quem desde sempre foi contra a remoção dos restos mortais do escritor Eça de Queiroz. “- idem: “Jornal de Baião” 7/7/2021.

(Continua)


Humberto Pinho da Silva
nasceu em Vila Nova de Gaia, Portugal, a 13 de Novembro de 1944. Frequentou o liceu Alexandre Herculano e o ICP (actual, Instituto Superior de Contabilidade e Administração). Em 1964 publicou, no semanário diocesano de Bragança, o primeiro conto, apadrinhado pelo Prof. Doutor Videira Pires. Tem colaboração espalhada pela imprensa portuguesa, brasileira, alemã, argentina, canadiana e USA. Foi redactor do jornal: “NG” e é o coordenador do Blogue luso-brasileiro "PAZ".

OS FIDALGOS - CARVALHAIS

 CARVALHAIS

1º MATEUS VASQUES DA GUERRA, de Mirandela, que residiu em Carvalhais, erigiu em 1701 uma capela, com vínculo de morgadio, dedicada a S. Mateus (213), junto das suas casas de moradia em Carvalhais (ou Mirandela? Supomos que foi em Carvalhais).
2º D. VALÉRIA JOANA DE S. FRANCISCO, que nasceu em Carvalhais, concelho de Mirandela, a 16 de Dezembro de 1720 e professou no convento de Santa Clara de Vinhais em 1745.
Era filha de D. Alexandre de Macedo Soto Maior e Castro e de D. Caetana de Castro e Sousa, que residiram em Carvalhais.
Neta paterna de D. Duarte de Macedo e de D. Mariana, naturais de Vila Real.
Neta materna de Valério de Castro Delgado e de D.Mariana de Sousa, de Murça.
3º D. LOURENÇA MARIA DE MACEDO (na clausura D. Lourença Maria de Santo António), irmã da precedente, nasceu em Murça, onde os pais também residiram, a 10 de Agosto de 1715 e professou em 1744, no mesmo convento(214).
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(213) Museu Regional de Bragança, maço Capelas.
(214) Museu Regional de Bragança, maço Freiras de Vinhais. Sobre a família dos Soto Maiores que por Carvalhais teve passagem, ver MENERES, Alfredo – Carvalhais, Traços Históricos, 1916, p. 241 e seguintes. Adiante, em Pessanhas, voltaremos a referir-nos a esta família.
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Visconde de Chanceleiros

SEBASTIÃO JOSÉ DE CARVALHO, primeiro Visconde de Chanceleiros, em sua vida, por decreto de 13 de Setembro de 1865; par do reino, por sucessão a seu pai, cargo de que tomou posse e prestou juramento na sessão da Câmara dos Pares de 9 de Agosto de 1861; ministro e secretário de Estado honorário; ministro das obras públicas em 1 de Março de 1871; plenipotenciário, por parte de Portugal, para negociar um tratado com a Bélgica; governador civil do distrito de Lisboa; bacharel formado em direito pela Universidade de Coimbra; Grã-Cruz das Ordens de Leopoldo da Bélgica e da Imperial Ordem da Rosa do Brasil.
Nasceu na quinta do Rocio, freguesia de Nossa Senhora das Virtudes, da Ventosa, concelho de Aldeia Galega, a 11 de Janeiro de 1833 e casou em 1868 com D. Albertina Ema da Cruz Guerreiro, filha única dos primeiros Viscondes de Vale de Lamas. Faleceu em Junho de 1905.

Ascendência do Visconde de Chanceleiros

1º PEDRO DE CARVALHO, proprietário na vila de Murça, de onde era natural, casou com D. Leonor do Espinheiro, natural de Carvalhais.
Descendência.
2º SEBASTIÃO JOSÉ DE CARVALHO, proprietário e lavrador abastado que casou com D. Josefa Maria de Carvalho, ambos naturais da freguesia de Carvalhais, termo de Mirandela, onde residiram.
D. Josefa Maria de Carvalho era filha de Manuel Rodrigues de Carvalho, natural de Carvalhais, e de D.Vitória Nunes, natural do lugar de Vilarinho de Azenha, termo da comarca de Moncorvo.
Descendência:
I. Sebastião José, bacharel formado em direito, foi ministro de Estado dos negócios da fazenda em 1820, deputado as cortes de 1821 e serviu de deputado-comissário geral do comissariado do exército. Faleceu a 27 de Fevereiro de 1827.
II. Manuel António, primeiro Barão de Chanceleiros (3º, adiante citado).
3º MANUEL ANTÓNIO DE CARVALHO, primeiro Barão de Chanceleiros, em sua vida, por decreto de 12 de Agosto de 1845; conselheiro de Estado efectivo; par do reino por carta régia de 22 de Outubro de 1847, de que prestou juramento e tomou posse na Sessão de 7 de Janeiro de 1848; ministro e secretário de Estado honorário, cargo que exerceu por várias vezes e em ocasiões melindrosas e difíceis no Ministério dos Negócios da Fazenda; por diversas cartas régias foi nomeado para presidir à Câmara dos Pares, nas faltas eventuais do presidente e vice-presidente efectivos; deputado da nação às cortes de 1820, ao congresso constituinte de 1836 e nas legislaturas de 1839-40 e 1840-46; desembargador extravagante da Casa e Relação do Porto; deputado da Junta dos Reais Empréstimos; bacharel formado em direito pela Universidade de Coimbra e habilitado pelo Tribunal do Desembargo do Paço para exercer os lugares da magistratura em 1813; comendador da antiga Ordem da Torre e Espada; condecorado com a medalha de quatro campanhas da Guerra Peninsular; comendador da Ordem de Leopoldo da Bélgica.
A ele nos referiremos no volume consagrado aos escritores. Nasceu em Carvalhais, concelho de Mirandela, a 31 de Maio de 1785 e faleceu em Lisboa a 18 de Dezembro de 1858.
Casou a 22 de Outubro de 1826 com D. Maria José de Carvalhosa Henriques, filha de João Anastásio de Carvalhosa Henriques, do conselho da rainha D.Maria II; provedor do Algarve; bacharel formado em leis pela Universidade de Coimbra e proprietário no lugar da Cortegana, termo de Aldeia Galega e da Merciana.
Descendência:
I. D. Maria do Rosário, que nasceu em 1832 e casou com Carlos Zeferino Pinto Coelho, viúvo de D. Rosalina de Sá Viana, bacharel formado em direito e distintíssimo advogado, que muito se notabilizou em grandes debates nos tribunais de Lisboa, e deputado da nação nas legislaturas de 1857, 1860-64 e 1865-68.
II. Sebastião José, primeiro Visconde de Chanceleiros (atrás citado).
III. Lourenço António, que nasceu em Lisboa a 27 de Fevereiro de 1837.
Foi ministro e secretário de Estado honorário; bacharel formado em matemática pela Universidade de Coimbra; deputado da nação nas legislaturas de 1865-69, 1872-74 e 1875 77; engenheiro civil e Grã-Cruz da Ordem de Carlos III de Espanha.
Casou a 31 de Maio de 1877 com D. Mariana Carolina do Casal Ribeiro, filha dos primeiros Condes de Casal Ribeiro.
IV. Pedro Augusto de Carvalho, que nasceu em Lisboa a 8 de Julho de 1841. Foi do conselho de El-Rei D. Luís I; director geral das contribuições directas no ministério dos negócios da fazenda e bacharel formado em direito pela Universidade de Coimbra.
BRASÃO. – Um escudo com as armas dos Carvalhos. Por timbre um cisne de prata com a estrela das armas no peito.
O brasão de primeiro Barão de Chanceleiros foi passado a 30 de Junho de 1826 e o de visconde do mesmo título a 23 de Maio de 1840 (215).
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(215) PINTO, Albano da Silveira; SANCHES DE BAENA – Resenha das Famílias Titulares e Grandes de Portugal, vol. I, p. 451. Ver SANCHES DE BAENA, Arquivo Heráldico Genealógico, p. 461. Dicionário Bibliográfico, tomo 19, artigo «Sebastião José de Carvalho». MENERES, Alfredo – Carvalhais, traços históricos, p. 299, onde largamente se trata desta família.
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Os Soto Maiores, de Carvalhais, concelho de Mirandela, provêm de um fidalgo galego, que se estabeleceu em Portugal no tempo de El-Rei D. Afonso V, a quem prestou grandes serviços, e por isso lhe deu o título de Conde de Caminha.
1º D. PEDRO DE SOTO MAIOR, descendente do citado fidalgo galego, casou com D. Filipa de Sousa e Castro e passou a residir em Vila Real, onde faleceu em 1664.
Descendência:
D.Maria de Soto Maior, que casou em Mirandela com Mateus Vasques de Guevara.
Descendência:
2º D. FILIPA DE MACEDO, que casou com seu primo D. Alexandre de Macedo Soto Maior, que nasceu em Várzea do Douro a 4 de Janeiro de 1683, capitão-mor de Murça, e fixou depois residência em Carvalhais, administrando os bens que aí possuía e o morgadio de Mirandela.
D. Alexandre de Macedo Soto Maior casou, em segundas núpcias, com D. Caetana de Sousa Cabral, de Murça, filha do doutor Valério de Castro Delgado e de D.Maria de Sousa Cabral.
Deste segundo matrimónio deixou, além de outros, os seguintes descendentes:
I. D. Henrique de Macedo Soto Maior, senhor do morgadio de Mirandela, que casou em Alfândega da Fé a 19 de Outubro de 1755 com D.Mariana Josefa de Sousa e Meneses, filha do doutor Domingos Luís de Almeida Noga e de D. Ana de Sousa Meneses. Nasceu em Carvalhais em 1721 e aí faleceu em 1770.
Além de outros, deixou os seguintes descendentes:
a) D. Alexandre, fidalgo da Casa Real, senhor do morgadio de Mirandela e prazos de Carvalhais, pai de D. Margarida, que casou com Francisco Sebastião Pessanha (ver 8º em Pessanhas).
II. D. Mariana de Macedo Soto Maior, que casou em Vila Flor com Tomás Manuel de Morais e Castro, monteiro-mor, senhor de um morgadio em Linhares, concelho de Carrazeda de Ansiães, e do da Praça, concelho de Vila Flor.
Sucedeu-lhe seu filho:
a) Francisco António de Macedo Soto Maior, que casou com D. Luísa Leite Pereira de Almeida Machado e Lemos.
Descendência:
Francisco de Morais Leite Soto Maior e Castro, que casou com sua prima D. Guilhermina Leite Pereira de Seabra.
Descendência:
Agripino.
Adília.
Felicidade.
Arnaldo.
Beatriz.
D.Maria Leopoldina de Morais Leite Soto Maior de Castro, que casou em Freixiel, concelho de Vila Flor, com Justiniano de Morais Madureira Lobo, senhor de um morgadio na mesma povoação.
Descêndencia:
Guilhermino.
Beatriz.
Isabel.

MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA

Guilhermino Augusto de Barros - Os Governadores Civis do Distrito de Bragança (1835-2011)

 8.agosto.1860 – 26.junho.1861
PESO DA RÉGUA, 17.11.1828 – LISBOA, 16.4.1900

Alto funcionário da Administração Pública.
Bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra.
Deputado (1858-1859, 1861-1864, 1865, 1868, 1885 e 1887). Governador civil de Bragança (1860-1861), Castelo Branco (1865-1868 e 1869-1870) e Lisboa (1877). Par do Reino (1.2.1886).
Natural do Peso da Régua.
Filho de Francisco Manuel de Barros e de Maria Maximina de Barros, lavradores.
Casou com Júlia Vaz Preto Giraldes, de quem teve quatro filhos: Guilhermino Augusto de Barros, bacharel em Direito e professor da Escola Normal de Coimbra; Manuel Augusto Vaz Preto Giraldes de Barros; Maria Máxima Vaz Preto Giraldes de Barros; e João José Augusto Vaz Preto Giraldes de Barros.
Comendador da Legião de Honra, de França (1878). Agraciado com a carta de Conselho (1881) e com o prémio D. Luís, da Academia Real das Ciências.

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Guilhermino Augusto de Barros nasceu no Peso da Régua em 17 de novembro de 1828, no seio de uma família de pequenos lavradores locais. O desenvolvimento do negócio do vinho dotou a família de posses suficientes para enviar Guilhermino para o liceu de Vila Real. Permaneceu em Vila Real até 1847, e ali conheceu pessoalmente Camilo Castelo Branco, com quem estabeleceu uma profunda amizade que conservaria até ao final da vida do eminente escritor.
Em 1846, preparava-se para ingressar na Universidade de Coimbra quando eclodiu a guerra civil da Patuleia, pelo que apenas no ano seguinte pôde ingressar no ensino superior. Em Coimbra, travou amizade com Manuel Vaz Preto Giraldes, influente personalidade beirã que chegaria a deputado e par do Reino, e que o apresentou ao então visconde da Graciosa, Fernando Afonso Geraldes de Melo de Sampaio Pereira. Estava estabelecido um círculo de relacionamentos que abriria a Guilhermino de Barros diversas portas ao longo da sua vida política e profissional.
Ainda nos seus tempos de estudante, colaborou em vários jornais literários e poéticos, nomeadamente nos jornais O Bardo, onde escreveram Camilo Castelo Branco, Soares de Passos, Rebelo da Silva e Lopes de Mendonça, no Novidades e na revista O Instituto, valendo-lhe um dos seus poemas a atribuição do Prémio D. Luís pela Academia Real das Ciências.
Poucos meses após terminar o curso de Direito, em 1853, foi nomeado secretário do Governo Civil de Vila Real, lugar que exerceu até 1858, assumindo por diversas ocasiões o cargo de governador civil interino.
Nesse ano de 1858, já filiado no Partido Histórico, Guilhermino de Barros foi pela primeira vez eleito deputado, pelo círculo de Chaves. Parte então para Lisboa, onde partilha casa com o futuro primeiro-ministro José Luciano de Castro. Revelou- se desde logo um parlamentar bastante ativo: foi secretário da mesa em várias ocasiões, integrou a comissão para examinar as Juntas de Distrito e a sua primeira iniciativa consistiu em subscrever, com outros deputados, um projeto de lei e uma nota de interpelação relativos a interesses de Trás-os-Montes, região que representava e sobre a qual se voltou a pronunciar por várias vezes, nomeadamente na discussão das questões do Douro e da indústria vinícola, que se repercutiram na crise comercial do Porto (17.11.1858 e 11.12.1858). No ano seguinte, as suas preocupações voltaram a centrar-se na questão vinícola e só escapou ao pendor fortemente regionalista quando discutiu a lei do recrutamento (26.5.1859).
Seria eleito deputado segunda vez em 1861 ( juramento a 25.6.1861), agora pelo círculo uninominal de Vila Real, mantendo-se no Parlamento até 1864. Nos dois primeiros anos, a sua atividade parlamentar foi escassa, mas a partir de 1863 passou a integrar diversas comissões (Fazenda, Obras Públicas, Administração Pública, Infrações, etc.). Nesse período, merece destaque o debate sobre as eleições municipais de 1863 em Vila Real (fevereiro de 1864), quando foi acusado pelo deputado Pinto de Araújo de ser o principal instigador de coações e fraudes. Depois de algumas sessões polémicas, com extensa publicação de documentos, tudo terminou numa agressão física de Guilhermino de Barros àquele deputado, no final da sessão parlamentar de 16 de fevereiro de 1864. No dia seguinte, Fontes Pereira de Melo e José Maria do Casal Ribeiro defenderam a sua condenação formal pela Câmara, mas José Luciano de Castro e Vaz Preto, seus amigos pessoais, saíram em sua defesa, invocando o seu “caráter rígido, austero e virtuoso” e considerando-o um “cavalheiro prudente e cordato, urbano para todos”, que “nunca teve uma mancha na sua vida”, explicando a sua atitude com “o excesso de pundonor que se coloca acima de todas as considerações pessoais”. A maioria do Partido Histórico acabaria por inviabilizar a censura parlamentar pretendida pela oposição.
É também de relevar a sua intervenção na discussão do contrato dos tabacos, no âmbito da qual, num dos seus mais importantes discursos, proferido a 14 de março de 1864, defendeu a proposta governamental para o referido contrato, não se limitando à discussão técnica da questão, antes enveredando pela apreciação dos partidos políticos. Num momento em que o Partido Histórico vivia a sua mais longa permanência no poder, definiu o Partido Regenerador como “apenas uma seita dissidente de uma grande árvore […] e essa igreja universal é, no meu entender, o Partido Histórico”, mal adivinhando que a fusão entre históricos e regeneradores estava a meses de ser uma realidade.
Em finais de 1864, voltou a ser eleito pelo círculo de Vila Real, para a legislatura de 1865, esta de curta duração, pois a Câmara dos Deputados seria em breve dissolvida, formando-se então a referida coligação entre Históricos e Regeneradores que resultaria no chamado Governo da Fusão. Guilhermino de Barros, histórico, prescindiu de ser candidato em favor de um regenerador e em jeito de compensação, em setembro de 1865, é nomeado governador civil de Castelo Branco.
Na capital da Beira Baixa, ficou a residir na Casa da Lousa, do seu amigo Manuel Vaz Preto Giraldes, e ali desenvolveu numerosas ações para o estabelecimento de uma rede de escolas primárias e do ensino liceal e promoveu a fundação do Asilo da Infância Desvalida, que iniciou a sua atividade em 1866.
Em 1868, foi eleito pela quarta vez deputado pelo Partido Histórico, pelo círculo de Idanha-a-Nova, pelo que logo em janeiro desse ano deixou as suas funções de governador civil e regressou a Lisboa. Mas logo no ano seguinte, regressou a Castelo Branco, para casar com Júlia Vaz Preto Giraldes, meia-irmã do seu velho amigo Manuel Giraldes, mas também para reassumir funções como governador civil, em dezembro, lugar que abandona em junho de 1870.
Afastado da política ativa entre 1869 e 1877, recolhido na Casa da Lousa, dedicou- se às letras, especialmente ao romance histórico O Castelo de Monsanto, que viria a ser publicado em 1879 e que mereceu elogios públicos de Camilo Castelo Branco e Manuel Pinheiro Chagas. Não deixou, no entanto, de participar na vida do partido, sendo um dos promotores do Pacto da Granja, que em 1876 levará à fusão de Históricos e Reformistas e à formação do Partido Progressista, a que Guilhermino de Barros adere de imediato.
Em maio de 1877, é nomeado governador civil de Lisboa, mas em razão de uma polémica absurda em torno das festas no Passeio Público, é obrigado a retirar-se do Governo Civil no mês seguinte. Como que para o compensar pela humilhação sofrida, mas também fruto da sua enorme experiência, em outubro o duque de Ávila chama-o para ser diretor-geral dos Correios. Nestas funções, desenvolveu e modernizou a base de funcionamento dos correios, nomeadamente com a introdução dos bilhetes-postais, dos marcos postais e da posta rural, a criação da Museu e Biblioteca Postais e a edição do Anuário Postal. A reconhecida competência no setor valeu-lhe a representação de Portugal no Congresso Telégrafo-Postal de Paris de 1878, sendo nessa ocasião agraciado com a Comenda da Legião de Honra pelo governo francês.
Em 1885, organizou e presidiu o Congresso Postal Universal, realizado em Lisboa.
Em 1881, depois de, no ano anterior, ter presidido à Comissão de Fusão dos Correios e Telégrafos, promoveu a integração do serviço de Telégrafos e Faróis de costa na sua Direção-Geral, visitando pessoalmente todos os faróis do País para melhor avaliar a questão. Deixou uma Memória histórica acerca do telégrafo eléctrico em Portugal, publicada em 1891, e diversos relatórios sobre a atividade dos Correios e Telégrafos, e promoveu a criação da rede telefónica em Portugal, assinando em nome do Governo o contrato que trouxe o primeiro telefone ao nosso País. Em 1882, sob a sua supervisão, era introduzido o serviço telefónico em Lisboa e no Porto.
Neste período da sua vida, depois de um interregno de quase duas décadas, regressou à Câmara dos Deputados em 1885, pelo círculo da Covilhã, numa eleição suplementar então realizada, e uma derradeira vez em 1887, pelo círculo de Idanha-a-Nova. Entretanto, ainda em 1885, subira a par do Reino por Lisboa (posse 1 de fevereiro de 1886). Mas, contrariamente ao que acontecera nos seus mandatos iniciais, as suas intervenções nesta fase da vida parlamentar foram episódicas e refletiram principalmente os interesses decorrentes da sua vida profissional, destacando-se os discursos relativos aos Correios e Telégrafos (28.4.1885 e 1.6.1885) e aos cabos submarinos entre os Açores, os Estados Unidos e a Europa (24.5.1899 e 30.5.1899).
Em 1894, a seu pedido, passou a diretor-geral do Comércio e Indústria e foi também vogal suplente do Supremo Tribunal Administrativo. Ainda nesse ano, publica os Contos do fim do século, em 1894, um poema épico de elogio aos homens que promoveram a mudança da sociedade portuguesa ao longo do século XIX, dedicado aos liberais de 1834 e em particular ao duque de Ávila e Bolama, por quem Guilhermino nutria profunda admiração e respeito.
Como derradeira honra, foi nomeado par do Reino vitalício por carta régia de 17 de março de 1898 (posse a 26 do mesmo mês).
Faleceu em 16 de abril de 1900, em Lisboa, encontrando-se sepultado no jazigo de família, no adro da igreja de Alvações do Corgo, concelho de Santa Marta de Penaguião.
Em sua homenagem, nos anos de 1950 foi atribuído o seu nome a uma rua da cidade de Castelo Branco.

Carta de Augusto de Barros ao governador civil de Zamora sobre a emigração de mancebos (31.10.1860)

Com data de 28 de setembro do ano próximo passado, tive a honra de representar a V. Exa. que os mancebos deste distrito recrutados para o exército se evadiam facilmente para terras de Andaluzia, obtendo nas povoações raianas desse país bilhetes de vizinhança. Muito bem creio que V. Exa. se dignou expedir as oportunas ordens para que se pusesse termo à abusiva concessão daqueles documentos por parte das autoridades subordinadas a V. Exa. – todavia, é certo que o mesmo abuso continua, com grave prejuízo do serviço nacional português, sendo espantosa a emigração dos aludidos mancebos, que vão residir tranquilamente nesse reino sem documento legal que a isso autorize, e munidos unicamente, alguns deles, dos referidos bilhetes de vizinhança.
Nestes termos, e muito confiado na leal cooperação de V. Exa., vou novamente rogar-lhe a adoção das mais enérgicas providências para que os súbditos portugueses não sejam consentidos nesse país quando se não acompanhem de passaporte legal, embora possuam os bilhetes de Espanha, que, sem aquele primeiro documento, devem ser considerados por inválidos, e indevidamente obtidos.
A nação a que pertenço terá mais este distinto serviço que agradecer a V. Exa., e eu mais um penhor da sua obsequiosa atenção, que me desvelarei por corresponder. Barros

Fonte: Arquivo Distrital de Bragança, Governo Civil de Bragança, Correspondência Expedida, liv. 83, cx. 19, fl. 104.

Relatório apresentado por Augusto de Barros sobre o estado do distrito de Bragança (11.6.1861)

Ilmo. e Exmo. Sr. – Em cumprimento do que dispõe o decreto de 25 de fevereiro de 1841, tenho a honra de apresentar a V. Exa. o seguinte relatório, que não enviei em tempo competente, porque esperava coligir documentos estatísticos suficientes para confecionar um trabalho como cumpria, mas não o pude fazer. Seguirei nesta brevíssima exposição os artigos do Código Administrativo que se referem às obrigações dos magistrados superiores do distrito.

Artigo 224.º
Houve durante a minha gerência uma eleição de deputados, em que forcei por manter a liberdade dos cidadãos e verdade da urna. Nas mesas eleitorais não apareceu protesto algum.
Convoquei a Junta Geral a uma reunião que, sob proposta minha, destinou verbas importantes para os seguintes fins:
Compra de máquinas e instrumentos agrícolas (acham-se encomendados).
Penisco (recebeu-se uma porção, e estão encomendados mil e duzentos alqueires).
Prémios às câmaras que fizessem caminhos vicinais (aplicaram-se desta verba 600$000 réis).
Viveiros de plantas (apliquei desta verba 200$000 réis).
Por subscrição em donativo, com aplicação às estradas da província, 10:000$000 réis em cinco anos.
Dei às juntas de paróquia um regulamento para as suas eleições, escrituração e contabilidade.
Estabeleci a vacina periódica em todos os concelhos do distrito, e dei para isso instruções.
Regularizei o processo das folhas dos funcionários. Estabeleci nesta secretaria os livros da estatística geral e estatística comparada, matrícula dos estabelecimentos de piedade e beneficência, matrícula dos funcionários e corporações administrativas, matrícula das juntas de paróquia.
Enderecei ao Governo várias representações sobre alfândegas, cadeias, edifícios do liceu e do Governo Civil, demarcação da raia, lei do uso e porte de armas, etc. De poucas obtive resposta, e menos foram atendidas.
Dei instruções para melhor organização dos mapas estatísticos, notáveis pelo absurdo e irracionalidade, vício comum a estas lucubrações, a que se dá o nome de estatísticas, apesar de nelas não haver ordem nem verdade.

Artigo 226.º
Foram criadas às expensas das Juntas Gerais onze cadeiras de ensino primário, sendo uma para o sexo feminino na freguesia de Valtorno, do concelho de Vila Flor; e as demais para o sexo masculino nas freguesias de Gouveia e Agrobom, do concelho de Mirandela; Santulhão e Vale de Frades, do concelho de Vimioso; Canedo e Paçó, do concelho de Vinhais.
Formei o projeto de fazer admitir pelos estabelecimentos de piedade os princípios seguintes: boa administração, colocação de fundos em títulos de dívida fundada, criação de escolas primárias, auxílio a estabelecimentos de beneficência.
Neste intuito, duas confrarias do concelho de Bragança obrigaram-se a dar anualmente ao Hospital da Misericórdia desta cidade prestações quantiosas; e a de Santo Antão, no concelho de Alfandega da Fé, vai criar duas escolas.

Artigo 227.º
O estado da polícia é misérrimo: não tem organização nem meios. Mandei organizar a cada administração um livro de polícia, e não tive tempo de regular este importante ramo de serviço.
Solicitei por três vezes meios ao Governo para despesas desta ordem no ano económico de 1860-1861, e enviou-me 50$00 réis a 15 de maio último.
Começava a ocupar-me deste importante objeto, que no distrito de Bragança, como limítrofe de Espanha, merece grande atenção.
Concedi 192 licenças para uso e porte de armas. Desde 1834 até ao ano passado tinham-se tirado apenas 41. Este assunto exige prontas medidas legislativas.
As cadeias do distrito acham-se como em todo o País, e os reclusos são alimentados mal e por excessivo preço; a polícia das mulheres prostitutas exige grandes cuidados e tempo onde nada há feito.

Artigo 228.º
É um artigo que, como outros muitos, deve ser banido do Código Administrativo, cuja reforma é sobremaneira conveniente.

Artigo 229.º
O Conselho Administrativo deste distrito é digno de todo o elogio pelo trabalho e inteligência com que trata os assuntos a seu cargo, o que não é vulgar quando os serviços são gratuitos.
Na parte que a lei dá atribuições a este tribunal para regular a fruição dos logradouros comuns, tinha ele a cumprir uma elevada missão, pois que neste distrito há muitos desses terrenos inúteis e desaproveitados, com grande prejuízo da riqueza pública.
Quando, em setembro do ano passado, tomei conta da administração deste distrito e o estudei, conheci que a sua riqueza e prosperidade estava na agricultura e no desenvolvimento da sua viação. Daqui proveio o eu pedir ao Governo e obter um subsídio para a criação de viveiros de plantas, principalmente de amoreiras. Conforme aquele pensamento fiz largas sementeiras desta espécie de árvores e de outras, e comecei a construção dos plantios, ao passo que as câmaras se destinam também a semear extensas matas.
A Junta Geral e todas as câmaras votaram alguns contos de réis como base para um empréstimo com aplicação às estradas da província. O capital e juro deste empréstimo municipal, depois de satisfazer àquela missão, formaria o núcleo de um banco agrícola por associação das câmaras.
Nas sedas, nas lãs, cereais, matas e minérios existe a futura riqueza deste distrito, cujas duas terças se acham incultas, mas faltam-lhe capitais e inteligência.
É inegável, não obstante, que apareceu aqui bastante vida, e que achei o espírito público pronto a adotar as medidas que julguei oportunas para melhorar esta situação imprópria: é mister não deixar apagar os bons desejos. Devo este resultado à boa vontade da Sociedade
Agrícola e outras corporações administrativas, como à Junta Geral e Conselho de Distrito, que todos me auxiliaram e guiaram.
Por último, direi a V. Exa. que tendo presenciado o bom serviço, probidade e a inteligência que assiste a seus empregados, faltaria a um dever se não os apresentasse a V. Exa. como tais, especializando o secretário-geral e oficial maior, que reúnem, além de tais qualidades, uma honestidade não vulgar à dignidade que é tão própria dos funcionários públicos.
Deus guarde a V. Exa. Bragança, 11 de junho de 1861. – Ilmo. e Exmo. Sr. ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino. – O governador civil, Guilhermino Augusto de Barros.

Fonte: Relatorios sobre o estado da administração publica nos districtos administrativos do Reino e ilhas adjacentes, Lisboa, Imprensa Nacional, 1861.

Fontes e Bibliografia
Arquivo Distrital de Bragança, documentos vários.
Arquivo da Universidade de Coimbra. 1848. Relação e Índice Alfabético dos Estudantes Matriculados na Universidade de Coimbra e no Liceu – 1847-48.
Relatorios sobre o estado da administração publica nos districtos administrativos do Reino e ilhas adjacentes, Lisboa, Imprensa Nacional, 1861.
ALVES, Francisco Manuel. 2000. Memórias arqueológico-históricas do distrito de Bragança, vol. VII. Bragança:
Câmara Municipal de Bragança / Instituto Português de Museus.
CARDOSO, Eurico Carlos Esteves Lage. 1999. A História dos Correios em Portugal. Lisboa: E.C.E.L.
MÓNICA, Maria Filomena (coord.). 2004. Dicionário Biográfico Parlamentar (1834-1910), vol. I. Lisboa:
Assembleia da República.
POUSINHO, Nuno. 2002. “Um Notável Rebelde”, in Revista de História, novembro de 2002.
SOUSA, Fernando de Sousa (coord.). 2003. O Arquivo da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. Porto: CEPESE.
SOUSA, Fernando de. GONÇALVES, Silva. 2002. Os Governadores Civis de Vila Real. Vila Real: Governo Civil do Distrito de Vila Real.
VALLADARES, António Canavarro de. 1970. Camilo e Guilhermino de Barros. Vila Real: Junta Distrital.

Publicação da C.M. Bragança

As estratégias das plantas: como conquistar novos territórios sem sair do lugar

 Neste novo artigo da série botânica dedicada às extraordinárias estratégias das plantas, em Portugal e no mundo, Carine Azevedo explica como as plantas, que não podem sair do seu lugar, conseguem dispersar as sementes para sobreviver e prosperar.

Dente-de-leão (Taraxacum officinale). Foto: Krzysztof Ziarnek/WikiCommons

As plantas desenvolveram estratégias engenhosas para superar a imobilidade. Uma das mais fascinantes é a dispersão de sementes, um processo indispensável para conquistar novos habitats, evitar a competição direta com a planta-mãe e aumentar as hipóteses de perpetuar a espécie.

Mas como o fazem? De que forma usam o vento, a água e os animais? Ou até estratégias autossuficientes, como a gravidade e explosões naturais?

Dispersão pelo vento: a viagem das sementes pelo ar

Uma das formas mais conhecidas de dispersão de sementes é a anemocoria, em que o vento é o principal aliado. As plantas que adotam esta estratégia produzem sementes leves, frequentemente equipadas com estruturas especializadas para maximizar a flutuação. Os exemplos mais icónicos são as sementes de dente-de-leão (Taraxacum officinale), cujas estruturas em forma de paraquedas permitem que sejam transportadas por grandes distâncias. 

Quem nunca soprou, ainda criança, as sementes felpudas de um dente-de-leão maduro, fazendo a pergunta “O teu pai é careca?” enquanto via as sementes a dançarem ao vento? Esta brincadeira infantil, para além de divertida, ilustra de forma encantadora o processo natural de dispersão de sementes pelo vento, transformando este fenómeno ecológico num momento de pura magia e descoberta.

Outro exemplo impressionante é o do bordo (Acer pseudoplatanus). As suas sementes, chamadas sâmaras, têm uma forma característica de ‘hélice de avião’, o que lhes permite ser transportadas pelo vento a grandes distâncias. 

Passageiros da água: as sementes que flutuam 

A água, com a sua capacidade de transportar objetos por longas distâncias, é uma aliada fundamental na dispersão de sementes. Algumas plantas que habitam em áreas próximas de cursos de água, como rios, ribeiras, lagos ou oceanos, desenvolveram adaptações notáveis para aproveitar esse recurso natural a seu favor. O fenómeno, conhecido como hidrocoria, permite que as sementes viajem por longas distâncias, sendo simplesmente levadas pelas correntes de água. 

As sementes destas plantas têm cascas espessas e leves, permitindo que flutuem e resistam à imersão prolongada. Um exemplo clássico é o coqueiro (Cocos nucifera), cujas sementes, envoltas numa casca fibrosa cheia de ar, podem viajar milhares de quilómetros pelo oceano até atingirem praias tropicais. Outro exemplo fascinante é a flor-de-lótus (Nelumbo nucifera), uma planta aquática originária da Ásia, que produz sementes com uma casca dura e impermeável, capazes de flutuar em lagos e pântanos e germinar mesmo após anos de dormência. 

Em Portugal, destacam-se espécies ribeirinhas como o amieiro (Alnus glutinosa), os salgueiros (Salix spp.), os choupos (Populus spp.) e o lírio-amarelo (Iris pseudacorus). Estas plantas têm adaptações específicas que permitem que as suas sementes flutuem e sejam transportadas pelas correntes, colonizando eficazmente novas margens de rios e zonas húmidas. 

Amieiro. Foto: Lidine Mia/WikiCommons

A ajuda dos animais: tAmieiro. Foto: Lidine Mia/WikiCommonsransporte intencional e acidental

Os animais também têm um papel fundamental na dispersão de sementes. A zoocoria, dispersão mediada por animais, é talvez a estratégia mais diversificada e bem-sucedida. Este processo ocorre de diversas formas, dependendo da interação entre a planta e o animal, resultando em diferentes tipos de dispersão.

Há plantas que oferecem frutos saborosos e nutritivos para atrair os animais; estes consomem os frutos e espalham as sementes ao defecar em locais distantes. A esta estratégia chamamos endozoocoria. Um exemplo clássico é o medronheiro (Arbutus unedo), cujos frutos atraem aves como o tordo (Turdus philomelos) e o melro (Turdus merula) e mamíferos como a raposa-vermelha (Vulpes vulpes) e o texugo (Meles meles). O pilriteiro (Crataegus monogyna), o sabugueiro (Sambucus nigra), o azevinho (Ilex aquifolium) e a cerejeira-brava (Prunus avium) dependem de aves como os gaios (Garrulus glandarius), melros, tordos e pombos (Columba spp.) e de pequenos mamíferos, como os esquilos (Sciurus vulgaris), raposas (Vulpes vulpes) e coelhos (Oryctolagus cuniculus) para dispersar as suas sementes. 

Outras desenvolveram uma estratégia diferente, a epizoocoria. Várias gramíneas – como a bole-bole-maior (Briza maxima), a erva-lanar (Holcus lanatus), a cevada-das-lebres (Hordeum murinum), o azevém-perene (Lolium perenne) e a erva-de-febra (Poa pratensis) – têm sementes com espinhos ou ganchos que aderem ao pelo, penas ou patas dos animais, permitindo que sejam transportadas involuntariamente para locais distantes. Outros exemplos são a bardana (Arctium minus) – cujas sementes, dotadas de ganchos, inspiraram a invenção do velcro – e a bardana-menor (Xanthium strumarium), cujas sementes se fixam devido aos espinhos curvos.

Esquilo-vermelho, uma das espécies conhecidas em Lisboa. Foto: Jakub Hałun/Wiki Commons

A mirmecocoria é outra estratégia eficaz. Esta envolve a colaboração de formigas, que são atraídas por elaiossomas – estruturas ricas em nutrientes presentes nas sementes. Este mecanismo eficiente é observado em plantas como o tomilho (Thymus spp.), a violeta-brava (Viola riviniana), a erva-da-verrugas (Chelidonium majus) e o trevo (Trifolium spp.), que beneficiam do transporte fornecido por estes pequenos insetos.

E de outras vezes as sementes são deliberadamente transportadas por animais, geralmente na boca ou no bico. Contudo, nem sempre são consumidas. Em alguns casos, os animais armazenam os frutos ou sementes para alimentação e, por esquecimento ou abandono, promovem a sua germinação. Este processo é conhecido como diszoocoria. Um exemplo clássico é o carvalho (Quercus spp.), cujas bolotas são frequentemente enterradas ou escondidas por aves, como os gaios, em locais propícios para germinação. Outro exemplo deste tipo de dispersão é a estomatocoria, quando as sementes ou frutos são regurgitados pelas aves. Isto pode ocorrer, por exemplo, com os frutos do sabugueiro (Sambucus nigra), consumidos por aves como os tordos.

A dispersão acidental e o papel do ser humano

Além dos mecanismos naturais, o homem também desempenha um papel importante na propagação de sementes, seja de forma intencional ou acidental. A antropocoria ocorre através de atividades como a agricultura, a jardinagem e o transporte de mercadorias. Na agricultura, por exemplo, sementes de espécies como o milho (Zea mays), o trigo (Triticum aestivum) e a vinha (Vitis vinifera) são amplamente distribuídas por todo o mundo para satisfazer as necessidades alimentares e comerciais.

Mas o movimento de sementes também pode levar à propagação de espécies invasoras – como as acácias (Acacia spp.), a háquea-picante (Hakea decurrens), o chorão-das-praias (Carpobrotus edulis) e a erva-das-pampas (Cortaderia selloana) – que podem causar desequilíbrios ecológicos, invadindo ecossistemas naturais e alterando a biodiversidade local.

A dispersão de sementes pode ocorrer de forma involuntária, quando estas ficam presas à roupa, calçado ou a outros objetos pessoais. Este transporte acidental, associado ao movimento humano entre regiões, facilita a introdução de plantas exóticas, desafiando barreiras naturais e alterando dinâmicas ecológicas, muitas vezes com impactos negativos nos ecossistemas.

A força da autossuficiência: a energia das explosões naturais

Nem todas as plantas dependem de agentes externos. Algumas plantas desenvolveram mecanismos internos altamente especializados para lançar as suas sementes a curtas ou longas distâncias, utilizando a energia armazenada. Este processo, conhecido como autocoria, varia conforme o tipo de movimento gerado pela planta e a maneira como as sementes são projetadas.

Há plantas que usam a força da explosão para dispersar as sementes rapidamente (processo chamado balocoria). Um exemplo notável é o pepino-de-são-gregório (Ecballium elaterium), cujos frutos, quando maduros, explodem, dispersando as sementes para distâncias consideráveis. A giesta (Cytisus scoparius) e o tremoço-bravo (Lupinus albus) também utilizam esse mecanismo de dispersão.

Pepino-de-são-gregório. Foto: Krzysztof Ziarnek/WikiCommons

Outras espécies recorrem a uma libertação mais suave e controlada das suas sementes (herpocoria). A ervilha-de-cheiro (Lathyrus spp.), a malagueta (Capsicum annuum) e a erva-de-são-joão (Hypericum perforatum) são alguns exemplos de plantas cujos frutos se abrem lentamente lançando as sementes a uma curta distância, num movimento mais delicado.

Já o amendoim (Arachis hypogaea) tem um mecanismo de dispersão único, uma vez que as suas sementes não são dispersas diretamente pela planta através de um movimento explosivo. As sementes do amendoim crescem abaixo do solo e a planta utiliza um processo de desenvolvimento subterrâneo, com os frutos sendo enterrados naturalmente. 

Gravidade: O caminho simples da queda

A gravidade (barocoria) é o método mais simples de dispersão, permitindo que as sementes caiam diretamente ao solo. Os exemplos mais clássicos são os carvalhos (Quercus spp.) e o castanheiro (Castanea sativa) que produzem sementes pesadas (bolotas e castanhas) que rolam para longe da planta-mãe.

Frutos do castanheiro. Foto: Oliylkaeng/WikiCommons

A criatividade da natureza em ação

As estratégias de dispersão de sementes são um testemunho da criatividade e adaptabilidade da natureza. Cada mecanismo – do vento à água, dos animais ao ser humano – desempenha um papel crucial na perpetuação da vida vegetal e na sustentabilidade dos ecossistemas. Estes processos garantem a diversidade e o equilíbrio das espécies, além de proporcionar recursos imprescindíveis para outros seres vivos.

Ao observarmos estas estratégias, somos convidados a refletir sobre a nossa interação com o ambiente. As sementes, tão pequenas e aparentemente simples, carregam em si o poder de transformar paisagens e criar habitats.

Cada semente é uma pequena promessa de vida. Protegê-las e compreender o seu papel no equilíbrio da natureza é fundamental para garantir um futuro sustentável.

Carine Azevedo

Ameaçado: Lobo-ibérico vai ter novo programa nacional de conservação para os próximos 10 anos

 Um despacho do Ministério do Ambiente de 30 de Janeiro deu ao Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) três meses para apresentar um novo programa de medidas para conservar o lobo-ibérico, uma vez que o Plano de Ação para a Conservação do Lobo em Portugal “não teve o sucesso esperado”. Hoje restam quatro grandes núcleos populacionais desta espécie no nosso país.

Lobo-ibérico. Foto: Arturo de Frias Marques/Wiki Commons

“A situação populacional do lobo-ibérico em Portugal tem vindo a evoluir de forma desfavorável, pelo que importa rever e atualizar as estratégias que visam a sua conservação”, segundo o Despacho n.º 1392/2025, publicado a 30 de Janeiro e assinado pela ministra do Ambiente e da Energia Maria da Graça Carvalho.

Na verdade, os resultados do Censo do Lobo-Ibérico 2019/2021, divulgados em dezembro de 2024, mostram uma tendência de contração das áreas geográficas de distribuição da espécie que, no início do século xx, estava disseminada de norte a sul do país.

Hoje existem apenas quatro grandes núcleos populacionais de lobo: Peneda/Gerês, Alvão/Padrela, Bragança e Sul do Douro. Foram detetadas 58 alcateias (56 confirmadas, 2 prováveis). No censo anterior, realizado em 2002/2003, tinham sido detetadas 63 alcateias (51 confirmadas, 12 prováveis).

O número de alcateias detetadas sofreu uma ligeira redução, mas há tendências diferentes nos quatro núcleos populacionais. O núcleo da Peneda/Gerês registou um aumento significativo do número de alcateias, o que, em termos globais, compensou a diminuição verificada nos restantes núcleos. A diminuição do número de alcateias foi sobretudo evidente na área do núcleo de Alvão/Padrela, sendo também preocupante a redução registada na zona do Planalto Mirandês e a sul do rio Douro (onde apenas existirão 5 a 6 alcateias).

Actualmente, a população portuguesa representa 15% da população ibérica de lobo. No censo nacional, 17 das alcateias detetadas (29 %) têm territórios transfronteiriços, partilhados entre Portugal e Espanha.

Estima-se que a população de lobos em Portugal ronde os 300 animais, o que corresponde ao valor médio da estimativa de 190 a 390 lobos.

“A diminuição verificada da área de presença e do número de alcateias detetadas, bem como a instabilidade apresentada por estas ao longo dos últimos anos, poderá estar relacionada com a degradação e fragmentação do habitat decorrentes de alterações da paisagem, mas também de outros fatores. Há ainda um nível relevante de mortalidade por causas humanas face a conflitos com atividades socioeconómicas”, acrescenta o texto do despacho.

“Apesar de Portugal desenvolver esforços muito relevantes como o mecanismo de indemnização de prejuízos do lobo, não está a conseguir os resultados necessários para alcançar o estado de conservação favorável do lobo, compromisso assumido no âmbito da Convenção de Berna e da Diretiva Habitats”, sublinha o despacho.

O Plano de Ação para a Conservação do Lobo em Portugal, aprovado a 8 de Novembro de 2017, “não teve o sucesso esperado, pois visava alcançar o estado de conservação favorável”.

“Passados 7 anos sobre a sua aprovação, e tendo em conta os resultados agora disponibilizados pelo Censo do Lobo, importa proceder à avaliação e revisão deste plano com vista à obtenção de melhores resultados. É preciso inverter a dinâmica populacional desfavorável e assegurar que há maior eficácia na operacionalização de medidas e projetos, o que também implica uma maior afetação de recursos, designadamente financeiros.”

O Ministério do Ambiente e Energia defende “um novo ciclo de medidas dirigidas à proteção e restauro ecológico da população de lobo-ibérico em Portugal, no horizonte temporal de 10 anos, devendo ser previsto financiamento para iniciativas e projetos neste período, no âmbito de um programa a desenvolver”.

Para isso, o ICNF deve apresentar, no prazo de três meses, uma proposta de Programa Alcateia 2025-2035 para a Conservação da população de Lobo-Ibérico em Portugal. “Este deve prever medidas adicionais e prioridades de investimento com vista a alcançar um estado de conservação favorável” desta espécie.

A proposta deste programa será sujeita a consulta pública, por um período de 30 dias. Depois será aprovado por Resolução de Conselho de Ministro e incluirá uma previsão de financiamento plurianual para a sua implementação efetiva.

Helena Geraldes

Ex-Secretário de Estado Hernâni Dias ouvido no Parlamento na Terça-Feira

 Está marcada para terça-feira, a audição parlamentar do ex-secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, Hernâni Dias, para prestar esclarecimentos sobre a criação de duas empresas que poderão beneficiar da “lei dos solos”.


A informação foi divulgada pelo site da Assembleia da República (AR). A audição está agendada para o dia 4 de fevereiro, às 11 horas, na comissão parlamentar do Poder Local, depois das notícias que davam conta de que criou duas empresas que poderiam beneficiar das alterações ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT).

O requerimento para ouvir o ex-autarca brigantino foi apresentado pelo Bloco de Esquerda e aprovado ontem por unanimidade.

Recorde-se que Hernâni Dias demitiu-se na passada terça-feira mas assumido a sua disponibilidade para prestar “esclarecimento cabal de todos os assuntos, o mais rápido possível, e encerrar a desinformação que tem sido difundida”.

As alterações à “lei dos solos” servem para que terrenos rústicos possam ser convertidos em terrenos urbanos desde que a finalidade seja habitacional ou conexa à finalidade habitacional e usos complementares.

Jornalista: Rita Teixeira

Corridas de touros nas festas da cidade de Bragança 15 de Fevereiro de 1549

No âmbito das comemorações dos 561 anos de elevação de Bragança a cidade no mês de fevereiro, o Arquivo Distrital de Bragança associa-se a esta efeméride destacando o documento no qual o Duque de Bragança escrevia à Câmara de Bragança alertando para os gastos excessivos de dinheiros públicos na realização de corridas de touros.

Transcrevemos um excerto do sagaz e singular e multifacetado Francisco Manuel Alves, mais conhecido por Abade Baçal na sua obra monumental “Memórias arqueológico-históricas do distrito de Bragança” (1909-1947), em onze volumes onde revisitamos o Tomo VIII, pág. 165.

A 15 de Fevereiro de 1549 escrevia o Duque de Bragança à Câmara desta cidade lamentando «as desordens que há» na administração dos dinheiros do município. «E o em que me parece que ha a maior [desordem] aguora hé nos touros que se correm a custa dessa cidade porque se guasta nisso muyto… Eu nam quero que se deixem de correr touros mas seja com esta ordem que a cidade nas rendas della quando se arrendarem metam tantos joguos de touros que lhe amde dar. S. tal dia tantos e tal tantos . E quando não bastassem as rendas pera em cada h~ua se meterem estes joguos de touros podesse a cidade comcertar pollos joguos delles com quem hos de /. E qua por hum joguo de touros se da mil reis ate tres cruzados».

Não deixa de ser pertinente na contemporaneidade, a atualidade do documento, no que diz respeito à gestão dos dinheiros públicos por parte das Instituições Públicas, onde se pretende uma economia transparente e saudável é o princípio que norteia para o bem comum dos cidadãos.


Fonte: Arquivo Distrital de Bragança

CARTA ABERTA

Contributo para o Blogue, da coleção do autor, de: Filipe Pinheiro de Campos