terça-feira, 24 de junho de 2025

Francisco Correia Herédia, 1.º visconde da Ribeira Brava - Os Governadores Civis do Distrito de Bragança (1835-2011)

 18.dezembro.1884 – 12.março.1885
RIBEIRA BRAVA, 2.4.1852 – LISBOA, 16.10.1918

Proprietário.
Formado no Curso Superior de Letras.
Deputado (1882-1884, 1897-1899, 1900, 1905-1906, 1911-1915 e 1915-1917). Governador civil de Bragança (1884-1885). Governador civil de Beja (1885-1886 e 1897-1898). Presidente da Câmara Municipal da Vidigueira (1890-1898 e 1899-1902). Vogal da Junta Geral do Distrito do Funchal (1911). Governador civil de Lisboa (1914-1915).
Natural de Ribeira Brava, ilha da Madeira.
Filho de António Correia de Herédia, conselheiro, deputado e par do Reino, descendente de uma ilustre família espanhola, e de Ana Bettencourt Herédia.
Casou com Joana Gil de Borja Meneses e Macedo, filha de D. José Gil de Borja Meneses e Macedo, grande proprietário em Portel, e de D. Maria da Assunção da Gama Lobo, também de família ilustre, de quem teve três filhos: António Gil de Borja de Macedo e Meneses Correia de Herédia (n. 15.1.1873), Francisco Gil de Borja de Macedo e Meneses Correia de Herédia (26.1.1875) e Sebastião Sancho Gil de Borja de Macedo e Meneses Correia Herédia (7.9.1876).
Trisavô paterno de Isabel de Herédia, mulher de Duarte Pio de Bragança, pretendente ao trono de Portugal.
1.º visconde da Ribeira Brava (decreto de 4.5.1871). Fidalgo cavaleiro da Casa Real.

➖➖➖

Descendente de uma das mais antigas e nobres famílias da Madeira, Francisco Correia Herédia fez o ensino liceal no Funchal, de onde seguiu para Lisboa, em 1877, para se matricular no Curso Superior de Letras.
Por decreto de 4 de maio de 1871, foi titulado visconde da Ribeira Brava pelo rei D. Luís I, quando o seu pai, respeitado pelo seu trabalho humanitário desenvolvido na ilha da Madeira, recusou o título nobiliárquico em seu favor.
Em 1882, foi nomeado para a Comissão Central Antifiloxérica do Sul do Reino, realidade que conhecia bem, uma vez que era um grande latifundiário, possuindo extensas propriedades na Madeira e no Alentejo, usufruindo de vastos rendimentos provenientes da agricultura e do comércio de vinho. Em 1893, esteve na Argentina, como administrador das propriedades da Casa Armstrong, coadjuvando algumas vezes o visconde de Faria, Augusto de Faria, na receção de pessoas ilustres que visitavam aquele país. Viveu também em Paris, onde frequentou os meios da elite da sociedade local. Participou em 1895 no primeiro Congresso Vinícola, como representante do Sindicato Agrícola da Madeira.
Quanto ao seu percurso político, começou por seguir o Partido Regenerador e em 1878 foi eleito pelo círculo de Santa Cruz para a legislatura de 1879. Porém, tendo sido a eleição contestada, optou por não tomar assento. Foi depois eleito para a legislatura de 1882-1884, pelo círculo de Monção ( juramento a 23.1.1882). Nesta legislatura, integrou a Comissão de Administração Pública (1882-1884), Agricultura (1882), da Comissão Encarregada de estudar as causas da emigração dos habitantes da Madeira e dos Açores, de que foi relator (1882), da Comissão Especial para conhecer acerca das representações enviadas pelo distrito de Vila Real sobre o flagelo que atingia as vinhas da região (1882) e da Comissão Especial incumbida de estudar a reforma da lei eleitoral (1883).
Foi autor de diversos projetos de lei, entre os quais um para que as tintas de imprensa importadas para Portugal pagassem direitos, de forma a incentivar a indústria de tintas no País (31.3.1882); para que os diplomas dos foros nobiliárquicos ficassem sujeitos a novas taxas de imposto de selo e para que os alvarás de fidalgos-cavaleiros expedidos a favor dos comendadores da Ordem de Nossa Senhora da Conceição não fossem obrigados a pagar direitos de mercê, bem como os alvarás de confirmação de brasão de armas (28.6.1882); e isentando de direitos e impostos de importação no Funchal diversas mercadorias fabris, destinadas à construção de embarcações, assim como de direitos de exportação sobre os objetos da indústria fabril do Funchal (22.12.1883).
Para além de ter feito várias renovações de iniciativa de projetos e propostas de lei apresentados em sessões anteriores, subscreveu diferentes projetos, em conjunto com outros deputados, nomeadamente com Luís António Gonçalves de Freitas e Manuel José Vieira, relativos a interesses da Madeira, destacando-se um que tornava extensivas à exportação de vinhos da Madeira as disposições da Carta de Lei de 17 de maio de 1878 (8.2.1882); outro a autorizar o Governo a conceder diversos privilégios a Roberto Augusto da Costa Campos, com o objetivo de este construir um porto de abrigo no Funchal (16.5.1882); autorizando o Governo a contrair um empréstimo para a continuação da construção de levadas de irrigação na Madeira (30.5.1882); e para a concessão à Câmara Municipal do Funchal da isenção, por um ano, de todos os direitos sobre quaisquer materiais que importasse para as obras de iluminação pública da cidade (1.3.1884).
Interpelou o ministro das Obras Públicas, em 11 de fevereiro de 1882, sobre a questão filoxérica, e, em março do mesmo ano, chamou a atenção do Governo e da Câmara para os maus tratos de que eram alvo os portugueses emigrados nas ilhas Sandwich, fazendo na ocasião algumas considerações sobre os malefícios da emigração e defendendo a colonização do Alentejo como forma de obviar à saída de portugueses para o estrangeiro. Em 4 de abril de 1882, interveio na discussão do projeto relativo ao imposto sobre o sal, que defendeu contra os argumentos de Dias Ferreira, e, na sessão legislativa de 1883, discursou a propósito da eleição de Manuel de Arriaga pela Madeira, durante o debate da resposta ao discurso da Coroa.
Terminada a legislatura, desempenhou os cargos de governador civil de Bragança (18.12.1884 a 12.3.1885) e de Beja (12.3.1885 a 19.2.1886), e foi depois presidente da Câmara Municipal da Vidigueira, de 1890 a 1898 e de 1899 a 1902. Nestas funções, Ribeira Brava realizou importantes obras, tendo em vista o melhoramento das condições de vida da população, devendo-se à sua iniciativa o abastecimento de água a Vidigueira e Vila de Frades, a criação do Hospital Civil, o melhoramento das ruas e praças da vila e a construção do edifício da Câmara Municipal.
Abandonou então os regeneradores para se filiar no Partido Progressista, regressando ao Governo Civil de Beja, entre 11 de fevereiro de 1897 e 6 de outubro de 1898. Nesse entretanto, foi eleito para a legislatura de 1897-1899, pelo círculo da Ponta do Sol ( juramento a 30.6.1897), reeleito para a legislatura de 1900, por Ferreira do Alentejo ( juramento a 10.1.1900), e uma terceira vez, para a legislatura de 1905-1906, pelo círculo de Faro ( juramento em 1.5.1905). Na legislatura de 1897-1899, integrou as comissões de Agricultura, Administração Pública e de Reclamações e Vacaturas, tendo ainda sido membro da comissão incumbida de representar a Câmara dos Deputados no Congresso de Paz e Arbitragem, que se reuniu em Bruxelas em agosto de 1897. Voltou a ser membro das comissões de Agricultura e de Reclamações e Vacaturas em 1900, secretariando ainda a Comissão Encarregada de estudar os meios de colonizar os terrenos incultos do Alentejo. Interveio frequentemente sobre questões relativas à agricultura e aos vinhos, dando especial ênfase aos interesses da Madeira e do Alentejo. Na legislatura de 1897-1899, apareceu frequentemente ligado a João Catanho de Meneses na apresentação de projetos de lei referentes à Madeira, e associou-se a deputados como Alfredo César de Oliveira, Francisco Ravasco, Fialho Gomes e António de Meneses Vasconcelos, em projetos relativos ao Alentejo, concedendo diversas autorizações a municipalidades ou introduzindo vários melhoramentos. Ocupou-se várias vezes da questão das levadas na Madeira, chamou a atenção para necessidades de diversas localidades do Alentejo e para assuntos relacionados com a viticultura, defendendo a aplicação de medidas de fomento ao comércio dos vinhos.
Em 1905, acompanhou a dissidência progressista chefiada por José Maria de Alpoim e, estabelecidas ligações entre os dissidentes e os republicanos no combate ao Governo de João Franco, tomou parte nos vários movimentos revolucionários que precederam a implantação da República. No verão de 1907, juntamente com João Chagas, organizou um comité revolucionário, angariando o apoio de alguns oficiais da Armada. Reuniram alguns empregados do comércio e trabalhadores de oficinas para o fabrico de bombas e deram início a uma conspiração contra o Governo e destinada a implantar a República. Foi na casa do visconde da Ribeira Brava que o movimento ficou marcado para o dia 28 de janeiro de 1908. Malograda a revolução, foi preso, sendo libertado a 6 de fevereiro, poucos dias após o regicídio. Não obstante encontrar-se encarcerado no dia do regicídio, num panfleto anónimo posto então a circular em Lisboa podia ler-se “Morte aos sanguinários Afonso Costa, Alpoim e Ribeira Brava, os verdadeiros assassinos de el-rei e do príncipe real”.
Apesar de ter continuado a participar nas conspirações para o derrube da Monarquia, foi um dos que, em 4 de outubro de 1910, não acreditou que a revolução posta em marcha pudesse ter sucesso, apresentando-se na Rotunda com um salvo-conduto do quartel-general, para tentar dissuadir os revolucionários. Mas quando assistiu à concretização do sonho republicano, escreveu a um amigo madeirense que finalmente vivia num “país feliz”, embora sem nunca quebrar as relações com a Família Real, tendo mesmo pedido ao seu filho Sebastião para abastecer o carro de D. Manuel II para que o monarca pudesse deslocar-se para a Ericeira.
Depois da implantação da República, filiou-se no Partido Republicano Português e, abolidos os títulos nobiliárquicos, passou a assinar Francisco Correia de Herédia Ribeira Brava. Apresentou-se às eleições de 1911 para a Assembleia Constituinte, pelo círculo da sua ilha, ficando eleito, mas não chegou a tomar posse, por falta do parecer da comissão de verificação de poderes em relação a contestações surgidas quanto à sua eleição.
Fiel seguidor e grande amigo de Afonso Costa, tornou-se uma figura destacada do Partido Republicano, nele continuando a militar após as várias dissensões internas que estiveram na origem de novos partidos, e durante a Primeira República teve um papel proeminente na política local madeirense. Voltou a ser eleito deputado pela Madeira para as legislaturas de 1911-1915 e de 1915-1917, presidiu durante algum tempo à Junta Agrícola da Madeira e fez parte da Junta Geral do Distrito do Funchal, da Junta Autónoma das Obras do Porto do Funchal e da Comissão Administrativa da Santa Casa da Misericórdia desta cidade.
Durante o governo de Vítor Hugo de Azevedo Coutinho, desempenhou pela terceira vez o cargo de governador civil, agora no distrito de Lisboa (18.12.1914 a 25.1.1915).
Distinto desportista, nomeadamente na esgrima, foi, ao seu tempo, reconhecido como um homem de larga cultura e refinamento social e intelectual. Escreveu, em coautoria com Carlos Correia de Azevedo, Américo Correia de Azevedo e Manuel da Costa Dias, a obra Vida económica da Madeira. A imprensa e os três projetos sobre colonia, venda de águas do Estado e autonomia da Junta Agrícola da Madeira, apresentados na sessão da Câmara dos Deputados de 11 de fevereiro de 1916.
Durante o Governo de Sidónio Pais, o seu partido, na oposição ao Sidonismo, passou a ser objeto de perseguição, e Francisco de Herédia seria uma das principais vítimas desta alteração política. A 16 de outubro de 1918, durante um tiroteio com a escolta que o conduzia, com outros presos políticos, do Governo Civil para o local onde deveria ficar detido, no episódio conhecido como a “Leva da Morte”, de que resultou um total de sessenta feridos e sete mortos, o ex-visconde de Ribeira Brava foi degolado por um golpe de baioneta. Tinha então 66 anos. O seu funeral primou pela discrição e apenas a família assistiu ao enterro.
Está sepultado no jazigo da família Herédia, no cemitério dos Prazeres, em Lisboa. A principal artéria da Ribeira Brava tem hoje o nome de Rua do Visconde, a homenagear um dos seus mais ilustres naturais, e o Solar dos Herédias, onde residiu, funciona há muitos anos como sede da Câmara Municipal.

Troca de acusações entre Francisco Correia Herédia e Henrique de Burnay sobre a questão dos tabacos (1903)

Começa a levantar-se uma ponta do véu que cobria o mistério das graves acusações que o conde de Burnay fez aos homens públicos do nosso país, as quais consistem em que alguns deles pretenderam vender à Companhia dos Tabacos a sua cumplicidade no negócio do monopólio.
Como se sabe, o poderoso banqueiro disse que até o tinham ameaçado de pancada se não cedesse.
Agora, o Sr. visconde da Ribeira Brava publica a seguinte carta e telegrama:

“Londres, 19 de agosto de 1903
Ill.mo Exmo. Sr. conde de Burnay
Soube hoje, com verdadeira surpresa, que Vossa Exa. procurava prejudicar e inutilizar as negociações que por minha intervenção estão seguindo para a conversão das obrigações dos tabacos.
O procedimento de Vossa Exa. intrigando e caluniando sem escrúpulos, em prejuízo dos interesses sagrados do seu país, reclama um enérgico protesto e uma ação decisiva que ponha termo à sua intervenção em assunto para que ninguém o chamou e onde a sua presença só pode ser nefasta.
Venho, portanto, dizer a Vossa Exa., com a sinceridade e decisão com que costumo falar, que Vossa Exa. praticaria um ato correto e de verdadeiro interesse público retirando-se do caminho falso que pretende trilhar e onde eu não posso tolerar que continue, pois Vossa Exa. não tem direito a ser impunemente um elemento de destruição para o país que diz ser a sua pátria.
Faça, pois, Vossa Exa. o que entender; pela minha parte digo-lhe debaixo de um juramento de honra, que ou Vossa Exa. retrocede ou eu lhe farei sentir, pessoalmente, a incorreção e o abuso do seu procedimento.
De Vossa Exa. etc.
Visconde da Ribeira Brava”.

O Sr. conde de Burnay, que recebera esta carta em 20 de agosto, partiu ato contínuo para Portugal, e no dia 25 do mesmo mês telegrafava-me nos termos seguintes:

“Lisboa, 25 de agosto, às 7:20 da tarde.
Visconde da Ribeira Brava
Alexandra Hotel – Hyde Park Corner. London
Só hoje recebi expedida a sua carta de 19. São inexatas suas informações, estranho as suas ameaças e reservo a minha liberdade de ação – Conde de Burnay”.
Se os documentos que o Sr. Burnay tem em seu poder são todos como este, é caso para se dizer que se voltou o feitiço contra o feiticeiro.
Mas ele declarou também que tinha em seu poder documentos que provavam que certa pessoa altamente colocada se tinha comprometido a fazer calar os políticos mediante avultada quantia.
Da parte do Governo, tem havido uma má vontade evidente em pedir judicialmente as provas ao rico titular e de lhe aplicarem as penas correspondentes às suas calúnias, se essas provas não aparecessem.
No Governo e sobraçando a pasta da Fazenda encontra-se atualmente o Sr. Espregueira, o autor da manigância dos sobrescritos que tinha por fim assegurar a todo o transe o rendoso negócio do monopólio dos tabacos à Companhia de que o Sr. Burnay é diretor.
Todas estas circunstâncias fazem desconfiar que algo mais existe do que a carta do Sr. Ribeira Brava.
Seja como for, é indispensável que esta vergonhosa questão se esclareça e que, ou sejam punidos os que tentaram servir-se das suas situações elevadas para roubar o País, numa escroqueria vergonhosa, ou então punir severamente o vil caluniador, se não provar as suas ousadas afirmações.
Nem os mandatários do país podem estar sujeitos ao descrédito lançado sobre eles por qualquer bandoleiro que de tudo se serve para fazer o seu negócio lucrativo, nem a fazenda pública pode estar à mercê de quem se venda miseravelmente. O Sr. Burnay já foi intimado para prestar declarações em juízo e confirmou quanto tinha dito na célebre assembleia da Companhia dos Tabacos, reservando para em tempo competente apresentar as respetivas provas.
É indispensável que isto não sirva para deitar poeira nos olhos do público.

Fonte: A Pátria Nova, 2 de setembro de 1908, n.º 32, p. 1.

Fontes e Bibliografia
Arquivo Distrital de Bragança, Autos de Posse (1845-1928).
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, t. XXV, Lisboa, 1935-1987.
MARQUES, A. H. de Oliveira (coord.). 2000. Parlamentares e Ministros da 1.ª República (1910-1926). Lisboa: Assembleia da República.
MÓNICA, Maria Filomena (coord.). 2004. Dicionário Biográfico Parlamentar (1834-1910), vol. II. Lisboa: Assembleia da República.
OLIVEIRA, Maria José. 2008. “O visconde republicano que sonhava com um país feliz”, in Público, 1.2.2008.
ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins (dir.). 1989. Nobreza de Portugal e do Brasil, 2.ª ed. Lisboa: Editorial Enciclopédia, vol. III.

Publicação da C.M. Bragança

Sem comentários:

Enviar um comentário